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Dois meses após Alan: as dezenas de crianças afogadas ao tentar chegar à Europa

Refugiado sírio segura bebê após naufrágio da embarcação que os levava para a ilha de Lesbos, na Grécia - Alkis Konstantinidis/Reuters
Refugiado sírio segura bebê após naufrágio da embarcação que os levava para a ilha de Lesbos, na Grécia Imagem: Alkis Konstantinidis/Reuters

Antía Castedo

BBC Mundo

05/11/2015 10h02

Há dois meses, a foto do corpo de um menino de três anos deitado em uma praia turca comoveu o mundo tornou-se símbolo dos riscos que imigrantes enfrentam ao tentar chegar à Europa por mar.

Alan Kurdi viajava com a família num barco que naufragou ao tentar chegar à ilha grega de Kos. Sua mãe e um irmão também morreram.

Mas a ampla divulgação da foto pouco fez para mudar a situação: mais de 75 crianças morreram na perigosa travessia entre a Turquia e a Grécia desde a morte de Alan, segundo dados da organização Save the Children.

Acredita-se que cerca de 8 mil imigrantes chegam diariamente à Grécia, e 23% deles são crianças. Este número pode ser bem maior já que é difícil se chegar a uma estimativa precisa.

A atual crise migratória é a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e nem mesmo a chegada do inverno no hemisfério norte tem impedido que milhares de pessoas se arrisquem na travessia para chegar ao continente.

Na semana passada, cerca de 300 imigrantes naufragaram perto da ilha grega de Lesbos, que tornou-se um dos principais pontos de entrada à Europa. Estavam num barco de madeira que se rompeu no meio do mar.

Naufrágio - Giorgos Moutafis/Reuters - Giorgos Moutafis/Reuters
Voluntário leva bebê para terra firme após naufrágio de embarcação próximo à ilha grega de Lesbos
Imagem: Giorgos Moutafis/Reuters


Estas embarcações são mais perigosas do que as de borracha, que são normalmente usadas pelos traficantes. São antigas e, quando naufragam, imigrantes podem ficar presos dentro delas.

"Todos caíram no mar. Podíamos vê-los da ilha", disse a fotógrafa grega Daphne Toli, que testemunhou o naufrágio.

Naufrágio 3 - Aris Messinis/AFP - Aris Messinis/AFP
Mulher segura criança que chora ao chegar à ilha grega de Lesbos
Imagem: Aris Messinis/AFP


Equipes de emergência socorreram os imigrantes, mas muitos deles passaram horas na água antes de serem resgatados.

Toli disse ter visto várias crianças inconscientes serem levadas à praia e voluntários tentando reanimá-las.

Ao menos 43 pessoas morreram só neste naufrágio, 20 delas crianças, segundo dados da Guarda Costeira grega, que resgatou 274 pessoas.

"As crianças não tinham coletes salva-vidas, mas boias de piscina", disse a fotógrafa, que disse vê-las tremendo de frio.

Na mesma manhã, Toli, que trabalhava em Lesbos havia um mês, tinha visto pela primeira vez uma criança afogada. "Um barco da guarda costeira havia chegado com dois meninos. Um deles estava morto. (Os funcionários) tentaram reanimá-lo desesperadamente, diante de seu pai".

"O pai começou a gritar e a chorar, a bater forte no peito de seu filho". O menino, que teria seis ou sete anos, morreu.

Preços mais baixos

Cenas como esta se repetem quase que diariamente em Lesbos e nas outras ilhas gregas. Acreditava-se que, com o fim do verão, quando as condições do mar ficam mais adversas, haveria uma redução no número de pessoas chegando à Europa.

Mas, agora, os atravessadores de pessoas têm baixado seus preços.

Naufragio 2 - Giorgos Moutafis/Reuters - Giorgos Moutafis/Reuters
Bebê é retirado do mar após naufrágio; ele sobreviveu
Imagem: Giorgos Moutafis/Reuters


"No verão, cobrávamos US$ 1,2 mil ou US$ 1,3 mil por pessoa [cerca de R$ 4.500], mas no inverno será US$ 1 mil ou US$ 900, mais barato mas mais perigoso", disse um atravessador ao porto turco de Izmir ao jornal "The Independent".

Somente em outubro, chegaram às ilhas gregas mais de 210 mil imigrantes.

"Pensamos que os números cairiam mas, pelo contrário, mais chegaram", disse Caroline Anning, da organização Save the Children, que assiste crianças.

Santi Palacios, fotógrafo da agência AP e autor de várias fotos que acompanham esta reportagem, atua muitas vezes como voluntário quando chega algum novo barco no litoral.

Disse ter visto uma mulher que amamentava um bebê e que começou a gritar. Ela tinha perdido um de seus filhos, outro bebê, no mar.

"Estavam em choque. Um bebê havia escorregado para a água", contou Palacios. "Pensamos em voltar, mas como rastrear um bebê na imensidade do mar e numa noite como essa?".

"O que está acontecendo é muito selvagem", disse, acreditando que o número de mortos é muito maior do que o estimado.