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Caso de espionagem dos EUA viola direitos humanos, diz Dilma na ONU

24/09/2013 11h51

A presidente Dilma Rousseff usou nesta terça-feira o palanque privilegiado da Assembleia Geral da ONU para afirmar que a espionagem atribuída aos Estados Unidos, por meio da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), representa uma violação dos direitos humanos e um desrespeito às soberanias nacionais.

Primeira líder a falar no debate geral de chefes de Estado da organização, a presidente disse que "a rede global de espionagem" da NSA provocou "indignação e repúdio" em "amplos setores da opinião pública mundial" e ainda mais no Brasil, onde ela própria, seus ministros e a Petrobras teriam sido alvo das ações.

"Estamos, senhor presidente, diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis", disse Dilma, dirigindo-se ao presidente desta sessão da Assembleia, John Ashe, embaixador de Antígua e Barbuda na ONU. "Da invasão e captura de informações sigilosas relativas a atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional".

"Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outros países", protestou Dilma. "Pior ainda", continuou, quando empresas privadas fazem parte do esquema.

"Não se sustentam os argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações contra o terrorismo. O Brasil", disse Dilma, "repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas".

'Inadmissíveis'

Por tradição, cabe ao mandatário brasileiro abrir os trabalhos da plenária de líderes das Nações Unidas, o principal fórum que reúne os líderes dos 193 países-membro da organização. O tema deste ano era "Agenda de Desenvolvimento Pós-2015: Preparando o cenário".

Dilma Rousseff já tinha avisado que ancoraria o seu discurso na polêmica envolvendo a espionagem americana. Até a Casa Branca já esperava que ela fizesse críticas mais fortes aos EUA, mas ainda havia dúvidas sobre quão duro seria o tom que a presidente adotaria.

A versão final do discurso ficou pronta às 4h da manhã, e assessores do Planalto disseram que até no café da manhã a presidente ainda rabiscava mudanças no texto.

Indiretamente, a presidente fez menção à importância do caso na sua decisão de adiar uma visita ao Estado aos EUA em outubro.

"Governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis."

Segundo documentos secretos da NSA revelados pela imprensa, o governo dos EUA teria interceptado telefonemas e e-mails da presidente e de seus principais assessores, assim como dados sigilosos da Petrobras.

As denúncias provocaram um forte abalo nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos, que culminaram com o adiamento de um encontro entre Dilma e o presidente americano, Barack Obama. A reunião estava prevista para ocorrer em outubro, em Washington.

Uso e segurança da internet

Como esperado, a presidente manifestou apoio a medidas voltadas para incrementar a segurança dos dados nas comunicações globais e a governança da internet.

Esse tema tem sido alvo de discussões em várias instâncias da ONU. No Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra, por exemplo, cerca de 250 entidades assinaram uma carta de princípios internacionais com recomendações para que os governos não façam uso de práticas de vigilância ilícitas e abusivas nas comunicações globais.

A Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Navi Pillay, e o relator especial para Liberdade de Expressão da ONU, Frank La Rue, já expressaram preocupação com as implicações das ações da NSA.

"O problema transcende o relacionamento bilateral (entre EUA e Brasil)", colocou Dilma. Ela disse que o Brasil apresentará propostas para criar um marco civil multilateral para garantir a liberdade de expressão na internet, estabelecer uma governança democrática e multilateral da rede e preservar o seu caráter de universidade, diversidade e neutralidade.

"As tecnologias de telecomunicações e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestruturas de outros países", defendeu a presidente.

Síria e Brasil

Dilma também falou de outros temas na ONU. Ela defendeu uma solução negociada para a Síria e disse que é uma "derrota coletiva" que a organização cumpra 70 anos, em 2015, "sem um Conselho de Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje".

Esta "limitada representação", disse Dilma, está relacionada às dificuldades da ONU em oferecer uma solução para o conflito sírio e à "paralisia" no tratamento das negociações de paz entre israelenses e palestinos.

A presidente defendeu ainda reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI) para elevar a participação dos países emergentes em decisões que afetam a economia global, que continua "frágil", nas palavras da presidente.

Em outro ponto do discurso, a presidente se referiu aos protestos ocorridos no Brasil em junho, dizendo que, em vez de reprimi-los, o governo "ouviu e compreendeu as vozes das ruas. Porque nós viemos das ruas".

"Os manifestantes não pediram a volta do passado. Pediram um avanço para um futuro com mais direitos, mais conquistas sociais."

"Nossa estratégia de desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as brasileiras", afirmou.

Dilma também destacou conquistas sociais de seu governo, como a redução da desigualdade e a saída de milhões de brasileiros da pobreza.

Desenvolvimento sustentável

Ainda nesta terça-feira, a presidente Dilma Rousseff participa de uma sessão de alto nível para encaminhar as resoluções da Rio+20, realizada no ano passado.

A conferência discutiu o modelo de desenvolvimento sustentável que os governos devem buscar a partir de 2015, em substituição às metas básicas de redução da pobreza e elevação de indicadores sociais contidas nos Objetivos do Milênio.

"O grande passo que demos no Rio de Janeiro foi colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentável", disse Dilma. "A pobreza, senhor presidente, não é um problema exclusivo dos países em desenvolvimento, e a proteção ambiental não é uma meta apenas para quando a pobreza estiver superada."

A ONU estabeleceu o Fórum de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, que reúne governos e chefes de Estado. A instância se reunirá a cada quatro anos na Assembleia Geral da ONU, com reuniões em nível ministerial uma vez por ano. Suas deliberações se traduzirão em declarações governamentais acordadas pelas partes.

A partir de 2016, a instância acompanhará a implementação das metas de desenvolvimento sustentável pelos países da ONU.