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Sociedade naturaliza a cultura do estupro, diz antropóloga

27.mai.2016 - Manifestantes colam cartazes contra machismo e violência sexual no tapume que cerca obras no Masp, na avenida Paulista, região central de São Paulo - Avener Prado/Folhapress
27.mai.2016 - Manifestantes colam cartazes contra machismo e violência sexual no tapume que cerca obras no Masp, na avenida Paulista, região central de São Paulo Imagem: Avener Prado/Folhapress

Em São Paulo

28/05/2016 08h35

O estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Rio levantou uma questão: vivemos uma cultura do estupro? Para responder, o jornal "O Estado de S.Paulo" falou com a professora de Antropologia da USP Heloisa Buarque de Almeida, que coordenou o programa USP Diversidade quando vieram a público os casos de estupro na Faculdade de Medicina. Hoje ela participa da rede Não Cala.

Nós vivemos numa cultura de estupro? O que isso significa?

Para entender o que isso tem a ver com o Brasil, é preciso pensar no tipo de produção cultural que a gente tem, que por um lado naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres e por outro torna as mulheres objetos e traz a ideia de que o homem não consegue se conter. Como se o homem fosse uma espécie de bicho descontrolado. O que não é verdade porque, se fosse assim, todos os homens seriam predadores sexuais. Um caso clássico é o de uma propaganda de cerveja do carnaval do ano passado que dizia "deixei o não em casa", que sugere que a mulher diz ‘não’, mas no fundo quer dizer ‘sim’.

As pesquisas com violência contra as mulheres mostram que o estupro é muito mais comum do que a gente imagina, acontece de modo muito mais corriqueiro. Estudo recente do Ipea calculou que 10% a no máximo 30% dos casos são de fato denunciados. Isso porque vivemos numa sociedade que nutre a ideia que se uma menina denuncia um estupro, a primeira coisa que acontece é cair a culpa sobre ela. Sabem que vão perguntar: mas você estava bêbada ou de minissaia. Isso é naturalizado em várias produções culturais. Temos músicas que descrevem cenas que parecem estupros e tocam como se fosse normal.

Muita gente tem dito: em vez de ensinar a menina a não ser estuprada, tem de ensinar os meninos a não estuprar. É só uma questão de educação?

A primeira coisa que tem de acontecer é punir os agressores. Hoje pune-se muito pouco esse tipo de caso. Muitos dos BOs que fizemos de casos na Universidade de São Paulo nem sequer foram investigados. Mas não basta punir. Educação é fundamental. É urgente falar de gênero na escola. Quando um menino pequeno está na escola, chora, e o pai fala: ‘homem não chora, bata no menino que bateu em você’, ele aprende que não pode expressar seu sentimento a não ser pela agressão. É ainda dominante uma cultura que os meninos têm de saber se defender. A gente ensina a se expressar pela violência. Tem de educar os meninos a ser amigos das meninas.

E isso aparece também no discurso de artistas, políticos.

É assustador que esse caso venha à tona num dia em que vemos o Alexandre Frota, que contou como piada na TV uma cena de estupro, indo ao Ministério da Educação. O que ele fez na TV foi um exemplo clássico de cultura do estupro. O que ele pode propor sobre educação? Outro exemplo foi quando o deputado Jair Bolsonaro falou para a deputada Maria do Rosário, que ela não merecia ser estuprada. Como se estupro fosse um elogio. Ele naturalizou o estupro como se fosse algo que as mulheres merecessem. Por isso é urgente problematizar a violência contra a mulher.