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O labirinto da mente: a cada passo você deve escolher entre dois caminhos

Michael Urban/DDP/AFP
Imagem: Michael Urban/DDP/AFP

Umberto Eco

26/09/2015 00h04

Eu gostaria de discutir o tema de um artigo recente de autoria do jornalista italiano Eugenio Scalfari: o labirinto. O conceito do labirinto remonta à história de Teseu e Ariadne na mitologia grega, e com o passar do tempo se transformou em uma fonte de fascínio nos mundos da arte e, diriam alguns, filosofia. Labirintos inspiraram projetos de pisos de catedrais e de grandes jardins; e a influência deles até mesmo se estende aos labirintos inquietantes em "O Iluminado", de Stanley Kubrick, até os desenhos vertiginosos de M.C. Escher e as fantasias labirínticas de Jorge Luis Borges.

Mas você não podia se perder no labirinto de Cnossos –o labirinto de Teseu. Se você imprimisse uma vista aérea dele e seguisse o caminho com um lápis, seria impossível não encontrar tanto o centro quanto a saída. O labirinto de Cnossos é "unicursal": se pudesse ser desenredado, você teria uma única linha reta –assim como o fio que Ariadne dá a Teseu para marcar seu caminho. O que torna o labirinto de Cnossos perigoso é que o Minotauro se encontra em seu centro. Assim que você se livra do Minotauro, sair é fácil.

Os problemas de Teseu, como Scalfari nos recorda, começam depois, quando é forçado a tomar outras decisões que poderíamos chamar de "existenciais" (por exemplo, escolher entre Fedra e Ariadne). A imaginação clássica não deu forma à teia complicada que nos aguarda fora do labirinto porque, pelo menos até os tempos modernos, o modelo do mundo era rigidamente geométrico, composto de formas "fechadas": esferas concêntricas; hierarquias triangulares; e, de Marcos Vitrúvio Polião até Leonardo da Vinci, as figuras humanas se encaixavam dentro de quadrados, círculos ou pentágonos.

Na era moderna, as pessoas começaram a suspeitar não apenas que a Terra não era o centro do universo, como também que o universo era na verdade infinito –ou a possibilidade de existirem uma infinidade de mundos, de modo que o universo não podia mais ser representado por meio da geometria. Assim, o labirinto passou de unicursal para multicursal: a cada passo você deve escolher entre dois caminhos, e apenas um deles é o correto. Você pode se perder em um labirinto multicursal. Se fosse desenredado, não haveria uma única linha reta, não um fio, mas uma árvore com potencialmente um número infinito de galhos. E qualquer caminho pode levar a um beco sem saída, ou para uma série de desvios que afastam você cada vez mais da saída. E você não consegue visualizar o todo; tudo o que pode fazer é formar uma nova hipótese a cada curva, no que o matemático Pierre Rosenstiehl chama de "algoritmo míope".

A situação fica ainda mais complexa com uma terceira forma de labirinto, a rede ou teia, onde cada ponto pode se conectar a qualquer outro, gerando assim múltiplos caminhos. Imagine, por exemplo, viajar de Roma a Paris e fazendo escala por Berlim, Budapeste e Madri no caminho.

Uma rede não pode ser desemaranhada. Diferente dos labirintos unicursal e multicursal, que possuem um interior e um exterior, esse tipo de labirinto não possui nenhum. E pode se estender infinitamente.

Hoje, nós entendemos que a estrutura do universo é uma teia. Mas a ciência não precisa temê-la, porque se uma hipótese prova ser falsa, sempre há outra para testar. (Apropriadamente, o lema da Accademia del Cimento, uma antiga sociedade científica italiana, era "Tente e tente de novo".) Mas como indivíduos, não é fácil abrir mão de nossas convicções. E mesmo se quiséssemos, não podemos mudar de curso pelo labirinto. A teia pode ser imune à passagem do tempo, mas nós não somos.

E um labirinto como teia nos revela nossos maiores temores, nossas contradições internas e nossa capacidade ilimitada para o erro. No final, nós somos nossos próprios Minotauros.