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As semelhanças e diferenças entre a polarização política no Brasil e na Venezuela

"As lideranças de Lula e Chávez são diferentes", analisa o escritor Tyszka - Evaristo Sá/AFP
"As lideranças de Lula e Chávez são diferentes", analisa o escritor Tyszka Imagem: Evaristo Sá/AFP

Claudia Jardim

De Bangkok para a BBC Brasil*

07/03/2016 08h01

Enfrentamento entre manifestantes e insultos racistas. De um lado as cores nacionais apropriadas como símbolo opositor, de outro, camisetas e bandeiras vermelhas. Meios de comunicação acusados de "golpistas" e um líder político capaz de despertar amor e ódio. Não fosse o verde-amarelo e o idioma usado nas palavras de ordem, a cena poderia representar a Venezuela.

A crescente polarização no Brasil entre governistas e opositores teve os ânimos acirrados na sexta-feira, após a operação da Polícia Federal contra Luiz Inácio Lula da Silva. A reação do ex-presidente e de manifestantes pró e anti-PT leva analistas políticos venezuelanos ouvidos pela BBC Brasil a traçarem paralelos entre os dois países.

Para o cientista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela, o menor grau de politização da sociedade brasileira, se comparada à venezuelana, "afasta" do Brasil o risco de uma polarização tensa e violenta que marca com frequência o embate político no país vizinho. "A disputa ideológica nesses anos politizou os venezuelanos", afirmou.

A divisão social inerente à história da Venezuela se aprofundou com a chegada ao poder do líder venezuelano Hugo Chávez, morto há três anos. Defensor do socialismo, Chávez desapropriou terras para a reforma agrária, aumentou o controle do Estado sobre a a exploração petrolífera, enfrentou os meios de comunicação e quem mais atacasse a "revolução bolivariana".

Sua retórica imediatamente seduzia as classes populares, beneficiárias da redução da desigualdade social - e repelia com a mesma força as classes média e alta.

O mito Lula foi construído sobre outras bases, destaca Romero. O ex-presidente optou pela conciliação entre os diferentes setores da sociedade brasileira, "não politizou", mas ainda assim não pôde evitar a polarização.

"A elite nunca está disposta a ceder [para reduzir a brecha social], mas [os programas sociais] foram impostos pelo Estado nos anos 'dourados' do governo Lula mesmo assim", afirmou. "A corrupção [no governo], no entanto, não pode ser atribuída como responsabilidade da elite brasileira ou dos setores privados na Venezuela."

Como a Lava Jato chegou ao ex-presidente Lula

UOL Notícias

Lula x Chávez

Após a ação coercitiva que o levou ao posto da PF no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para depor, o ex-presidente disse que as acusações contra ele são fruto do incômodo das classes mais altas pelas políticas sociais que promoveu no país.

"Ter acesso a universidade, emprego, ao mínimo para comer, isso incomodou muita gente e tem que destruir esse avanço dos [que vêm] debaixo."

Lula anunciou que voltará a rodar o país junto aos movimentos populares e pediu para seu partido, o PT, "levantar a cabeça".

O escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka disse que a reação de Lula lhe recordou do tom polarizado presente nos discursos de Hugo Chávez.

"O Brasil pode estar caminhando a um processo forte de polarização, mas de todas maneiras será diferente da situação vivida na Venezuela. As lideranças de Lula e Chávez são diferentes", acrescentou Barrera, autor de "Chávez Sem Uniforme" e da ficção "Pátria o Muerte" ("Pátria ou Morte", na tradução do espanhol), que conta as consequências da polarização na Venezuela.

"Chávez polarizou o país antes de ter uma definição ideológica. Se propôs como um herói destinado a mudar a história (...) não tenho certeza de que Lula tenha esse mesmo perfil", afirmou.

O cenário venezuelano, no entanto, poderia se reproduzir no Brasil caso as investigações da Operação Lava Jato levarem à condenação e prisão do ex-presidente. "[Uma eventual prisão] pode acentuar a polarização e os riscos de manifestações violentas", afirmou Carlos Romero.

De acordo com pesquisa do Instituto Vox Populi divulgada no fim de semana, 56% dos entrevistados disseram ser contrários a que a Operação Lava Jato inclua o ex-presidente nas investigações. Num universo de 15 mil entrevistados, 57% disse acreditar na inocência de Lula.

briga prédio de lula - Clayton de Souza/Estadão Conteúdo - Clayton de Souza/Estadão Conteúdo
Manifestantes a favor e contra Lula brigam em frente ao edifício do ex-presidente
Imagem: Clayton de Souza/Estadão Conteúdo

Crise econômica

Há exatos três anos de sua morte, Hugo Chávez se mantém como o ícone de adoração e repúdio na sociedade venezuelana, que enfrenta uma das piores crises econômicas dos últimos anos. Queda dos preços do petróleo --único motor da economia--, corrupção, acusações de sabotagem por setores empresariais antichavistas e ineficiência da administração do presidente Nicolás Maduro compõem o cenário da crise e de uma sociedade, até agora, irreconciliável.

De um lado estão os revolucionários; e de outro, os antichavistas.

A crise econômica brasileira é outro ponto de encontro entre ambos países. Em meio à crise política, o IBGE anunciou a queda de 3,8% do PIB em 2015, a pior retração em duas décadas.

"O retrocesso das economias também se expressa em desemprego e desânimo, e, ao mesmo tempo, no aprofundamento da polarização", afirmou Carlos Romero, ao considerar que aqueles que deixaram de ser beneficiados por programas sociais podem ter mudado de lado.

A temperatura da disputa nas ruas no Brasil tende a subir nos próximos dias com o avanço da Operação Lava Jato e a realização de manifestações a favor de Lula e de setores pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Para o analista político, a saída para melhorar as condições de vida da população sem polarizar a sociedade seria a conquista de um projeto político que convença a maioria da população, hipótese cada vez mais distante da realidade política tanto do Brasil como da Venezuela.

"Em nenhum dos casos se conseguiu um projeto hegemônico. Sempre a metade do país esteve contra."

*Claudia Jardim foi colaborada da BBC Brasil em Caracas, onde cobriu a política venezuelana durante 11 anos. Há quatro meses ela produz reportagens sobre o Sudeste Asiático em Bangcoc, na Tailândia.