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Manobra de Cunha na votação da maioridade penal feriu Constituição?

Alexandre Schossler

02/07/2015 16h29

Presidente da Câmara é mais uma vez acusado por juristas e OAB de desrespeitar a lei suprema. Eles afirmam que procedimento que resultou na aprovação em primeiro turno da redução da maioridade penal é inconstitucional.

Uma "manobra", "pedalada" ou "golpe regimental" - nas palavras dos críticos - levou à aprovação de uma versão alterada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos - porém, com as alterações, apenas para crimes hediondos, homicídio doloso (com intenção de matar) e lesão corporal seguida de morte.

A votação da proposta alterada ocorreu na última quarta-feira (01/07), poucas horas depois de a versão anterior da PEC ter sido derrotada na Câmara. Com 303 votos a favor, ela não havia alcançado o mínimo de 308 necessário para mudar a Constituição.

Derrotado na primeira votação, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, negociou as alterações na PEC com líderes de bancada e recolocou o tema em votação, desta vez com sucesso. As críticas ao procedimento do deputado foram imediatas. "O que está sendo feito hoje é um golpe, uma farsa", afirmou Ivan Valente (Psol-SP). Cunha disse estar seguro de que o procedimento foi correto. "Quem não concorda que recorra à CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] ou ao STF [Supremo Tribunal Federal]", disse.

O procedimento é correto? Os argumentos contrários e favoráveis seguem duas linhas de argumentação.

Possível desrespeito à Constituição

Esse argumento se baseia na Constituição, que estipula regras para a sua própria alteração. No seu artigo 60, parágrafo quinto, ela afirma que "matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão [ano] legislativa". Esse artigo foi lembrado por juristas, como o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, e organizações como a OAB.

Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada NÃO pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa— Joaquim Barbosa (@joaquimboficial) 2. Juli 2015

Para eles, o artigo é claro: uma proposta de alteração da Constituição só pode ser analisada e votada uma vez por ano, e não repetidas vezes.

A argumentação de Cunha e dos deputados que o apoiam é que se trata de uma nova proposta de alteração, já que alguns crimes, como o tráfico de drogas, foram deixados de lado, como informa o site de notícias G1. Mas, no próprio site da Câmara dos Deputados, o termo "matéria", referido pela Constituição, é definido como "assunto ou objeto de discurso, composição, conversação, discussão, debate".

Para a OAB, as alterações feitas ao texto rejeitado são pontuais e não configuram uma nova PEC. "Temos de ter a clareza que a alteração tópica da redação de uma PEC não é suficiente para retirar um fato: a matéria foi rejeitada em um dia e aprovada no dia seguinte. É justamente esse fenômeno que a Constituição proíbe. O artigo 60, parágrafo 5º, é uma norma constitucional que veda a nova votação de matéria rejeitada", afirma a entidade, em nota.

Não é a primeira vez que Cunha é acusado de desrespeitar a Constituição numa votação parlamentar. O mesmo se deu durante a votação da reforma política, em junho, quando a PEC que institui o financiamento empresarial a partidos e candidatos foi aprovada em segunda votação.

Um manifesto assinado na época por vários juristas e associações do Direito afirma que a Constituição "não autoriza que a matéria seja rediscutida senão no ano seguinte" e que o objetivo dessa regra é impedir que "a alteração do texto constitucional se converta em uma trivialidade cotidiana da vida parlamentar".

Por discordarem da manobra, OAB e deputados já afirmaram que vão recorrer ao STF contra a aprovação da emenda da maioridade penal.

Possível desrespeito ao regimento da Câmara

Essa linha de argumentação se baseia no regimento da Câmara. Alguns deputados afirmaram que a manobra de Cunha fere o regimento porque a proposta votada - e aprovada - não se fundamenta em propostas anteriormente apresentadas e porque foi votada antes do texto original da PEC. A proposta aprovada é uma emenda aglutinativa, ou seja, um texto que aglutina (reúne) trechos de outras emendas, incluindo o texto original da PEC, anterior ao texto do relator (o chamado substitutivo), que foi rejeitado.

O Psol divulgou uma nota sobre o que chamou de "golpe de Eduardo Cunha". "Essa emenda aglutinativa somente poderia ser votada após a votação do texto principal, desde que ele fosse aprovado. Para que a emenda fosse votada antes do texto principal, deveria ter sido feito, antes da votação de ontem [quarta-feira], um destaque de preferência para sua votação. Esse destaque, no entanto, não foi feito", afirma nota divulgada pelo partido.

"Não podemos votar texto morto. Não se pode montar uma aglutinativa com texto rejeitado. Os incisos 4 e 5 fazem parte do texto principal dessa emenda aglutinativa, mas foram rejeitados", criticou a deputada Jandira Feghalli (PC do B-RJ), segundo o site da Carta Capital. "Não podemos jogar o regimento no lixo. A presidência não pode atropelar a decisão deste plenário. Não pode querer ganhar no tapetão", afirmou.

Os partidários de Cunha, porém, argumentam com o artigo 191, inciso quinto, do regimento. Lá está escrito que, "na hipótese de rejeição do substitutivo (...), a proposição inicial [texto original da PEC] será votada por último, depois das emendas que lhe tenham sido apresentadas".

Como o substitutivo foi rejeitado, isso abriria espaço para a votação de emendas antes da votação do texto original da PEC. Segundo o secretário-geral da Câmara, Silvio Avelino, como o texto original da PEC não foi votado, também "é permitida a apresentação de novas emendas aglutinativas", conforme declarou ao G1.