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Discurso de Bolsonaro na ONU: o que presidente, que não se vacinou, deverá dizer sobre vacina

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Enviada da BBC News Brasil a Nova York

20/09/2021 08h38

Presidente brasileiro deve tentar mostrar que cumpriu compromissos feitos na cúpula do clima de Joe Biden, sem deixar de mencionar temas que mobilizam apoiadores, como marco temporal para demarcação de terras indígenas, que beneficia o agronegócio.

O terceiro discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na próxima terça, 21/09, deve funcionar como um ensaio do que ele pretende mostrar ao completar os 1.000 dias de governo, marca que alcançará no fim de setembro e que tem mobilizado alta expectativa na gestão.

Por um lado, Bolsonaro tentará mostrar como seu governo avançou com a vacinação dos brasileiros e conteve a pandemia ao mesmo tempo em que irrigou a economia com um auxílio emergencial que beneficiou quase um terço da população e impediu uma recessão mais aguda em 2020. Além disso, focará em realizações para, nas palavras de integrantes do próprio Itamaraty, "desarmar a bomba" da questão ambiental que o próprio governo ajudou a montar e que trouxe danos à imagem internacional do país.

Por outro lado, tentará caracterizar que o tom mais pragmático em certos assuntos não o afasta dos princípios que o elegeram - e que agradam sua base mais aguerrida. São esperadas citações a temas como o marco temporal (que limita a possibilidade de demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas por eles em 1988), à liberdade de expressão da direita em redes sociais e a valores cristãos e conservadores.

Para o Itamaraty, que preferia que Bolsonaro evitasse menções a temas controversos - e fizesse um discurso mais ao sabor da fala dele na 13ª cúpula dos Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), há alguns dias, quando o presidente chegou a dizer que a parceria com a China tem sido "essencial" para o combate da pandemia por seu governo -, a expectativa é que a agenda positiva que o presidente vai apresentar solape eventual repercussão negativa dos aspectos mais ideológicos da apresentação.

No Itamaraty, a percepção é que o presidente "já surpreendeu positivamente em abril", na Cúpula do Clima promovida pelo presidente americano, Joe Biden, e portanto a expectativa agora seria "positiva".

O Itamaraty sabe, porém, que a Assembleia Geral da ONU é uma plataforma valorizada pelo presidente e que ao menos trechos do discurso devem escapar ao tom discreto e pragmático que o chanceler Carlos França tem tentado imprimir à atuação do Itamaraty.

"Ele provavelmente vai apresentar algo mais moderado, mas não veremos uma versão 'Bolsonarinho paz e amor'", diz Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas, em uma alusão ao Lulinha Paz e Amor criado pelo marqueteiro Duda Mendonça em 2002 para amenizar a imagem de radical do ex-presidente Lula.

'Agenda positiva'

Além de destacar que o Brasil é o país em desenvolvimento com metas mais ambiciosas, tanto no combate ao desmatamento (zerar até 2030) quanto à emissão de gases do efeito estufa (alcançar a neutralidade até 2050) e relembrar que o Brasil detém mais de 80% de sua matriz energética de fonte limpa, os diplomatas brasileiros querem que Bolsonaro anuncie em plenário o cumprimento de uma promessa que fez em abril, na Cúpula do Clima, a Biden.

Na ocasião, o brasileiro havia dito que dobraria a verba de fiscalização para coibir a devastação ambiental. Em meados de agosto, o governo anunciou incremento de 118% nos recursos de órgãos como o Ibama. E ainda no mês passado, os dados apontaram uma queda no desmatamento, interrompendo uma tendência de alta.

As sinalizações são vistas como fundamentais para voltar a atrair o investidor estrangeiro. "Acredito que avançamos. Antes o presidente até negava que houvesse um problema, agora reconhecemos o desafio do desmatamento e estamos enfrentando", afirmou à BBC News Brasil um embaixador, em caráter reservado.

Em outra frente, França defende que Bolsonaro explore o bom momento do país na pandemia. O Brasil recém-ultrapassou os EUA em proporção de cidadãos vacinados com pelo menos uma dose (68,1% a 63%), embora esteja muito distante em relação à taxa dos vacinados com duas doses (37% a 54%). Possivelmente pelo avanço na imunização, a média móvel de casos e mortes por covid-19 recuou para patamares inferiores ao verificado ao longo do último ano. A expectativa do Planalto é que até o fim de outubro o país tenha a maioria da população completamente imunizada.

Isso possibilitaria, segundo afirmou um embaixador à BBC News Brasil, que Bolsonaro fizesse um anúncio: o Brasil pretende doar doses de vacinas contra a covid-19 para outros países da América Latina que enfrentam escassez de doses, como o Paraguai, o Peru e o Haiti. O movimento seria uma tentativa de retomar certo protagonismo na região, enfraquecido depois que o governo Bolsonaro deixou de priorizar o Mercosul e as relações Sul-Sul.

Ainda para reafirmar a importância global do Brasil, Bolsonaro deve falar sobre a recém-conquistada vaga não permanente no Conselho de Segurança da ONU e mencionar que o país estendeu a afegãos o visto humanitário, que já havia sido disponibilizado a sírios e haitianos.

Temas controversos

Para o brasilianista Brian Winter, editor-chefe da publicação americana Americas Quartely, a tentativa de agenda positiva faz sentido para atrair o investidor estrangeiro, que "está particularmente interessado em questões de meio ambiente e em ver se Bolsonaro fará alguma observação que signifique confronto entre Poderes ou fragilidade à democracia".

"O problema é que mesmo que ele faça afirmações contundentes em favor do meio ambiente, muita gente não vai acreditar porque Bolsonaro tem um problema de credibilidade", diz Winter.

A questão da vacinação é um exemplo da fragilidade que o brasilianista aponta. A defesa da imunização em massa esbarra na condição pessoal do presidente brasileiro, o único líder do G-20 a afirmar não estar vacinado. "O que acontece, você vai tomar vacina para que? Para ter anticorpos. A minha taxa de anticorpos está lá em cima. Eu te apresento o documento, estou com 991 (no exame médico IgG). Então eu estou bem. Vou tomar vacina CoronaVac, por exemplo, que não vai chegar a essa efetividade, para que eu vou tomar? Agora, todo mundo já tomou vacina no Brasil? Depois que todo mundo tomar, eu vou decidir meu futuro aí", afirmou o presidente, ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que também compõe a comitiva que foi a Nova York.

Outro tema que o presidente promete abordar, para contrariedade dos diplomatas, é a questão do marco temporal, atualmente em análise pelo Supremo Tribunal Federal. "O que eu devo falar lá (na ONU)? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado (pelo STF), se tivermos que demarcar novas terras indígenas ?hoje em dia temos aproximadamente 13% do território nacional demarcado como terra indígena já consolidada?, caso tenha-se que levar em conta um novo marco temporal, essa área vai dobrar", afirmou Bolsonaro em live antes de chegar a Nova York.

Segundo Bolsonaro, se o STF rejeitar a tese do marco temporal, a "segurança alimentar" do Brasil e do mundo estaria em risco, em provável referência à redução das terras disponíveis para a produção do agronegócio. Existe a tensão entre integrantes do governo que uma menção a um assunto sob deliberação de outro poder possa reacender a crise institucional, amenizada pela carta recuo de Bolsonaro, elaborada pelo ex-presidente Michel Temer em 09/09.

Outro provável tema do presidente brasileiro será a defesa da liberdade de expressão de lideranças da direita global, que ele acredita estarem sendo silenciadas pelas grandes empresas tecnológicas do Vale do Silício, como Twitter e Facebook. O tema foi um dos que animaram a militância bolsonarista no 7 de Setembro. O assunto foi alvo de uma Medida Provisória assinada por Bolsonaro, mas que acabou devolvida ao Planalto pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A mesma medida também havia sido barrada em decisão da ministra do STF Rosa Weber. Neste domingo, 19/09, o governo anunciou que enviaria um projeto de lei ao Congresso com teor semelhante ao da MP derrubada.

Bolsonaro chegou a Nova York no fim da tarde deste domingo. Em frente ao hotel do presidente, cerca de dez pessoas protestavam contra o marco temporal e chamavam o mandatário de "criminoso" e "genocida". Bolsonaro, no entanto, não viu o protesto porque entrou no hotel por uma porta secundária.

O discurso do brasileiro, que abre a 76ª Assembleia Geral da ONU, será na manhã da próxima terça, 21. Além da fala, o presidente também se encontrará com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e com o presidente da Polônia, Andrezj Duda. Com ambos, o presidente brasileiro tem afinidades ideológicas.


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