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Tribunal finalmente decide que mulher não terá de pagar US$ 1,4 mi a vizinho por ter usado Wi-Fi

Caso no Novo México levanta questão dos danos que equipamentos eletrônicos podem causar à saúde - Ellen Weinstein/The New York Times
Caso no Novo México levanta questão dos danos que equipamentos eletrônicos podem causar à saúde Imagem: Ellen Weinstein/The New York Times

28/03/2015 06h00

Em um mundo menos louco, onde a ciência e a lei andassem lado a lado, um caso como o de Firstenberg vs. Monribot nem chegaria ao tribunal. Mas não foi isso o que aconteceu.

Este mês, cinco anos depois de o processo ter sido aberto, o Tribunal de Segunda Instância do Novo México determinou que Arthur Firstenberg, um opositor radical das tecnologias sem fio, não poderia receber 1,43 milhão de dólares em danos de sua vizinha, Raphaela Monribot, por afetar sua saúde em decorrência do uso do iPhone e de uma conexão Wi-Fi.

Os sinais eletromagnéticos que vão de um celular ao outro e de um computador ao outro residem em um espectro que fica entre o das ondas do rádio e o das cores da luz. Da perspectiva científica, as evidências de que esses sinais causam problemas de saúde são tão verdadeiras quanto às da vida após a morte. Mas a lei funciona de acordo com suas próprias normas, segundo as quais conceitos como evidências e provas ganham significas próprios. Esse caso no Novo México demonstra como duas áreas fundamentais do pensamento humano – a ciência e o direito – nem sempre se misturam muito bem.

De acordo com os registros, Firstenberg e Monribot já tiveram uma convivência amigável. Ele a contratou em 2008 para cozinhar para ele, e depois que ela foi para a Europa, ele alugou e, em seguida, comprou sua casinha em um velho bairro de Santa Fé, no Novo México. Quando ela voltou para a cidade, se mudou para uma casa próxima à que havia vendido para o vizinho.

Foi ali, de acordo com Firstenberg, que ela se tornou a causa de seu sofrimento. Tontura, náusea, amnésia, insônia, tremores, arritmia cardíaca, dores agudas e crônicas – tudo porque ela insistia em usar celulares, computadores e outros aparelhos comuns.

Os interruptores e as lâmpadas fluorescentes emitiam raios doloridos. O fato de ambas as casas partilharem a mesma rede elétrica piorava a situação, argumentou Firstenberg, intensificando os efeitos.

Afirmando sofrer de hipersensibilidade ao eletromagnetismo, uma doença não reconhecida pela medicina, ele já era conhecido em Santa Fé por sua tentativa frustrada de impedir a instalação de internet Wi-Fi na biblioteca municipal e outros espaços públicos.

Quando soube que Firstenberg, que vive a poucos quilômetros da minha casa, desejava ser indenizado pelo equivalente a uma invasão eletromagnética, presumi que o caso seria rapidamente arquivado. Ao invés disso, em 2010, ele caiu no labirinto interminável do sistema judiciário.

Em uma troca de e-mails, ele se negou a conceder uma entrevista sobre o caso, afirmando que os repórteres deveriam se concentrar naquilo que ele acredita serem os graves perigos causados pela radiação eletromagnética. No entanto, a não ser por um punhado de especialistas que citam outra pesquisa sem embasamento, o consenso científico é o de que não existe qualquer risco.

Ao contrário dos raios X e gama, a radiação emitida e recebida por aparelhos wireless tem uma frequência baixa demais para separar as moléculas das células vivas. Apenas no caso de exposição extrema, como o de uma pessoa que estivesse dentro de um forno de micro-ondas, é possível que as ondas causem danos por meio da geração de calor.

Não é impossível que níveis baixos e "subtermais" dessas ondas modifiquem a química celular de maneiras menos óbvias, mas não existem evidências de que isso seja verdade. Estudos duplos cegos envolvendo pessoas que se consideram eletrossensitivas não encontraram relação direta entre o surgimento dos sintomas e a presença de campos eletromagnéticos.

Mostrando ceticismo desde o princípio, a juíza distrital Sarah Singleton negou o pedido de liminar feito por Firstenberg, afirmando que ele "provavelmente não venceria a causa". Seria ótimo se a locomotiva tivesse parado naquele ponto.

A juíza também negou o pedido de arquivamento do caso feito por Monribot, agendando uma audiência com especialistas para um exame "aprofundado da validade das provas e dos argumentos de ambas as partes".

Em retrospectiva, o resultado foi como o "debate estatisticamente representativo do aquecimento global" realizado pelo comediante John Oliver, no qual três cientistas críticos da ideia de um aquecimento global causado por interferência humana debateram com 97 cientistas que consideram as evidências grandes demais. Qualquer debate a respeito da legitimidade científica da eletrossensitividade seria ainda mais desigual.

Em 2012, depois de mais dois anos de acusações e defesas, depoimentos e interrogatórios, inúmeras audiências e páginas de declarações juramentadas, os caminhos tortuosos da lei convenceram o tribunal do que a ciência já sabia: o caso de Firstenberg não fazia sentido. Seu quadro de especialistas, composto por um médico holístico e um psicólogo consultor sobre neurotoxicidade, foi desqualificado e suas evidências não eram confiáveis. Então foi a vez de um julgamento sumário contra ele.

Há cerca de uma semana, depois que o tribunal manteve a decisão em segunda instância, parei para conversar com o advogado de Monribot, Christopher Graeser. Os arquivos do caso estavam em caixas sobre a mesa. Caso fossem empilhadas, as páginas chegariam a quase dois metros de altura.

Os custos legais – sem contar os honorários – chegavam a 85.000 dólares. Por conta da falta de dinheiro de Firstenberg, a conta recaiu sobre a seguradora da locatária de Monribot – como se alguém tivesse caído (ou fingido cair) em uma calçada molhada.

Graeser e outro advogado, Joseph Romero, assumiram o caso pro bono, abrindo mão de cerca de 200.000 dólares em honorários legais. Lindsay Lovejoy, a advogada de Firstenberg, não quis discutir o que havia combinado com seu cliente.

Firstenberg representou a si mesmo no tribunal de segunda instância. O próximo caso pode chegar à Suprema Corte do Novo México. Afinal, de acordo com Graeser, o querelante "nunca foi desaconselhado a fazê-lo".