Miguel não queria morrer assim
Miguel Carrasquillo não morreu como queria. Morreu com muita dor, sofrendo, depois de meses de verdadeira agonia.
Miguel, 35 anos, queria que os médicos o ajudassem a morrer, mas nenhum fez isso. Estava em Porto Rico, e as leis de lá não permitem a chamada "morte assistida". Tampouco tinha dinheiro para viajar a um dos quatro Estados americanos --Oregon, Washington, Montana e Vermont-- que a permitem (desde 9 de junho, a Califórnia se somou a esses Estados).
No processo de "morte assistida", os médicos dão os medicamentos e a informação necessários para que o próprio paciente tire sua vida. É diferente da eutanásia, em que o médico participa ativamente tirando a vida do paciente (como o fez em várias ocasiões o doutor Jack Kervorkian).
Falei com Miguel, via satélite, algumas semanas antes de sua morte. Estava muito cansado. Sua voz era lenta e quase inaudível, mas se entendia quando se prestava muita atenção. Assim me explicou a terrível notícia que recebeu em março de 2012:
"Senti uma dor de cabeça muito forte e tive uma paralisia completa do lado direito", disse. Fizeram exames, tomografias e biópsias. A conclusão foi devastadora: um tumor cerebral incurável. "Esse tumor já havia se espalhado por todo o meu corpo, e eu não sabia."
Miguel, que vivia em Chicago e era chef de cozinha, ficou sem opções. Foi então que decidiu passar seus últimos dias em Porto Rico, junto de sua mãe.
Mas cada dia era uma rotina angustiante: despertar, dor, tomar medicamentos, dormir e depois voltar a acordar com a dor. "As pessoas dizem que isso [a morte assistida] é um tabu", disse-me ele. "Para mim não é um tabu. Você imagina o que é uma pessoa ficar numa cadeira de rodas, ou na cama, sofrendo dores? Por que não tomar uma decisão como ser humano de tirar sua vida, se a vida é sua?"
Essa era sua filosofia: "A vida é sua e você a vive como quiser... isto não é uma coisa ruim. A vida é sua. Por que não o fazer?" Mas era uma filosofia que a Igreja Católica não compartilhava, nem a maioria dos políticos de Porto Rico.
"Eu faço uma pergunta", disse-me Nilsa Centeno, a mãe de Miguel. "A Igreja Católica me diz para ter fé. Morrer dignamente para eles é um pecado. Mas se para o ser humano não há alternativa por que não podemos ter [a morte assistida] como uma consideração? (...) A morte é o mais garantido que temos, e devemos decidir como morrer."
Nilsa, afinal, teve que fazer o mais difícil que se pode pedir a uma mãe: acompanhar seu filho para morrer. "Sim, é duro, é duro. Fui eu quem o trouxe ao mundo. Mas esta decisão de morrer dignamente é ele quem quer. E se ele quer, vou apoiá-lo realmente. A dor que ele sente ninguém imagina."
"Você está preparado para morrer?", perguntei a Miguel, cuidando de cada uma de minhas palavras.
"Oh, sim", disse ele. "Estou pronto já faz alguns meses."
Mas ele tinha ficado sem dinheiro --para mudar-se para um Estado que lhe permitisse morrer com ajuda médica-- e sem alternativa além de esperar pelo final. "Não tenho nenhuma opção, nenhuma", disse ele. "Consegui o que tinha de conseguir. É algo muito duro. Passo a vida sentado (e tomando remédios). Quase não tenho vontade de comer, e é muito triste, muito triste."
E então Miguel fechou os olhos. Não aguentava mais, estava tão cansado que quase não conseguia abrir as pálpebras. Foi preciso terminar a entrevista, a última que ele deu antes de morrer. "Por que fala comigo?", perguntei-lhe antes de ir embora. "Porque esse é um tema do qual é preciso falar abertamente", disse-me.
Toda noite Miguel e Nilsa se despediam "com um beijo e um abraço", segundo me disse ele. Ela, por sua vez, lhe afirmava que sempre estaria ao seu lado. Quando me disse isso, mãe e filho estavam de mãos dadas. Mas na realidade Nilsa esperava que uma noite Miguel não acordasse mais. "A opção é que Miguel se deite para dormir e não desperte. Todas as noites nos despedimos, porque ele pode partir em um sono profundo."
Foi exatamente o que aconteceu. Em uma manhã de domingo, Miguel não acordou mais. E só assim deixou de sofrer.
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