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O resultado da grande aventura síria de Putin: morte de russos, aviões derrubados e atrito com aliados

Maxim Shipenkov/AFP
Imagem: Maxim Shipenkov/AFP

03/12/2015 00h01

Quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou que estava montando uma base aérea no meio da Síria para enfrentar o Estado Islâmico e apoiar o presidente Bashar Assad, mais do que alguns poucos analistas e políticos elogiaram seu vigoroso brilhantismo estratégico de mudar o jogo, sugerindo que Putin era louco como uma raposa. Alguns de nós acharam que ele era apenas louco.

Bem, passados dois meses, vamos fazer as contas: até o momento, a aventura síria de Putin resultou em um avião de passageiros russo com 224 pessoas sendo derrubado, aparentemente por militantes pró-Estado Islâmico no Sinai. A Turquia abateu um caça russo depois que ele invadiu território turco. E então rebeldes sírios mataram um dos pilotos enquanto descia de paraquedas e um dos fuzileiros russos enviados para resgatá-lo. Muitos dos rebeldes anti-Assad são de etnia turcomana, com fortes laços culturais com a Turquia. A Turquia não ficou contente com o bombardeio por Putin contra as aldeias turcomanas dentro da Síria, por enfraquecer a capacidade da Turquia de moldar o futuro sírio.

Enquanto isso, na Crimeia, que foi anexada por Putin da Ucrânia, os tártaros pró-turcos aparentemente cortaram as linhas de força, mergulhando a Crimeia em um apagão quase total. E em outubro, dezenas de clérigos sauditas pediram por uma "guerra santa" contra os governos da Síria, Irã e Rússia.

Resumindo, o "astuto" movimento de xadrez sírio de Putin o deixou com muito mais russos mortos, em atrito com a Turquia e o Irã, enfraquecido na Ucrânia, agindo como advogado de defesa de Assad –um assassino em massa de muçulmanos sunitas, os mesmos muçulmanos sunitas que Putin tem na Rússia– e sem nenhum avanço real contra o Estado Islâmico.

Fora isso, tem sido um grande sucesso.

Verdade seja dita, eu desejava o sucesso de Putin. Isso teria poupado todos nós de muitos problemas, porque o Estado Islâmico não é uma "equipe júnior" como o presidente Barack Obama já o chamou. Na verdade é uma seleção jihadista. Ele combina a eficiência militar dos oficiais do antigo Exército baathista iraquiano com o fanatismo religioso e depravação forjada na prisão de seu "califa Abu Bakr al-Baghdadi", o interesse pela internet dos árabes da geração do milênio e um apelo empolgante aos jovens muçulmanos humilhados, que nunca tiveram poder, um emprego decente ou a mão de uma garota.

E a ameaça do Estado Islâmico está se tornando estratégica. A fuga em massa de refugiados da Síria e do Iraque provocada pelo Estado Islâmico está levando a União Europeia a começar a fechar suas fronteiras internas e limitar o fluxo livre de pessoas, assim como provavelmente de alguns bens –o oposto do que o bloco foi criado para fazer. Isso apenas desacelerará o crescimento econômico da UE e alimentará um maior nacionalismo, que poderá acabar ameaçando sua unidade. A UE é a parceira mais importante dos Estados Unidos na gestão do sistema global. Se for enfraquecida, nós seremos enfraquecidos.

Mas para destruir o Estado Islâmico de modo sustentável é preciso entender três coisas:

1) Ele é produto de duas guerras civis, uma entre sunitas moderados e extremistas e outra entre sunitas e xiitas. E elas alimentam uma a outra.

2) A única forma de derrotar o Estado Islâmico é minimizando a luta entre sunitas e xiitas e fortalecendo a capacidade de luta dos sunitas moderados contra os extremistas.

3) a luta precisa ser liderada pelos árabes e muçulmanos, mas fortemente apoiada pelos Estados Unidos, pela UE e, sim, pela Rússia.

Enquanto as metas de Putin são incertas, e talvez limitadas a proteger um regime Assad truncado, Obama realmente quer derrotar o Estado Islâmico. Igualmente importante, ele deseja fazê-lo sem ser Putin ou George W. Bush, que simplesmente mergulhou bem no meio.

Mas ainda não está claro se ainda existe outra abordagem, muito menos as opções fantasiosas de muitos críticos de Obama, como a de Donald Trump de bombardeá-los até deixarem de existir. (Nossa, ninguém nunca pensou nisso!) Todo mundo quer derrotar o Estado Islâmico com a "Intervenção Imaculada": mais bombas do ar e tropas, transformação política e riscos por conta de outros.

Lamento, mas para derrotar o Estado Islâmico de forma sustentável é preciso uma coalizão que se reforce mutuamente. É preciso que a Arábia Saudita e os principais poderes religiosos sunitas rejeitem agressivamente a narrativa islâmica do Estado Islâmico. É preciso que tropas terrestres árabes, curdas e turcas –apoiadas por poder aéreo e forças especiais americanas e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar ocidental), assim com apoio construtivo da Rússia– para erradicar o Estado Islâmico de porta em porta.

É preciso que o Irã encoraje o governo liderado pelos xiitas em Bagdá a criar um "Sunistão" semiautônomo nas áreas mantidas pelo Estado Islâmico, dando aos sunitas iraquianos moderados os mesmos poderes que os curdos no Curdistão, para que tenham uma alternativa política ao Estado Islâmico. E é preciso que o Irã concorde com uma transição política na Síria que substitua Assad.

Resumindo, é preciso uma solução política de divisão de poder que todos atores cruciais aceitem e imponham, ou uma força armada para simplesmente esmagar o Estado Islâmico e então permanecer na região indefinidamente, para que ele não volte. Obama não pode garantir o primeiro e não deseja fazer o segundo. Nem o povo americano –não os críticos de Obama, que querem acreditar na existência de uma Intervenção Imaculada.

É possível dizer que em relação ao Estado Islâmico e à Síria, Obama fez um mau serviço impossível e que outro poderia ter feito melhor. Mas ainda será um serviço impossível enquanto todos os atores cruciais naquela região definirem seus interesses como sendo a regra ou a morte, e enquanto a maioria dos verdadeiros democratas naquela região viverem no exílio.