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Quando um presidente não responde

Jorge Ramos

28/09/2011 00h01

Há silêncios que dominam qualquer conversa. Foi exatamente o que aconteceu quando o presidente do Peru, Ollanta Humala, se negou a responder a minhas perguntas sobre uma possível reeleição.

Ao recusar-se a fazê-lo, Humala voltou a realçar os temores de muitos peruanos que não querem para seu país o mesmo destino autoritário da Venezuela chavista. Entendo perfeitamente que a Constituição do Peru proíbe a reeleição imediata - tais leis não impediram que alguns chefes de Estado da América Latina mudem as regras e permaneçam em seu cargo durante anos. Estranhamente, a resposta de Humala foi um silêncio incômodo, seguido por uma frustração evidente de que eu tivesse feito essa pergunta.

A atitude evasiva de Humala em relação à possibilidade de que se candidataria à reeleição avivou, e com razão, o temor e as suspeitas de muitos peruanos que não desejam ver seu país descer pelo mesmo caminho que seguiu a Venezuela, onde Chávez se aferrou tenazmente ao poder desde 1999.

Tudo ocorreu durante a entrevista que o presidente Humala me concedeu antes de seu discurso em Nova York na Assembleia Geral da ONU. Falamos via satélite sobre muitas coisas. Em 14 minutos ele me disse que apoiava a criação do Estado Palestino, que a Bolívia tem de negociar com o Chile (não com o Peru) sua saída para o mar, que a ele não compete determinar se o ex-presidente Alan García foi um corrupto, e que não indultaria nem o ex-presidente Alberto Fujimori nem seu irmão Antauro Humala (condenado a 19 anos de prisão por rebelião).

Depois lhe fiz a última pergunta: "Poderia nos prometer com absoluta certeza que o senhor não vai tentar a reeleição?" Eu queria saber se ele descartava qualquer modificação da Constituição para tentar a reeleição imediata. Mas sua resposta (ou melhor, a ausência dela) me surpreendeu.

"Creio que nós presidentes também merecemos respeito", disse. "Me dá a impressão de que o senhor tivesse um preconceito contra minha pessoa, o que não posso aceitar."

Respondi-lhe que me parecia que havia feito uma pergunta legítima e que simplesmente queria saber se tentaria a reeleição ou não. Sim ou não? Simplesmente. O presidente Humala me perguntou se eu tinha lido seus discursos - mas eu insisti com a pergunta. Tentaria a reeleição?

"Não tenho por que lhe dizer", disse-me, desafiador, "por isso não vejo qual a intenção desse tipo de pergunta."

Aqui está a razão para colocar essa pergunta: em dezembro de 1998, quando Hugo Chávez ainda era candidato na Venezuela, ele me disse que entregaria o poder em cinco anos ou menos. E depois mentiu. (Este é o link do vídeo dessa entrevista: http://bit.ly/nxxCwa). Quer dizer, Chávez disse algo como candidato e depois como presidente mudou sua posição e hoje continua no poder.

Enquanto estava em campanha no Peru, Humala fez uma promessa semelhante, insistindo em suas entrevistas que não tinha intenção de se manter no poder um minuto a mais que os cinco anos estipulados na Constituição. Mas, agora que é presidente, mudaria sua posição?

Rafael Roncagliolo, ministro das Relações Exteriores do Peru, aparentemente ofendido porque eu, "um estrangeiro", fizesse tal pergunta, acudiu em defesa de seu chefe, chamando-me de "impertinente" em uma entrevista na TV peruana. Às vezes os políticos esquecem que no jornalismo não há temas proibidos e que em nossa sociedade globalizada a informação pode cruzar facilmente as fronteiras antes que os funcionários possam censurá-la.

Perguntar se um presidente eleito democraticamente está ou não interessado em sua reeleição é algo válido - inclusive necessário. A democracia do Peru depende de que ninguém se perpetue no poder. E é preciso perguntá-lo, mesmo que não agrade ao presidente e a seu chanceler.

Em uma mensagem pelo Twitter, horas depois da entrevista, o próprio presidente escreveu: "Nem um dia a mais. Meu juramento com o Peru e a democracia foi e é: não à reeleição". Então, se disse isso pelo Twitter, por que não quis dizer pela televisão?

Pode ser por cansaço, ingenuidade, falta de experiência ou má gestão da mídia. Mas o problema é que já semeou a dúvida entre muitos peruanos de que eventualmente buscaria mudar a Constituição para se reeleger.

Antes de nos despedirmos, e ainda sem responder a minha pergunta, o presidente Humala concluiu dizendo: "Certamente essa poderia ser uma resposta que lhe daria manchetes, e eu não estou aqui para dar manchetes".

Aí temo que se equivocou. Humala nunca percebeu que ao negar-se a responder estava fazendo exatamente isso: manchetes e notícias. Mas não as que ele gostaria.