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Vice de Romney conta uma mentira ao dizer que protegerá o Medicare

O candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos, Mitt Romney (à dir.), ouve seu candidato à vice-presidência, Paul Ryan, durante campanha eleitoral em fazenda da cidade de Commerce, no estado de Michigan - Mary Altaffer/AP
O candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos, Mitt Romney (à dir.), ouve seu candidato à vice-presidência, Paul Ryan, durante campanha eleitoral em fazenda da cidade de Commerce, no estado de Michigan Imagem: Mary Altaffer/AP

Paul Krugman

01/09/2012 00h01

O discurso de Paul Ryan na noite da última quarta-feira (29) pode ter tido um resultado positivo. O discurso pode ter finalmente acabado com o mito de que Ryan é um político conservador honesto e sério. Na verdade, a desonestidade flagrante de Ryan deixou até mesmo os seus críticos boquiabertos.

Algumas das mentiras dele foram triviais, mas reveladoras, como por exemplo a acusação de que o presidente Barack Obama seria o responsável pelo fechamento de uma fábrica de automóveis na sua cidade natal, apesar de a fábrica ter sido fechada antes de Obama ter assumido a presidência. Outras mentiras provocaram fúria, como a sua declaração hipócrita de que “o verdadeiro estágio moral de uma sociedade é avaliado pela forma como ela trata aqueles que são incapazes de se defender e de cuidar de si próprios”. Esta afirmação foi proferida por um homem que está propondo cortes enormes no Medicaid, que fariam com que dezenas de milhões de norte-americanos que se encontram em situação já vulnerável perdessem a sua cobertura médica.

E Ryan – que propôs cortes tributários da ordem de US$ 4,3 trilhões no decorrer da próxima década, contra apenas US$ 1,7 trilhão em cortes de gastos específicos – ainda assim está se apresentando como um paladino da redução do déficit.

Mas a grande mentira de Ryan – sim, isso merece ser chamado de grande mentira – foi a sua afirmação de que “um governo Romney-Ryan protegerá e fortalecerá o Medicare”. Na verdade, um governo desta chapa republicana liquidaria este programa.

Mas, antes de falar sobre isso, não posso deixar de mencionar que Ryan mergulhou agora com tanta sofreguidão na programação partidária republicana que o plano do presidente para o corte de despesas com o Medicare em cerca de US$ 700 bilhões no decorrer da próxima década – uma economia que iria se basear em reduções de pagamentos às companhias de seguros e aos hospitais, e não na redução de benefícios – passou a ser algo de terrível. No entanto, apenas alguns dias atrás, Ryan ainda apresentava com orgulho o seu próprio plano orçamentário, que incluía exatamente as mesmas medidas para economizar verbas.

Mas, voltemos à grande mentira. O Partido Republicano está atualmente firmemente decidido a substituir o Medicare por aquilo que poderíamos chamar de “Vouchercare” (trocadilho com a palavra “voucher”, que significa vale de pagamento). O governo não pagaria mais as despesas médicas do cidadão. Em vez disso, ele forneceria ao paciente um vale que poderia ser utilizado para fazer um plano de seguro saúde particular. E se o valor do vale fosse insuficiente para a obtenção de uma cobertura decente, isso seria um problema do cidadão.

Além do mais, é quase certo que tais vales mostrar-se-iam inadequados. O valor deles seria estabelecido por uma fórmula que não levaria em consideração os prováveis aumentos dos custos dos serviços de saúde.

E por que alguém acharia que isso é uma boa ideia? A plataforma do Partido Republicano afirma que esse plano “dará a milhões de idosos o poder para controlar as suas próprias decisões referentes ao atendimento de saúde”. É mesmo? Como se aqueles cidadãos que são muito novos para receber benefícios do Medicare se sentissem muito poderosos ao lidarem com as companhias de seguro.

Independentemente disso, será que as seguradoras privadas não reduziriam os seus custos por meio da mágica do mercado? Não. Todos, e eu friso novamente, todos os fatos nos mostram que sistemas públicos como o Medicare e o Medicaid, que são menos burocráticos do que as seguradoras privadas (só não acredita nisso quem nunca teve que lidar com uma companhia de seguro de saúde) e possuem maior poder de negociação, são melhores do que o setor privado no que diz respeito a controlar os custos.

Eu sei que isso vai de encontro ao dogma do livre mercado, mas trata-se de um fato. Podemos verificar esse fato na história do Medicare Advantage, que é administrado por seguradoras privadas e apresenta custos que são invariavelmente mais elevados do que os do tradicional Medicare. Dá para constatar isso em comparações feitas entre o Medicaid e os seguros privados: o Medicaid custa muito menos. E isso pode ser também verificado por meio de comparações internacionais: os Estados Unidos possuem o sistema de saúde mais privatizado do mundo desenvolvido e apresentam, de longe, os maiores custos de serviços de saúde.

Portanto, o Vouchercare significaria custos mais elevados e menos benefícios para os cidadãos idosos. Decorrido algum tempo, o plano republicano simplesmente acabaria com o Medicare na forma como nós o conhecemos. Ele extinguiria aquilo que o Medicare deveria fornecer: acesso universal aos serviços de saúde básicos. Os idosos que fossem incapazes de complementar os seus vales saúde com uma grande quantidade adicional de dinheiro ficariam em apuros.

Mesmo assim, o Partido Republicano promete preservar o Medicare na forma atual para aqueles que têm atualmente mais de 55 anos de idade. Será que as pessoas nascidas antes de 1957 deveriam se sentir seguras? Novamente, a resposta é não.

Até porque a neutralização do Obamacare faria com que os norte-americanos mais velhos perdessem vários benefícios significativos garantidos por essa legislação, incluindo a forma como ela cobre o buraco existente na cobertura de medicamentos e a maneira como ela protege aqueles que se aposentam antecipadamente.

Além do mais, a promessa de não mexer nos benefícios concedidos aos norte-americanos de uma determinada idade simplesmente não convence. Basta pensar na dinâmica política que seria desencadeada assim que uma pessoa nascida em 1956 recebesse benefícios integrais do Medicare, enquanto que outra, nascida em 1959, fosse impedida de receber uma cobertura decente. Será que alguém acredita de fato que essa seria uma situação estável? Isso sem dúvida provocaria uma guerra política entre beneficiários de diferentes faixas etárias. E existe uma grande probabilidade de que os beneficiários mais velhos em breve vissem também as suas supostas garantias serem extintas.

Resta agora saber se os eleitores entenderão o que está de fato ocorrendo (e isso depende, em grande parte, de a mídia cumprir ou não o seu papel). Ryan e o seu partido estão apostando que serão capazes de abrir caminho com suas trapaças, fingindo que são os verdadeiros defensores do Medicare, apesar de estarem na verdade trabalhando no sentido de acabar com esse programa. Será que, apesar dos embustes, eles conseguirão vencer a eleição?