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Republicanos lutam contra a realidade

Paul Krugman

06/08/2013 04h10

Na semana passada, os republicanos da Câmara votaram pela 40ª vez pela derrubada da reforma da saúde de Obama (apelidada de Obamacare). Como nas 39 votações anteriores, essa ação não terá nenhum efeito. Mas foi um dublê para o que os republicanos realmente querem fazer: repelir a realidade, em particular as leis da aritmética. A triste verdade é que o Partido Republicano moderno está perdido na fantasia, incapaz de participar no governar de fato.

Para deixar claro, eu não estou falando sob o conteúdo das políticas. Eu posso acreditar que as prioridades dos republicanos estão todas erradas, mas essa não é a questão aqui. Em vez disso, eu estou falando sobre a aparente incapacidade deles de aceitar restrições reais básicas, como o fato de não ser possível cortar os gastos em geral sem cortar os gastos de programas específicos, ou o fato de votar pela derrubada de uma legislação não mudar a lei quando o outro partido controla o Senado e a Casa Branca.

Será que estou exagerando? Considere o que ocorreu no Congresso na semana passada.

Primeiro, os líderes na Câmara tiveram de cancelar a votação planejada de um projeto de lei dos transportes, porque não havia deputados suficientes dispostos a votar a favor dos cortes acentuados de gastos do projeto de lei. Mas há poucos meses os republicanos da Câmara aprovaram um orçamento extremamente austero, exigindo vários cortes nos gastos federais – e cada projeto de lei específico terá de envolver grandes cortes para que a meta seja atendida. Mas um número significativo de deputados, apesar de dispostos a votar por cortes imensos de gastos desde que não haja detalhes específicos, recuou diante dos detalhes. Eu não corto você, você não me corta, vá cortar alguma outra coisa.

Então os líderes da Câmara anunciaram os planos para realizar a votação do corte pela metade dos gastos em cupons de alimentos – uma exigência que provavelmente porá a pique o esforço já difícil de se chegar a um acordo no projeto de lei agrícola no Senado.
 
E então realizaram a votação inútil sobre a Obamacare, aparentemente apenas para se sentirem melhor. (Eu fico curioso sobre quão reconfortante é a ideia de negarem atendimento de saúde a milhões de americanos.) E então voltaram para casa para o recesso, apesar da proximidade do fim do ano fiscal e quase nenhuma legislação necessária para administração do governo federal ter sido aprovada.

Em outras palavras, os republicanos, ao se verem diante das responsabilidades de governar, basicamente fizeram birra e então fugiram para ficar amuados.

Como o Partido Republicano chegou a este ponto? Em questões orçamentárias, a fonte imediata dos problemas do partido se encontra na decisão de entregar a formulação da política fiscal a um trapaceiro. O deputado Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara, sempre foi o sujeito do asterisco mágico – alguém que faz grandes alegações de ter um plano para reduzir os déficits pela metade, mas que se recusa a dar quaisquer detalhes importantes.

Em 2011, o Escritório de Orçamento do Congresso, ao avaliar um dos planos de Ryan, chegou perto do sarcasmo aberto. Ele descreveu os cortes de gastos extremos presumidos por Ryan e então comentou, sucintamente, "nenhuma proposta foi especificada que geraria esse resultado".

O que está acontecendo agora é que o Partido Republicano está tentando converter o papo furado de Ryan em legislação de fato – e está descobrindo, sem causar surpresa, que não pode ser feito. Mas os republicanos não estão dispostos a aceitar essa realidade. Em vez disso, estão apenas fugindo.

Quando se trata de política fiscal, os republicanos foram vítimas de sua própria trapaça. E eu argumentaria que algo semelhante explica como partido perdeu seu rumo, não apenas na política fiscal, mas em tudo.

Pense deste modo: por muito tempo o establishment republicano conseguiu o que queria aplicando um golpe na base do partido. Os eleitores eram mobilizados como soldados em uma cruzada ideológica, incitados por alertas de que os liberais entregariam o país para terroristas gays casados, sem contar que tirariam seus dólares ganhos arduamente e os dariam para Aquelas Pessoas. Então, assim que a eleição acabava, o establishment passava a cuidar de suas prioridades reais – desregulamentação e impostos mais baixos para os ricos.

A esta altura, entretanto, o establishment perdeu o controle. Enquanto isso, os eleitores da base acreditaram de fato nas histórias que lhes foram contadas – por exemplo, que o governo está gastando vastas somas em coisas que são um desperdício completo e que não faz nada para pessoas como eles. (Não deixe que o governo ponha suas mãos no Medicare!) E o establishment do partido não consegue fazer com que a base aceite a realidade política ou fiscal sem, na prática, reconhecer que mentiu para esses eleitores da base.

O resultado é o que estamos vendo agora na Câmara: um partido que, como eu disse, parece incapaz de participar até mesmo nos processos mais básicos de governar.

O que torna isso assustador é o fato de os republicanos contarem com a maioria na Câmara, de modo que os Estados Unidos não podem ser governados a menos que um número suficiente desses republicanos da Câmara estejam dispostos a encarar a realidade. E esse quórum de republicanos sensatos pode não existir.