'Guru cibercético' prega clique com reflexão na internet
O "cibercético" questiona o poder de grandes corporações na internet
O historiador e cientista social anglo-americano Andrew Keen chegou a ser chamado de "anticristo do vale do silício" por suas posições pouco otimistas sobre o desenvolvimento tecnológico do mundo virtual.
Ele ganhou ressonância no circuito de palestras nos Estados Unidos e na Europa defendendo que a internet seria um espaço povoado majoritariamente por "amadores".
Na visão de Keen, que é também empreendor - ele fundou, em 1995, o site audiocafe.com e dirige hoje a consultoria FutureCast -, o empoderamento tecnológico permite que internautas sejam celebrados como jornalistas, videomakers e músicos em um ambiente que ele compara à "sedutora promessa de autorrealização individual" idealizada pelo marxismo.
Keen é um dos mais eloquentes integrantes da corrente "cibercética", que vê com reservas o papel crescente da internet na vida cotidiana.
Em seu terceiro livro, o recém-lançado The Internet Is Not The Answer, ele alerta para os efeitos negativos da internet sobre a sociedade e a cultura.
O livro foi saudado pelo jornal britânico Sunday Times como uma "leitura poderosa e assustadora", chamado pelo americano Washington Post de "cartilha extremamente útil para quem acha que a vida online não é tão promissora como nossos avatares digitais querem fazer crer" e criticado pelo britânico Daily Telegraph por não apontar soluções ou caminhos, "já que a internet não pode ser desinventada".
"Não sou contra a internet, só acho que precisamos refletir um pouco mais sobre seu impacto", diz Keen.
Veja abaixo alguns de seus principais argumentos, concedidos em entrevista à BBC Brasil.
'A internet alimenta monopólios'
Keen argumenta que a economia digital aprofundou a concentração de poder econômico. Ele critica a decisão dos EUA nos anos 90 de permitir que empresas privadas cuidassem do desenvolvimento da internet.
"O Google hoje em dia lida com 3,5 bilhões de buscas por dia e controla mais de 90% do mercado em alguns países. A empresa vale mais de US$ 400 bilhões, mais de sete vezes que a (montadora de automóveis) General Motors. Há sinais claros de que a internet alimenta monopólios", diz o britânico.
Avaliado em US$ 400 milhões em 2014, o Google tem valor de mercado maior que a montadora General Motors
Keen vê na formação de "leviatãs" como o Google e o site de compras Amazon como ameaça ao equilíbrio econômico.
"Estudos nos EUA mostraram que a Amazon foi responsável pelo desparecimento de 27 mil empregos nos EUA em 2012. A empresa também provocou um imenso impacto no mercado editorial, inclusive a falência de um grande número de livrarias", observa.
'Selfies politizados'
Movimentos populares que usaram a internet para promover suas causas são citados por Keen como exemplos ambíguos. Ao mesmo tempo em que ele reconhece a importância das tecnologias digitais em casos como a Primavera Árabe, o escritor e empreendedor critica o que vê como uma situação em que o narcisismo vence a coletividade.
Para o escritor britânico, movimentos como o "Occupy" são prejudicados pelo individualismo de seus participantes
"É verdade que a internet teve um papel positivo para movimentos sociais que questionaram autoridades e pediram democracia, mas há uma tendência preocupante de preponderância de discursos individualistas sobre a coletividade. O Occupy Wall Street, por exemplo, me parecia uma colcha de retalhos de várias vozes. Algo muito como um 'selfie politizado'".
Sai o proletariado e entra o 'precariado'
Keen defende a tese de que um efeito colateral do sucesso da economia digital é a extinção de empregos na economia "física".
"Hoje em dia vemos cada vez mais empresas faturando fortunas com um número de funcionários muito menor que o de companhias tradicionais da mesma faixa de poder financeiro", explica o britânico.
Ele cita como exemplo o site de aluguel de imóveis para viajantes Airbnb, que emprega apenas 700 pessoas e foi avaliado em cerca de US$ 20 bilhões, perto da metade do valor de mercado da rede Hilton, que conta com quatro mil hotéis e emprega 150 mil pessoas.
O Facebook, acessado por quase 20% da população mundial, fez fortuna com a comercialização de informações de usuários
"A internet colocou pressão sobre o mercado de trabalho formal e ameaça transformar o que Marx chamava de proletariado numa força de trabalho precária - o precariado".
Vigilância
Não é apenas a economia que deixa Keen preocupado. The Internet is Not the Answer aborda também a questão da privacidade online. Um dos alvos preferidos do britânico é o Facebook e como informações pessoais são usadas para fins comerciais.
"É crescente o número de tecnologias que usam informações pessoais e permitem que empresas não apenas observem nossa vida mas nos vendam como produtos para anunciantes", diz Keen.
'Turbas instantâneas'
Keen endossa o argumento de que a internet tem efeitos positivos para a comunicação mas ao mesmo tempo pode estar contribuindo para a fragmentação de ideias e mesmo de debates.
"As características da rede permitem que simplesmente escolhamos o que queremos ver ou ouvir e isso, a meu ver, faz com que menos e menos debates ocorram", explica ele.
Keen argumenta que a internet tem o poder de criar "turbas instantâneas"
Para o britânico, isso age como um catalisador para a intolerância.
"Já havia intolerância antes da internet, ninguém está discutindo isso".
"Mas no mundo online é muito mais fácil alguma discussão ganhar proporções muito maiores do que deveria. É como se agora tivéssemos a capacidade de formar turbas instantâneas para julgar pessoas de cuja existência nós sequer saberíamos sem o alcance da rede".
Clique com reflexão
Keen foi acusado por críticos de ter "rancor" da internet por sua suposta falta de sucesso como empreendedor - a audiocafe.com faliu no ano 2000. Mas em seus livros o britânico ressalta a importância da tecnologia na vida cotidiana.
A concentração de poder na economia digital estaria contribuindo para o fechamento de lojas no mundo "físico"
"Não sou contra a internet, mas nem por isso acho que devemos aceitar sem refletir as mudanças que ela traz para a maneira como vivemos nossos dias", explica.
Além de defender uma maior preocupação de governos com monopólios na internet e o respeito à privacidade de usuários, Keen vê a necessidade de uma reflexão por parte de quem está atrás do teclado.
"Todo mundo precisa pensar no que está fazendo e em como seu uso da rede pode estar contribuindo para situações de injustiça e intolerância".
O historiador e cientista social anglo-americano Andrew Keen chegou a ser chamado de "anticristo do vale do silício" por suas posições pouco otimistas sobre o desenvolvimento tecnológico do mundo virtual.
Ele ganhou ressonância no circuito de palestras nos Estados Unidos e na Europa defendendo que a internet seria um espaço povoado majoritariamente por "amadores".
Na visão de Keen, que é também empreendor - ele fundou, em 1995, o site audiocafe.com e dirige hoje a consultoria FutureCast -, o empoderamento tecnológico permite que internautas sejam celebrados como jornalistas, videomakers e músicos em um ambiente que ele compara à "sedutora promessa de autorrealização individual" idealizada pelo marxismo.
Keen é um dos mais eloquentes integrantes da corrente "cibercética", que vê com reservas o papel crescente da internet na vida cotidiana.
Em seu terceiro livro, o recém-lançado The Internet Is Not The Answer, ele alerta para os efeitos negativos da internet sobre a sociedade e a cultura.
O livro foi saudado pelo jornal britânico Sunday Times como uma "leitura poderosa e assustadora", chamado pelo americano Washington Post de "cartilha extremamente útil para quem acha que a vida online não é tão promissora como nossos avatares digitais querem fazer crer" e criticado pelo britânico Daily Telegraph por não apontar soluções ou caminhos, "já que a internet não pode ser desinventada".
"Não sou contra a internet, só acho que precisamos refletir um pouco mais sobre seu impacto", diz Keen.
Veja abaixo alguns de seus principais argumentos, concedidos em entrevista à BBC Brasil.
'A internet alimenta monopólios'
Keen argumenta que a economia digital aprofundou a concentração de poder econômico. Ele critica a decisão dos EUA nos anos 90 de permitir que empresas privadas cuidassem do desenvolvimento da internet.
"O Google hoje em dia lida com 3,5 bilhões de buscas por dia e controla mais de 90% do mercado em alguns países. A empresa vale mais de US$ 400 bilhões, mais de sete vezes que a (montadora de automóveis) General Motors. Há sinais claros de que a internet alimenta monopólios", diz o britânico.
Avaliado em US$ 400 milhões em 2014, o Google tem valor de mercado maior que a montadora General Motors
Keen vê na formação de "leviatãs" como o Google e o site de compras Amazon como ameaça ao equilíbrio econômico.
"Estudos nos EUA mostraram que a Amazon foi responsável pelo desparecimento de 27 mil empregos nos EUA em 2012. A empresa também provocou um imenso impacto no mercado editorial, inclusive a falência de um grande número de livrarias", observa.
'Selfies politizados'
Movimentos populares que usaram a internet para promover suas causas são citados por Keen como exemplos ambíguos. Ao mesmo tempo em que ele reconhece a importância das tecnologias digitais em casos como a Primavera Árabe, o escritor e empreendedor critica o que vê como uma situação em que o narcisismo vence a coletividade.
Para o escritor britânico, movimentos como o "Occupy" são prejudicados pelo individualismo de seus participantes
"É verdade que a internet teve um papel positivo para movimentos sociais que questionaram autoridades e pediram democracia, mas há uma tendência preocupante de preponderância de discursos individualistas sobre a coletividade. O Occupy Wall Street, por exemplo, me parecia uma colcha de retalhos de várias vozes. Algo muito como um 'selfie politizado'".
Sai o proletariado e entra o 'precariado'
Keen defende a tese de que um efeito colateral do sucesso da economia digital é a extinção de empregos na economia "física".
"Hoje em dia vemos cada vez mais empresas faturando fortunas com um número de funcionários muito menor que o de companhias tradicionais da mesma faixa de poder financeiro", explica o britânico.
Ele cita como exemplo o site de aluguel de imóveis para viajantes Airbnb, que emprega apenas 700 pessoas e foi avaliado em cerca de US$ 20 bilhões, perto da metade do valor de mercado da rede Hilton, que conta com quatro mil hotéis e emprega 150 mil pessoas.
O Facebook, acessado por quase 20% da população mundial, fez fortuna com a comercialização de informações de usuários
"A internet colocou pressão sobre o mercado de trabalho formal e ameaça transformar o que Marx chamava de proletariado numa força de trabalho precária - o precariado".
Vigilância
Não é apenas a economia que deixa Keen preocupado. The Internet is Not the Answer aborda também a questão da privacidade online. Um dos alvos preferidos do britânico é o Facebook e como informações pessoais são usadas para fins comerciais.
"É crescente o número de tecnologias que usam informações pessoais e permitem que empresas não apenas observem nossa vida mas nos vendam como produtos para anunciantes", diz Keen.
'Turbas instantâneas'
Keen endossa o argumento de que a internet tem efeitos positivos para a comunicação mas ao mesmo tempo pode estar contribuindo para a fragmentação de ideias e mesmo de debates.
"As características da rede permitem que simplesmente escolhamos o que queremos ver ou ouvir e isso, a meu ver, faz com que menos e menos debates ocorram", explica ele.
Keen argumenta que a internet tem o poder de criar "turbas instantâneas"
Para o britânico, isso age como um catalisador para a intolerância.
"Já havia intolerância antes da internet, ninguém está discutindo isso".
"Mas no mundo online é muito mais fácil alguma discussão ganhar proporções muito maiores do que deveria. É como se agora tivéssemos a capacidade de formar turbas instantâneas para julgar pessoas de cuja existência nós sequer saberíamos sem o alcance da rede".
Clique com reflexão
Keen foi acusado por críticos de ter "rancor" da internet por sua suposta falta de sucesso como empreendedor - a audiocafe.com faliu no ano 2000. Mas em seus livros o britânico ressalta a importância da tecnologia na vida cotidiana.
A concentração de poder na economia digital estaria contribuindo para o fechamento de lojas no mundo "físico"
"Não sou contra a internet, mas nem por isso acho que devemos aceitar sem refletir as mudanças que ela traz para a maneira como vivemos nossos dias", explica.
Além de defender uma maior preocupação de governos com monopólios na internet e o respeito à privacidade de usuários, Keen vê a necessidade de uma reflexão por parte de quem está atrás do teclado.
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