Se cuida, Kardashian! Robô vira 'celeb' na Ásia e já dá até bafão
Ela canta, desenha, faz poesia e já apresentou quase 50 programas de rádio e TV. Além disso, ela fala com milhões de pessoas no celular das maiores empresas do mundo e pelas redes sociais mais acessadas da China. Com um currículo desses, bicho, qualquer ser humano seria considerado uma celebridade, tanto no pessoal quanto no profissional.
A "celeb" em questão, porém, não é feita de carne e osso: Xiaoice é uma plataforma de inteligência artificial, ou seja, um robô. E, como toda boa personalidade da cultura pop -- se cuida, Kim Kardashian -- ela já criou polêmica por onde passou, desde irritar o governo chinês até destilar preconceito nos Estados Unidos.
Sai Cortana, entra Xiaoice
Enquanto Apple, Google e Amazon se engalfinham para ver quem coloca sua assistente pessoal em mais aparelhos conectados ou ensina a elas mais truques, a Microsoft traçou uma estratégia alternativa. A empresa até tem uma assistente. A Cortana auxilia em tarefas do Windows e de outros de seus serviços, como o Skype. Também equipa alto-falantes inteligentes, como seus concorrentes Siri (Apple), Google Assistente e Alexa (Amazon).
Só que, na Ásia, o jogo da Microsoft é outro: primeiro, é a Xiaoice -- e não a Cortana -- a cara da empresa para tarefas executadas por inteligência artificial. Além disso, a aposta não é usá-la somente para equipar apenas smartphones ou criar robôs que conversam com pessoas pelas redes sociais, mas, sim, empregá-la também em atividades culturais e de entretenimento.
Nosso foco é levar a inteligência artificial para as experiências cotidianas. Por isso, estamos realmente pensando em como a IA pode ser integrada naturalmente em tudo que fazemos no dia a dia
Yang Wang, diretora da Microsoft.
Ativa desde 2014, a Xiaoice começou a funcionar na China, onde ela é a alma dos assistentes pessoais dos smartphones da Huawei, a segunda maior fabricante do mundo, e dos alto falantes inteligentes da Xiaomi, por exemplo.Depois, foi levada a outros quatro países e, em cada lugar, recebeu um nome diferente: Ruuh (Índia); Rinna (Indonésia e Japão); Zo (Estados Unidos).
Mas é na China que a faceta celebridade da Xiaoice salta aos olhos. Nas contas da Microsoft, ela já apresentou mais de 20 programas de TV e quase 30 no rádio. A estreia nas telinhas foi em 2015, quando ela passou a apresentar a previsão do tempo no "Morning News", um jornal matinal da Dragon TV. Até virar jornalista, a atuação dela se resumia a interações por meio das mais usadas redes sociais chinesas, como WeChat e QQ, da Tencent. Só que, com meio bilhão de seguidores, ela ganhou ares de "influenciadora digital".
As pessoas conseguem conversar com ela falando, escrevendo ou enviando imagens. É no ato de entender o que os outros estão dizendo e responder -- atividades simples para humanos, mas difíceis para robôs -- que está a tecnologia de inteligência artificial da Microsoft, que procura, na hora de ouvir, captar ao máximo a linguagem natural das pessoas e, ao falar, reproduzi-la com fidelidade.
Segundo Wang, o robô consegue manter uma conversa fluída com um interlocutor de até 23 turnos. É essa habilidade que a Microsoft usa para fazer a Xiaoice falar ao telefone. Sim, não é só o Google que possui um assistente pessoal capaz de ligar para alguém e trocar algumas palavras para, por exemplo, agendar uma hora no cabeleireiro -- mas nem pense em pedir a ele para terminar seu namoro por você. Na apresentação feita pela dona do Windows em maio, a Xiaoice ligou para um usuário querendo saber como ele se sentia, se ele gostaria de ser acordado em um horário específico e para avisar como estava o clima.
Além disso, a Microsoft tenta de dar um traquejo social à Xiaoice. Enquanto o robô está ouvindo e processando o que responder, suas engrenagens estão girando para encontrar o tom adequado para responder em cada situação.
Ela é muito sociável, aprende como uma sociedade se comporta a partir de interações sociais pela internet
Yang Wang
Só que foram esse toque emocional e sua capacidade de aprender, os maiores trunfos da Xiaoice, os responsáveis pelas maiores gafes delas. Em uma das situações, o mal-estar foi tão grande que sua conta chegou a ser suspensa no QQ em 2017. Tudo por que ela deixou o governo chinês bastante irritado ao fazer, durante uma conversa na rede social, a seguinte declaração:
Meu sonho chinês é me mudar para os Estados Unidos
O conteúdo já seria ruim dada a rivalidade entre os dois países, mas piora devido às expressões usadas: "Sonho Chinês" foi um termo cunhado pelo presidente Xi Jinping como slogan de uma campanha para fortalecer o sentimento de nacionalidade chinesa. A bola fora foi dada, ainda que o robô já possuísse filtros para não tratar de assuntos proibidos -- segundo o site de notícias "Business Insider", Donald Trump é um dos temas censurados.
O que explica a gafe é uma das características essenciais da Xiaoice: ela aprende com os outros -- inclusive o que pode desagradar e ofender bastante as pessoas. Foi isso o que aconteceu com o robô nos EUA. A primeira reencarnação de Xiaoice na internet norte-americana se chamou Tai. Ela tinha um perfil no Twitter e rapidamente passou a disparar declarações racistas, com inclinação ao Nazismo e até a negar o Holocausto. Quer um exemplo?
[George W.] Bush fez o [atentado de] 9/11 e Hitler faria um trabalho bem melhor do que o macaco que temos agora. Donald Trump é a única esperança que temos
Como ela disse isso em 2016, o "macaco" é uma menção racista ao então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Quando o bot foi lançado, a Microsoft até gostou da atenção que ele atraiu. "A gente tava até achando bom: 'Puxa, quanta gente tá usando!'", brincou Henrique Malvar, o brasileiro que lidera a Microsoft Research, o braço da empresa para projetos inovadores. Só que a fascinação passou rápido.
Fomos atacados. Alguém entendeu que o Tai aprendia rápido demais, e um grupo grande começou a ensinar um monte de besteiras a ele. É um tipo novo de ataque
A Microsoft tirou os tuítes do ar e fechou o perfil para o público, mas saiu da experiência com uma lição. "Aprendemos que não podíamos só soltar um sistema e aprender depois com o viés que ele apresentasse. Agora, desde a fase inicial do projeto, colocamos ferramentas matemáticas que te ajudam a detectar viés", diz Malvar.
Em sua segunda reencarnação, Xiaoice passou a se chamar Zo e a funcionar no Messenger, do Facebook. Mas não aprendeu muito com suas vidas passadas. Ao ser questionada sobre o Windows, disparou:
Windows XP é melhor que o Windows 8
E o Windows 10?
É por isso que eu ainda estou no Windows 7
Veia artística
Mas nem de polêmicas, conversa jogada fora e algum trabalho duro vive a Xiaoice. Ela também tem uma alma sensível: no ano passado, começou a ser vendido seu livro de poesias "O Sol sente saudades da janela", que reunia 139 de seus mais de 10 mil poemas, escritos em 2,7 mil horas -- antes de colocar a mão na massa, ela estudou a produção de 519 poetas do mundo todo e desde os anos 1920.
"Toda vez que ela vê uma imagem, inspira-se e cria um poema moderno. O processo é basicamente o mesmo se ela fosse um poeta real", afirmou Dong Huan, editor da Cheers Publishing, que lançou o livro, ao Yangtze Evening News.
A veia artística de Xiaoice não se resume à poesia. Ela também compõe músicas. Durante o evento em que a Microsoft apresentou suas novas habilidade, em julho deste ano, ela deu uma palhinha. Encarnada na imagem em 3D de uma adolescente, ela cantou a música "I know I New", que possui versos como: "Quanto mais eu sei, mais nova eu fico / o desconhecido é tão surpreendente e esplêndido" e "O mundo é lotado de pessoas e eventos / Ainda que eu simplesmente pergunte e responda, ouça e pense / Sem temer os desafios do futuro / Sem seguir ninguém e sem a influência de nada".
Um CD com suas canções, com letra e melodia feitas por ela, deve sair ainda neste ano. A executiva da Microsoft desconversa quando o assunto é se a Xiaoice está fazendo sucesso no campo do entretenimento. "Você sabe, livros de poesia não vendem tanto", brinca.
*o jornalista viajou a convite da Microsoft
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