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Abortos forçados e crianças sem registro: o legado do filho único na China

16/12/2015 06h04

Tamara Gil.

Pequim, 16 dez (EFE).- Mei Qiuyu sabe bem o que representa não respeitar a lei do filho único na China: abortos forçados, filhos sem direito à saúde e à educação e, inclusive, confinamentos em prisões não oficiais. Ela passou por tudo, mas hoje diz que não se rende.

A ex-camponesa, de 47 anos, é o claro exemplo do legado dos mais de 30 anos de forte controle da natalidade na China. Depois de pagar uma pequena taxa, as autoridades permitiram que ela tivesse dois filhos com seu primeiro marido por eles viverem em uma área rural pouco povoada, mas quando se casou pela segunda vez não permitiram que ela tivesse outros filhos.

"Meu primeiro casamento era por conveniência e não éramos nada parecidos", disse a mulher em sua pequena casa em Pequim, onde vive com dificuldades.

Após se casar de novo, Mei decidiu empreender uma batalha para cumprir seu sonho e o de seu marido de construir uma família. E acabou sofrendo um aborto forçado.

"A gestação tinha sete meses", lembra ela, sem querer dar detalhes, já que as autoridades "já pagaram a compensação" por isso.

O aborto forçado mudou radicalmente sua vida. Mei se tornou peticionária - como são chamados os cidadãos chineses que se transferem ou emigram a Pequim em busca de "justiça" ao não encontrar resposta em sua província ou cidade - e acabou detida por dois anos em um dos já extintos centros de reeducação.

Ao sair, não abandonou seu propósito e conseguiu dar à luz a dois filhos, mas escondida das autoridades. Para o governo eles não existem.

"Minhas crianças perguntam por que vivemos na China", lamentou Mei em seu apartamento nos arredores da capital, enquanto um de seus filhos, de cinco anos, brinca no corredor sujo e velho do prédio.

Ele e sua irmã, de 12 anos, não têm direito à educação pública nem à saúde. Fazem parte das chamadas "crianças sem 'hukou'", o registro emitido pelo governo e que dá ao cidadão o direito de ter acesso a serviços básicos e públicos. As crianças sem esse documento representam uma das consequências dos limites à natalidade que o governo anunciou esta semana que vai regularizar.

O presidente da China, Xi Jinping, anunciou a concessão de "hukou" a 13 milhões de pessoas que, como as crianças de Mei, não estão registradas na administração pública. O número tem como base os dados de 2010, mas estima-se que atualmente esse total poderia ser muito maior.

Além dos "segundos filhos", que poderiam representar até 60% desses 13 milhões de beneficiados, crianças órfãs, moradores de rua e até pessoas que perderam seu "hukou" também se beneficiariam da medida.

"Não vai resolver nada", declarou Mei, convicta.

Ela vive o início deste processo de registro e já se deparou com problemas. Em seu caso, as autoridades deram uma lista de "hukou" de diferentes lugares, entre os quais não está a cidade de origem de seu marido, a próspera Dalian, onde ambos se conheceram e na qual ele ainda trabalha.

"Conforme a tradição chinesa, a mulher e as crianças devem se mudar para a cidade do homem. Meus filhos deveriam ter, por direito, o 'hukou' de Dalian", comentou indignada, com pleno conhecimento de que esta permissão poderá determinar o futuro de suas crianças.

O documento proporciona acesso a muitos serviços básicos na China, mas sempre na cidade ou província na qual foi concedido, por isso limita a mobilidade dentro do país. Para Mei, se trata de uma "represália".

"São as autoridades de Dalian que se negam, as mesmas que eu denunciei pelo meu aborto", afirmou entre lágrimas.

Por isso agora se mostra cética com as novas promessas do governo.

"Confio no Executivo, mas não nos funcionários locais", explicou ela, que acredita que a nova política que permite todos os cidadãos ter dois filhos não representa uma grande mudança para o país.

"Em minha opinião, não muda nada", disse, enquanto preparava a mesa em sua casa onde recentemente cortaram a calefação. "Querem nos expulsar. É a maneira deles de fazer pressão", argumentou.