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Política monetária deve ser tema na disputa presidencial dos EUA

Paul Krugman

14/02/2015 00h01

A política monetária provavelmente não será um tema importante na campanha de 2016, mas deveria. Afinal, ela é extremamente importante, a base republicana e muitos políticos importantes têm posições fortes a respeito do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) e sua condução. E o futuro candidato presidencial certamente terá que endossar a posição do partido.

Logo, importa o fato de que o consenso republicano emergente a respeito do dinheiro é loucura –loucura repleta de teorias da conspiração.

No momento, a manifestação mais óbvia da loucura do dinheiro é a campanha para "Auditar o Fed", do senador Rand Paul. Paul gosta de alertar que os esforços do Fed para estimular a economia podem levar à hiperinflação; ele adora falar sobre os carrinhos de mão cheios de dinheiro que as pessoas empurravam pela Alemanha de Weimar. Mas ele vem dizendo isso desde 2009 e isso continua não acontecendo. Assim, ele agora acrescentou uma nova linha: o Fed é um banco superalavancado, assim como era o Lehman Brothers, e pode experimentar um colapso desastroso de confiança a qualquer momento.

Essa história é tão errada em tantos níveis que os repórteres estão tendo dificuldade para acompanhar, mas vamos simplesmente notar que as "obrigações" do Fed consistem de dinheiro, e aqueles que detêm esse dinheiro têm a opção de convertê-lo em o quê? Dinheiro, ora. Logo, não, o Fed não pode cair vítima de corrida aos bancos. Mas Paul está sendo submetido a ostracismo por seus pontos de vista? Nem um pouco.

Além disso, apesar de Paul poder ser no momento o garoto propaganda das posições monetárias bizarras, ele está longe de ser o único. Muito se escreveu sobre a carta aberta de 2010 de importantes republicanos a Ben Bernanke, o então presidente do Fed, exigindo que ele cessasse os esforços para apoiar a economia, alertando que esses esforços causariam inflação e "depreciação da moeda". Muito menos foi escrito sobre a transformação simultânea de figuras aparentemente responsáveis em teóricos da conspiração.

Houve, por exemplo, o artigo de 2010 de autoria do deputado Paul Ryan, que continua sendo o líder intelectual de fato dos republicanos, e John Taylor, o economista monetário favorito do partido. A política do Fed, eles declararam, "parece muito com uma tentativa de política fiscal de resgate, e essas tentativas nos levam a questionar a independência do Fed". Essa declaração parece muito a de que Bernanke e seus colegas estavam traindo a confiança deles para ajudar o governo Obama --uma alegação para a qual não há nenhuma evidência.

Ah, e suponha que você acredite que as ações do Fed ajudaram a impedir o que teria sido uma crise fiscal. Isso seria ruim?

Você pode pensar que ao menos alguns dos atuais aspirantes à presidência estão imunes à febre do pântano, mas não tenha tanta certeza. Jeb Bush parece estar recebendo sua agenda econômica do Projeto 4% de Crescimento do Instituto George W. Bush. E a chefe desse projeto, Amity Shlaes, é uma proeminente "duvidadora da inflação", uma pessoa que alega que o governo está mascarando a verdadeira taxa de inflação.

Logo, a loucura monetária é universal no momento no Partido Republicano. Mas por quê? Interesses de classe sem dúvida exercem um papel --os ricos tendem a ser emprestadores em vez de tomadores de empréstimo, e eles se beneficiam ao menos em termos relativos com políticas deflacionárias. Mas eu também suspeito que os conservadores têm um profundo problema psicológico com os sistemas monetários modernos.

Na visão de mundo conservadora, os mercados não são apenas uma forma útil de organizar a economia; eles são uma estrutura moral: as pessoas são pagas de acordo com que merecem e os preços dos bens são o que realmente valem para a sociedade. É possível dizer que para o crente no livre mercado, saber o preço de tudo também é saber o valor de tudo.

O dinheiro moderno --que consiste de pedaços de papel ou seu equivalente digital que são emitidos pelo Fed, não criado pelos esforços heroicos dos empreendedores-- é uma afronta à essa visão de mundo. Ryan já declarou que suas posições a respeito da política monetária vêm de um discurso feito por um dos personagens de ficção de Ayn Rand. E o que esse personagem declara é que o dinheiro é "a base da existência moral. Os destruidores tomam o ouro e deixam aos seus donos uma pilha falsa de papel. (...) O papel é um cheque preenchido por saqueadores legais".

Assim que você entende que é assim que muitos conservadores realmente pensam, tudo se encaixa. É claro que eles preveem desastre com a expansão monetária, independente das circunstâncias. É claro que não se abalam em suas posições independente de quão erradas tenham sido suas previsões no passado. É claro que são rápidos em acusar o Fed de motivações vis. Do ponto de vista deles, a política monetária não é realmente uma questão técnica, uma questão do que funciona; é uma questão de teologia: imprimir dinheiro é o mal.

Como eu disse, a política monetária deveria ser um tema em 2016. Porque há uma boa chance de que alguém que aprendeu sua economia monetária com Ayn Rand, ou sente a necessidade de ceder a esses pontos de vista, seja nomeado como próximo presidente do Federal Reserve.