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Irã x EUA: a crise no estreito de Ormuz mostra conflitos do passado e do presente

05/01/2012 06h00

A tensão internacional entre o Irã e os Estados Unidos, agora focalizada no estreito de Ormuz, que fecha o golfo Pérsico, mostra a importância desta região e, de maneira mais geral, do golfo de Omã e do Mar Arábico (parte norte do Oceano Índico). Situada na convergência das vias marítimas e terrestres que ligam o Mediterrâneo ao Índico, e conectam a Europa à África Oriental e à Ásia, esta parte do mundo sempre teve grande peso geopolítico. A entrada dos europeus foi inaugurada pelas incursões do almirante português Afonso de Albuquerque, que conquistou a ilha de Ormuz em 1515, depois de ter conquistado Malaca em 1511, controlando assim os dois principais estreitos do Oriente Médio e da Ásia.

No volume 2 de suas "Décadas da Ásia" (1553), o historiador João de Barros, que foi também donatário (falido) das capitanias hereditárias do Pará e do Ceará, escreveu sobre Ormuz: “A cidade em si é muito magnífica em edifícios, grossa em trato por ser uma escala onde concorrem todas as mercadorias orientais e ocidentais... de maneira que não tendo a ilha em si coisa própria, por carreto tem todas as estimadas do mundo”.

Os portugueses ficaram em Ormuz até 1622, quando sua fortaleza foi tomada por uma frota de guerra anglo-persa, armada numa dessas inesperadas alianças militares que sacodem periodicamente o golfo Pérsico. A partir de então o golfo Pérsico ficou sob a dupla influência da Pérsia (atual Irã) e da Inglaterra.

Com a descolonização inglesa, a independência dos países da região e suas imensas reservas de petróleo, o golfo Pérsico ganhou de novo destaque estratégico nas relações internacionais. As  três guerras das últimas décadas ilustram a redistribuição das cartas no Golfo.

A primeira, a guerra entre o Irã e o Iraque (1980-1988), mostrou, mais uma vez, o antagonismo entre persas e árabes. Enfraquecido pela guerra, o Iraque foi descontar a fatura nas costas do Kuwait, invadindo o rico país vizinho e desencadeando a segunda guerra do Golfo (1990-1991).

A terceira guerra do Golfo (2003-2011) termina com a destruição do Iraque e a instalação de um governo pró-ocidental em Bagdad. No meio tempo, a presença militar e econômica americana na região se reforçou, aumentando a pressão sobre o regime dos aitolás que dirige o Irã com mão de ferro. Dotado de um programa nuclear que intimida Israel e os países ocidentais, majoritariamente de religião muçulmana xiita, o Irã aparece também como uma ameaça às monarquias árabes do golfo Pérsico, sunitas em sua maioria. Já existe uma disputa de fronteiras no Golfo: três ilhas ocupadas pelos iranianos em 1971 são reinvidicadas pelos Emirados Árabes Unidos.

Reagindo às últimas sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos, o regime de Teerã iniciou manobras militares no golfo Pérsico e, mais uma vez, ameaçou bloquear o estreito de Ormuz, por onde passam 40% do petróleo comercializado no mundo.

Tanto a Rússia como a China veem a possibilidade de uma intervenção americana na região como um ato hostil aos seus interesses econômicos e geopolíticos. Assim, Pequim e Moscou bloquearão, no Conselho de Segurança da ONU, qualquer iniciativa militar dos Estados Unidos e da Europa contra o Irã.

Neste enfrentamento entre velhas rivalidades (ocidentais versus orientais, persas versus árabes, xiitas versus sunitas) pouco tem se falado de um novo ator: a Índia.

Em novembro de 2010, a presidente da Índia, Pratibha Patil, visitou Abu Dhabi, o principal emirado do golfo Pérsico, onde trabalham centenas de milhares de imigrantes indianos. Na mesma semana, concluiam-se os principais trabalhos do oleduto de 400 km de Abu Dhabi que contorna o estreito de Ormuz e transportará, por dia, 1,5 milhão de barris de petróleo até o golfo de Omã.

Ora, o golfo de Omã é uma área onde a presença naval e econômica indiana se faz sentir pesadamente. Nos comunicados oficiais, não houve alusão à coincidência das datas da visita da presidente indiana e da conclusão do oleoduto de Abu Dhabi. Mas é evidente que a Índia age discretamente para evitar qualquer conflagração no golfo Pérsico.