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Tráfico de pessoas: menino haitiano está esquecido em abrigo no Acre

05/05/2014 20h12

Um garoto haitiano de 15 anos, que viajou do Haiti para o Brasil pela rota do tráfico de pessoas, vive há mais de um ano, sem companhia de parentes, num abrigo para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social da cidade de Epitaciolândia, no Acre.

Ele convive com a esperança e a angústia de que um dia vai reencontrar sua mãe na Martinica, departamento francês localizado no Caribe. Porém, a Embaixada da França resiste em conceder o visto de entrada do menino na Guiana Francesa, onde estão seus parentes, que possivelmente são migrantes irregulares.

A situação dele no abrigo foi confirmada à agência "Amazônia Real" pela pesquisadora e professora Letícia Mamed, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (UFAC) e integrante do Grupo de Pesquisa "Mundos do Trabalho na Amazônia" (CNPq-UFAC). Ela desenvolve pesquisa sociológica sobre a trajetória dos imigrantes haitianos na fronteira acreana.

"O garoto se sente esquecido e abandonado no abrigo. O que ele mais deseja é encontrar seus familiares na Martinica", disse a pesquisadora.

Suely Silva de Souza, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Epitaciolândia, afirma que o caso do menino haitiano já chamou atenção até do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mas nada foi resolvido entre as autoridades.

"O garoto está nesse abrigo há mais de um ano. O ministro José Eduardo Cardozo conhece o caso. A questão é que existe essa burocracia entre os países. Enquanto isso, tem dias que o menino está bem, tem dias que não. Ele já tentou fugir do abrigo. Fica complicado aqui pra gente", disse a conselheira.

O garoto haitiano foi apreendido no aeroporto internacional de Rio Branco (AC) tentando embarcar para Macapá, capital do Amapá, pela Polícia Federal em 3 de abril de 2013. Estava em companhia do jogador de futebol Innocent Olibrice, que foi preso por suspeitas de ser "coiote" (traficante de pessoas) e pelos crimes de transporte irregular de estrangeiros e estelionato, conforme processo que tramita na Justiça Federal.

Olibrice, que à época atuava pelo Rio Branco, permaneceu cinco dias detido no presídio Francisco de Oliveira Conde. De acordo com as investigações da PF, o atleta está envolvido numa rede de traficantes de pessoas. Ele foi contratado pela família do menino para encaminhá-lo à Guiana Francesa ao custo de 500 euros (R$ 1,3 mil). A reportagem localizou o jogador por uma rede social, mas ele não respondeu a solicitação de entrevista.

Com a ajuda do "coiote" jogador, o menino partiria da Guiana Francesa à Martinica, tendo antes passado pelas fronteiras de países como Equador, Peru e Bolívia sem nenhum documentação, segundo as investigações. Ele chegou ao Brasil apenas com o passaporte haitiano. Quando foi apreendido no aeroporto pela PF, o menino estava sem o protocolo com o pedido de refúgio, documento que é concedido pela Polícia Federal para os imigrantes que atravessam as fronteira do país.

O Governo do Acre e a Defensoria Pública da União (DPU), por meio da Divisão de Assistência Jurídica Internacional, afirmam que resolveram a situação da imigração irregular do garoto haitiano no território brasileiro, mas não conseguiram encaminhá-lo aos familiares na Martinica.

À agência "Amazônia Real", a Defensoria Pública da União disse que o visto francês para o garoto viajar foi solicitado pelo Ministério das Relações Exteriores à Embaixada da França, em Brasília. Mas, a embaixada alega que faltam documentos que comprovem os laços familiares do menino com a mãe francesa. "A Embaixada está resistente a conceder o visto ao garoto", disse a defensoria em nota.

A reportagem buscou informações na Embaixada da França sobre a situação do garoto haitiano, mas não obteve respostas.

O secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Acre, Nilson Mourão, disse que há dificuldade para localizar a família do garoto na Martinica. "Ninguém identifica em que lugar estão os parentes do menino. Ele não sabe e ninguém sabe, isso é um problema", afirmou.

A "Amazônia Real" procurou o Ministério da Justiça para falar sobre o caso do menino haitiano, mas a assessoria de imprensa não respondeu às perguntas enviadas por e-mail.

O menino haitiano vive no abrigo Instituição de Acolhimento Regional do Alto Acre - Crianças e Adolescentes, em Epitaciolândia, na fronteira com a Bolívia, distante a 243 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre. A direção do abrigo não comentou sobre a situação do garoto, alegando medida de segurança.

A pesquisadora Letícia Mamed diz que o garoto é tranquilo, educado e prestativo. "Ele é muito querido por todos. Vale destacar que é o mais velho dos garotos abrigados na casa, que tem crianças com 2 a 7 anos de idade", disse.

Segundo um conselheiro tutelar, que prefere não ser identificado, quando o menino foi apreendido pela Polícia Federal, ele só tinha como documento o passaporte do Haiti. "Naquele momento, apenas o garoto foi apreendido. O coiote haitiano fugiu logo que percebeu que o embarque do garoto daria problema. Dias depois é que a Polícia Federal conseguiu prender este haitiano (Innocent Olibrice), que hoje reside em Rio Branco e responde a processo na Justiça Federal", contou o conselheiro.

Para outro conselheiro, a história do garoto se arrasta por mais de um ano porque seus parentes precisam vir resgatá-lo no Brasil, mas também estão em situação irregular em outros países, de maneira que temem sair e não conseguir retornar. "A Embaixada do Haiti insiste para que esses familiares venham buscar o menor e percebe que eles mudam de endereço com muita frequência, justamente para tentar fugir de alguma possibilidade de fiscalização", afirmou.

Em nota enviada à reportagem, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) informou que aguarda desde o mês de dezembro do ano passado, portanto há cinco meses, a emissão do visto do garoto pela Embaixada da França no Brasil.

O MRE diz que acompanha o caso do garoto haitiano desde o mês de maio de 2013, um mês após ele ser apreendido pela Polícia Federal em Rio Branco, capital do Acre. Na ocasião, de acordo com o ministério, foi encaminhado um comunicado ao secretário estadual da Justiça e Direitos Humanos, Nilson Mourão, solicitando que a autoridade judicial responsável pelo menino autorizasse formulação de pedido à Embaixada francesa para obtenção de visto de entrada e permanência na Guina Francesa, o que permitiria o traslado do menino para cidade guianense Caiena.

Segundo o MRE, com base em reunião mantida com funcionários da Embaixada da França, da Embaixada do Haiti e representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público, em agosto de 2013 foi encaminhado o passaporte haitiano do garoto à Embaixada da França em Brasília, com solicitação de visto para reunião familiar na Guiana Francesa. Foram enviadas, diz o ministério, cópias de autorização de residência da irmã do garoto, Claire Darline, na Guiana Francesa, e da certidão de nascimento da mãe e da irmã do menino.

O MRE afirma ainda que no mês de agosto do ano passado, em resposta à solicitação francesa, foi encaminhada cópia de documento equivalente à certidão de nascimento do garoto, já que o documento original se perdeu durante o terremoto de 2010. O Itamaraty diz que a consulta foi reiterada em dezembro do ano passado, e aguarda a reação francesa sobre o caso.