Topo

Paranoia profunda

Paul Krugman

24/03/2012 00h01

Um momento; que som é esse? Na verdade, trata-se do barulho que um grande partido político faz ao perder aquilo que restou do seu juízo. E isso aconteceu – onde mais poderia ser? - Na Fox News, no último domingo, quando Mitt Romney aceitou totalmente a alegação de que os preços da gasolina estão elevados devido a um complô do governo Obama. 

A alegação não é apenas maluca; na verdade ela é uma espécie de maluquice em três camadas: uma mentira, enrolada em um absurdo e envolvida em paranoia. É aquele tipo de coisa que a gente costumava ouvir somente de pessoas que acreditavam que a água fluoretada era um complô comunista. Mas agora a teoria de conspiração referente ao preço da gasolina foi formalmente endossada pelo provável candidato presidencial republicano.

Antes de discutirmos as implicações desse endosso, analisemos os fatos relativos ao preço da gasolina.

Primeiro, a mentira. Não, o presidente Barack Obama não disse, conforme muitos republicanos estão alegando, que desejava que o preço da gasolina aumentasse. O que ele afirmou certa vez foi que um sistema de comércio das emissões de carbono faria com que o preço da energia elétrica “disparasse” - uma palavra mal escolhida. Mas afirmar que tal sistema faria com que o preço da energia subisse foi apenas uma declaração factual, e não uma declaração de intenção de punir os consumidores norte-americanos. A alegação de que Obama desejava que os preços aumentassem não passa de mentira, pura e simples.

E trata-se de uma mentira enrolada em um absurdo, já que o presidente dos Estados Unidos não controla os preços da gasolina e não exerce muita influência sobre esses preços. Os preços do petróleo são ditados pelo mercado internacional, e os Estados Unidos, que respondem por quase um décimo da produção mundial, não podem influir muitos nesses preços. De fato, o recente aumento dos preços da gasolina ocorreu apesar do crescimento da produção e da queda de importação de petróleo nos Estados Unidos.

Finalmente, há a paranoia, a crença em que os liberais, de maneira geral, e os membros do governo Obama, em particular, estariam tentando fazer com que dirigir carros se tornasse inviável como parte de um complô sinistro contra o estilo de vida norte-americano. E, não, eu não estou exagerando. É isso o que se escuta até mesmo de conservadores tradicionais e conhecidos.

Por exemplo, no ano passado George Will declarou que o apoio do governo Obama ao transporte ferroviário de passageiros nada tinha a ver com o alívio dos congestionamentos e a redução dos impactos ambientais. “Não”, insistiu ele”, “o verdadeiro motivo para a paixão dos progressistas pelos trens é a meta deles de diminuir o individualismo norte-americano a fim de nos tornar mais receptivos ao coletivismo”. Quem poderia imaginar que Dagny Taggart, a executiva ferroviária heroína de “Atlas Shrugged”, era uma comunista?

Bem, tudo isso é meio engraçado. Mas é também profundamente assustador.

Conforme Richard Hofstadter observou no seu ensaio clássico de 1964, “The Paranoid Style in American Politics” (“O Estilo Paranoico na Política Norte-americana”), as teorias de conspiração malucas são uma tradição dos Estados Unidos desde que clérigos começaram a alertar que Thomas Jefferson seria um agente do Illuminati bávaro. Mas uma coisa é vermos uma minoria paranoica desempenhar um papel marginal na vida política de uma nação. Algo totalmente diferente é presenciarmos essa minoria assumir o controle sobre um partido inteiro, a ponto de os candidatos terem que adotar, ou fingir adotar, essa paranoia da minoria para poderem concorrer à presidência pelo partido.

E é claro que isso não diz respeito apenas aos preços da gasolina. Na verdade, as teorias de conspiração estão proliferando tão rapidamente que é difícil acompanhar a velocidade dos fatos. Assim, um grande número de republicanos – e estamos falando de importantes figuras políticas, e não de apoiadores aleatórios – acredita firmemente que o aquecimento global é uma impostura gigantesca perpetrada por um grupo conspiratório mundial que envolve milhares de cientistas, sem que nenhum deles tenha quebrado o código de silêncio. Ao mesmo tempo, outros republicanos estão atribuindo as recentes melhorias das notícias econômicas a um complô covarde para segurar os fundos de estímulo econômico, a fim de liberá-los apenas pouco antes da eleição presidencial deste ano. E eu prefiro nem mencionar o que eles têm dito a respeito da reforma do sistema de saúde dos Estados Unidos.

Por que isso está acontecendo? Pelo menos parte da resposta deve se encontrar na maneira como a mídia de direita cria uma realidade alternativa. Por exemplo, você ouviu falar em como o custo do Obamacare (nome pelo qual é conhecido o plano de reforma do sistema de saúde do presidente Barack Obama) simplesmente dobrou de tamanho? Na verdade isso não aconteceu, mas milhões de telespectadores da Fox e a plateia do radialista Rush Limbaugh acreditam que sim. Naturalmente, pessoas que ouvem falar constantemente dos atos malignos que os liberais cometem estão prontos e dispostos a acreditar que tudo o que há de ruim é resultado de um covarde complô liberal. E são essas as pessoas que votam nas primárias republicanas.

E quanto ao eleitorado mais amplo?

Se e quando ele vencer a campanha para tornar-se o candidato presidencial republicano, Romney tentará se livrar disso tudo – ou seja, apagar os registros da sua proximidade com a direita maluca e convencer os eleitores de que ele é na verdade um moderado. E talvez ele seja capaz de fazer isso.

Mas, esperemos que ele não tenha sucesso nessa tentativa, já que esse tipo de ideologia que ele defendeu durante a sua luta pela vaga republicana tem importância. Independentemente daquilo em que Romney pessoalmente acredita, o fato é que, ao endossar as fantasias paranoicas da direita, ele está contribuindo para estimular uma tendência perigosa na vida política dos Estados Unidos. E ele deve ser responsabilizado pelas suas ações.





Tradução: UOL