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Encalhado por esparramamento

Cidade de Detroit (EUA) é banhada pelo rio Detroit e lago St. Erie - Jeff Kowalsky/Efe
Cidade de Detroit (EUA) é banhada pelo rio Detroit e lago St. Erie Imagem: Jeff Kowalsky/Efe

Paul Krugman

30/07/2013 00h40

Detroit é o símbolo do declínio da velha economia. Não é apenas o centro abandonado. A área metropolitana como um todo perdeu população entre 2000 e 2010, o pior desempenho entre as cidades grandes. Atlanta, em comparação, simboliza a ascensão do Cinturão do Sol; ela ganhou mais de 1 milhão de habitantes no mesmo período, aproximadamente igualando o desempenho de Dallas e Houston, mas sem o empurrão extra do petróleo.
 
Mas em um aspecto importante, a bem-sucedida Atlanta se assemelha à fracassada Detroit: ambas as cidades são locais onde o sonho americano parece estar morrendo, onde os filhos dos pobres têm enorme dificuldade para subir na escada econômica. De fato, a mobilidade social para cima –o quanto as crianças conseguem atingir um status socioeconômico superior ao de seus pais– é ainda menor em Atlanta do que em Detroit. E é muito menor em ambas as cidades do que, digamos, em Boston ou San Francisco, apesar dessas cidades terem apresentado um crescimento muito menor do que Atlanta.
 
E qual é o problema com Atlanta? Um novo estudo sugere que a cidade pode ter se espalhado demais, de modo que as oportunidades de emprego estão literalmente distantes para pessoas encalhadas nos bairros errados. O esparramamento urbano pode estar matando Horatio Alger.
 
O novo estudo vem do Projeto Igualdade de Oportunidade, que é liderado pelos economistas de Harvard e Berkeley. Já foram feitas muitas comparações da mobilidade social entre vários países; todos esses estudos mostram que atualmente nos Estados Unidos, que ainda pensam em si mesmos como a terra da oportunidade, há na verdade mais um sistema de classes herdado do que em outros países avançados. O novo projeto pergunta como a mobilidade social varia por todas as cidades americanas e descobriu que ela varia muito. Em San Francisco, uma criança que faz parte do quinto mais baixo da distribuição de renda apresenta 11% de chance de chegar ao quinto superior, mas em Atlanta o número correspondente é de apenas 4%.
 
Quando os pesquisadores buscam fatores que possa correlacionar com baixa ou alta mobilidade social, eles descobriram, talvez surpreendentemente, pouca influência direta de raça, uma candidata óbvia. Mas eles descobriram uma correlação significativa com o nível existente de desigualdade: "as áreas com menor classe média apresentavam taxas mais baixas de mobilidade para cima". Isso equivale ao que descobrimos nas comparações internacionais, onde sociedades relativamente iguais como a Suécia apresentam mobilidade muito maior do que nos Estados Unidos altamente desiguais. Mas eles também encontraram uma correlação negativa significativa entre a segregação residencial –classes sociais diferentes vivem distantes– e a capacidade dos pobres de ascender.
 
E em Atlanta, os bairros ricos e pobres ficam muito distantes porque, basicamente, tudo é distante; Atlanta é a Rainha do Esparramamento, ainda mais esparramada do que outras grandes cidades do Cinturão do Sol. Isso quase impossibilita o sistema de transporte público de funcionar mesmo se os políticos estiverem dispostos a pagar por isso, o que não estão. Em consequência, os trabalhadores em desvantagem frequentemente se veem encalhados; pode existir muitos empregos disponíveis em algum lugar, mas eles não conseguem literalmente chegar até eles.
 
A relação aparentemente inversa entre esparramamento e mobilidade social obviamente reforça o argumento em prol das estratégias urbanas de "crescimento inteligente", que tentam promover centros compactos com acesso a transporte público. Mas também pesa no debate maior sobre o que está acontecendo com a sociedade americana. Eu sei que não sou a única pessoa que leu o artigo no "Times" sobre o novo estudo e pensou imediatamente, "William Julius Wilson".
 
Há um quarto de século, Wilson, um distinto sociólogo, argumentou famosamente que o movimento no pós-guerra de emprego nos subúrbios, fora dos centros das cidades, desferiu um duro golpe contra as famílias afro-americanas, concentradas nos centros dessas cidades, ao remover a oportunidade econômica ao mesmo tempo em que o movimento dos direitos civis finalmente colocava um fim à discriminação explícita. E ele argumentou que fenômenos sociais como o crescimento do número de mães solteiras, frequentemente citado como uma das causas do desempenho inferior dos negros, eram na verdade efeitos –isto é, a família estava sendo minada pela ausência de bons empregos.
 
Atualmente, você ouve menos do que o habitual sobre a suposta disfunção social afro-americana, porque as famílias tradicionais também se tornaram muito mais fracas entre os brancos de classe operária. Por quê? Bem, a crescente desigualdade e o esvaziamento geral do mercado de trabalho são provavelmente os principais culpados. Mas a nova pesquisa sobre mobilidade social sugere que o esparramamento –não apenas o movimento de saída de empregos da cidade, mas o fato de também ficarem fora de alcance para muitos moradores menos ricos dos subúrbios– também pode ter um papel.
 
Como eu disse, esta observação claramente reforça o argumento em prol de políticas que ajudem as famílias a funcionarem sem múltiplos carros. Mas também é preciso vê-la no contexto maior de uma nação que perdeu seu rumo, que prega igualdade de oportunidade, ao mesmo tempo que oferece cada vez menos oportunidades para aqueles que mais precisam.