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Eles decidem se você terá uma vaga: por que ter robôs negros é importante?

Chatbot criado pela 99Jobs para o Itaú recrutar funcionários  - UOL
Chatbot criado pela 99Jobs para o Itaú recrutar funcionários Imagem: UOL

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

29/04/2019 11h27

Ver negros em empresas de tecnologia não é comum, tanto que muitos serviços feitos por elas à imagem e semelhança de seus funcionários -- geralmente homens brancos -- falham quando o assunto é reconhecer pessoas diferentes. Uma companhia brasileira de recrutamento online seguiu outro caminho: deu a seus robôs o biotipo de homens e mulheres negros.

Eles são os responsáveis por encontrar candidatos a vagas em empresas como Itaú, Globo, Natura e Danone. A tecnologia por trás deles permite que uma parte da seleção seja feita por meio do aplicativo de mensagens do Facebook, o Messenger. Também dá para direcionar os candidatos a um emprego mais perto de sua casa. Mas isso ocorre nos bastidores.

O que você vê ao tentar uma vaga no Itaú é Paula, uma moça jovem negra, sorridente de cabelos crespos. Isso ajuda negros a se sentirem mais confortáveis na hora da inscrição e faz com que brancos não afeitos à diversidade pensem duas vezes, diz Eduardo Migliano, CEO da 99Jobs, empresa que criou o sistema.

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Veja relato

Especializada em desenhar plataformas mais interativas de recrutamento profissional, a 99Jobs apostou em tornar a etapa inicial da peneira de currículos algo menos quadrado. Por isso, usou o Messenger, que permite criar chatbots. Esse tipo de robô é programado para conversar como se fosse alguém de verdade, ainda que as respostas sejam automáticas. Mas ele não joga muita conversa fora: tem sempre um intuito específico. No caso de Paula, a ideia é entender se o candidato está de acordo com os valores, requisitos e necessidades do Itaú.

Migliano conta que a 99Jobs queria fazer um robô diferente dos assistentes pessoais Siri (Apple) e Alexa (Amazon), que "tem voz de mulher, mas você não sabe quem são". A ideia era fazer com que a interação fosse pessoal, ainda que de um dos lados da conversa estivesse uma máquina. "A gente precisava de um personagem que representasse o que é trabalhar naquele lugar. E, em vez de criar robô, a gente começou a personificar os chats."

Quando a gente teve a oportunidade de criar personas, pensamos que não tinha como elas não serem negras para aumentar a representatividade do negro em organizações grandes para as quais a gente trabalha.

Paula não é a única. Enquanto ela é a cara do processo de seleção de estagiários e funcionários da rede de agências do Itaú, João Rosa foi o rosto do programa de estagiários da Globo. Fora do Facebook, os dois são pessoas reais: são funcionários da própria 99Jobs -- Rosa, por exemplo, é Diego Guedes, head de diversidade da empresa.

O recrutamento é uma das ferramentas mais preconceituosas
Eduardo Migliano

chatbot - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Chatbot criado pela 99Jobs para a Globo recrutar seus estagiários
Imagem: Reprodução/Facebook

Para Migliano, usar a identidade de negros nos chatbots gera dois efeitos.

Sobre negros:

Quando um negro olha um chatbot com uma menina negra lá dentro, ele fala: 'puxa, que legal, tem um negro'. Ele tende a se inscrever com mais carinho, mais atenção, contar para outros amigos negros, e, por conta disso, a gente aumenta o número de negros se inscrevendo.

Sobre brancos:

O menino olha e fala: 'essa empresa favorece negro. Não gostei', e ele se inscreve de um jeito diferente. Ou, então, ele diz: 'colocaram um negro aqui dentro. É nessa empresa que eu quero trabalhar'

No processo de seleção da Natura essa estratégia já deu certo: elevou para 27% o número de estagiários negros, diz o CEO.

Isso aumenta o número de profissionais negros e também aumenta o número de profissionais que entendem a diversidade da organização. A organização ter deixado isso acontecer e deixado um negro ser a cara do processo seletivo é um posicionamento

Maria Rachel Poleselli, superintendente de Recursos Humanos do Itaú, conta que "a Paulinha é um sucesso e as pessoas simpatizam com ela". Ela reconhece que negros que conversem com o chatbot possam se ver nela, mas faz uma ressalva de que esta não era a intenção do banco.

Talvez um negro tenha, de fato, essa identificação, mas não foi o objetivo. Foi uma feliz coincidência

A intenção do banco, diz, era tornar o processo mais ágil e interativo. Ou seja, saem os formulários, entram as conversas divertidas e até o envio de vídeos. Paulinha chega a brincar com a faculdade dos candidatos e fazer piadas com a data de aniversário deles.

E aí, Siri? Por que todas as assistentes virtuais têm vozes femininas?

Entenda o machismo por trás

Até agora, ela já recrutou 188 pessoas para o Itaú. O chatbot é usado em todo país pelo banco, com exceção, por ora, de Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em breve, diz Poleselli, começará a ser usado para encontrar outros tipos de profissionais, como agentes comerciais e assistentes comerciais. Um dos maiores indicadores de sucesso é que as pessoas que passam por ele sentem vontade de recomendá-lo a amigos.

Além disso, leva agilidade para o banco. O chatbot é programado para analisar se as respostas dos candidatos se encaixam com a expectativa buscada pela instituição, seja em termos de valores ou de requisitos técnicos, como ter ou não ensino superior. Ou seja, convencer Paulinha é o primeiro passo para alguém que queira se tornar funcionário do Itaú.

Se durante a conversa ela fez perguntas que tiveram alguma inadequação muito grande, quando vier as sugestões do algoritmo para o gestor, essa pessoa vai ficar mais atrás do que outras que tiveram maior aderência às respostas
Maria Rachel Poleselli

Além de estar prestes a receber a incumbência de procurar profissionais de outras áreas, Paulinha irá ganhar outra habilidade: poderá, em breve, direcionar candidatos que se inscreveram para um posto a uma vaga diferente.

O trabalho de Paulinha está longe de acabar. "A gente está falando de quase 4 mil agência, e vaga de estágio sempre tem. As pessoas se formam ou são promovidas, e surgem mais. Tem uma rotatividade natural", diz Poleselli.