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MPF apura suspeita de fraudes na cota parlamentar

Alan Marques/Folhapress
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Em Brasília

23/10/2016 08h12

O Ministério Público Federal investiga suspeita de desvios da cota parlamentar de pelo menos 30 deputados e alguns que já perderam o mandato. Além do salário, da verba de gabinete e do auxílio-moradia, os parlamentares ainda recebem até R$ 45 mil de reembolso por mês para aluguel de veículos, passagens, combustível, hospedagem e a manutenção de um escritório em sua cidade de origem.

Um dos casos de irregularidades investigados é o do líder do governo na Câmara, deputado André Moura (PSC-SE), aberto este ano. Segundo investigações da Procuradoria da República, Moura pagou R$ 460 mil à Cloud Technology, entre 2013 e 2016, mas os documentos apresentados pela consultora não comprovam a prestação de serviço. Os investigadores também não encontraram a companhia no endereço informado. O processo, assim como pelo menos outros sete casos, segue sob sigilo na Justiça.

Moura também usou parte de sua cota, entre 2013 e 2014, para contratar os serviços de uma empresa cujos donos são alvo de investigação no Sergipe, a Elo Consultoria. A empresa é acusada de assinar contratos fictícios para justificar gastos de vereadores. Em março deste ano, policiais e promotores do Sergipe deflagraram a Operação Indenizar-se e fizeram buscas na Câmara de Aracaju. No total, 15 dos 24 vereadores são investigados no caso, assim como os sócios da Elo.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ) é investigado por contratos com a empresa Beinfo Soluções em Tecnologia, cujos sócios são filiados ao PT e teriam realizado doações, pessoalmente e por meio de terceiros, à campanha do petista.

TCU

O uso do "cotão" também é objeto de análise do Tribunal de Contas da União (TCU). A investigação teve início em 2013, após 20 parlamentares terem sido denunciados por apresentar notas falsas de aluguel de automóveis para maquiar irregularidades. Agora, o TCU diz haver indícios de que os recursos continuam sendo utilizados de forma irregular. Em parecer técnico preliminar da corte de contas também há indicações de que a Câmara não estaria seguindo as orientações de fiscalização feitas pelo TCU.

O relator do processo é o ministro Walton Alencar, o mesmo que determinou, em 2014, que se realizasse o monitoramento no uso das cotas. O parecer técnico preliminar, contudo, vê indícios de que as irregularidades se mantiveram e que não há controle adequado. O relatório ainda não é conclusivo.

No primeiro semestre de 2016, os parlamentares da Casa receberam cerca de R$ 100 milhões em reembolsos para o "exercício do mandato". Entre as despesas, a divulgação do mandato parlamentar é a área de maior gasto dos deputados. Nos primeiros seis meses do ano, foram gastos mais de R$ 20 milhões com propaganda. A emissão de bilhetes aéreos fica em segundo lugar (R$ 17,2 milhões), seguida pelo aluguel de automóveis (R$ 11 milhões).

Os limites mensais da cota variam conforme o Estado de cada um dos 513 deputados e são acumulados ao longo do ano. A quantia leva em consideração a distância que o parlamentar precisa percorrer até à capital federal para trabalhar durante a semana.

O Estado com a menor verba é o Distrito Federal, R$ 30.788,66. Já os deputados de Roraima são os que têm direito ao maior valor, até R$ 45.612,53. Líderes e vice-líderes partidários e presidentes e vice-presidentes de comissões ganham R$ 1.300 a mais por mês.

Casos suspeitos

Somente a partir de 2014 os deputados foram obrigados a apresentar notas fiscais dos gastos, que também começaram a ser divulgados no site da Câmara. O acesso aos dados facilitou o trabalho de organizações independentes, como a Operação Política Supervisionada (OPS), que, em três anos, identificou 178 parlamentares com possíveis irregularidades nos gastos e 42 fornecedores suspeitos. A OPS afirma que já foram devolvidos mais de R$ 5 milhões aos cofres públicos com as denúncias.

Uma consultoria jurídica contratada pelo primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), plagiou trabalhos universitários e reportagens em pareceres técnicos. Mansur pagou ao menos R$ 100 mil à consultoria, que ainda presta serviços ao parlamentar.

Outro caso é o do deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), que comprou quase 3 toneladas de papel A4 e 16 mil lápis escolares nos últimos dois anos, o que custou cerca de R$ 120 mil. O deputado Paulo Feijó (PR-RJ) abastecia o carro apenas no posto de combustível do seu genro. Para evitar um processo, ele se comprometeu a devolver os R$ 100 mil em parcelas à Câmara.

Mais um caso suspeito é o do deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE), que, mesmo sem ter comparecido à Câmara no primeiro semestre de 2016, recebeu R$ 100 mil para cobrir despesas como aluguel de veículo e passagens aéreas, até para Brasília.

Já o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), somente em junho deste ano, pediu reembolso de cerca de R$ 47.500 pelo envio de cartas a eleitores.

Deputados negam irregularidades no uso de verba

O  deputado Wadih Damous (PT-RJ) negou irregularidades e disse que não recebeu nenhuma doação da empresa citada. "Não me consta que, para ser assessor, a pessoa não possa ser filiada a algum partido político."

Beto Mansur (PRB-SP) afirmou que "não tem nada de errado" com os trabalhos feitos pela consultoria. Segundo ele, como os trabalhos são de uso interno, não é preciso pedir direito autoral.

Silvio Costa (PTdoB-PE) alegou que os papéis e os lápis são usados em seu escritório. "Em meio aos escândalos de corrupção da Lava Jato, é uma honra ser questionado apenas sobre o uso de papel", declarou.

Aníbal Gomes (PMDB-CE) afirmou que justificou as faltas e que "as pessoas viajam mesmo doentes".

A assessoria de Jair Bolsonaro (PSC-RJ) informou que ele envia cartões a todos os eleitores do Rio duas vezes por ano.

André Moura (PSC-SE) e Paulo Feijó (PR-RJ) não foram localizados.

(As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)