Com sede de campeonato, Paulo Barros está de volta à Viradouro

Nos últimos 20 anos, é impossível contar a história do Carnaval carioca sem citar a contribuição de Paulo Barros. Desde que surgiu para o grande público, em 2004, na Unidos da Tijuca, o ex-comissário de bordo e artista que já fazia furor nos Grupos de Acesso, proporcionou ao público momentos de grande impacto e surpresa.
Três vezes campeão (em 2010, 2012 e 2014) na Tijuca e uma na Portela (2017), Barros volta à Unidos do Viradouro, onde esteve nos Carnavais de 2007 e 2008 (confira a programação dos desfiles do Rio de Janeiro).
Se, há pouco mais de dez anos, a Viradouro era uma das líderes do ranking da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), hoje a escola de Niterói retorna ao Grupo Especial após três anos de exílio na Série A.
Escorado em uma boa estrutura, Paulo Barros está com os trabalhos no barracão praticamente concluídos e com fé em um ótimo desfile da vermelha e branca. Com o enredo "Viraviradouro", a mensagem é trazer de volta a pureza dos tempos da infância perdida com o passar do tempo e as obrigações da vida adulta.
UOL - Como é a Viradouro que você encontra hoje, dez anos depois de sua outra passagem?
Paulo Barros - A escola não mudou muito. A única diferença é que a gestão hoje é profissional. Estar com o Carnaval pronto não é responsabilidade minha. É por conta da administração. Eu vejo esse cenário de crise e as escolas na pindaíba, porque confiam demais no dinheiro da prefeitura. Não estou dizendo que ela não tem sua responsabilidade. Sim, ela tem que incentivar. Mas nós não contamos com o dinheiro dela. Começamos o Carnaval cedo: nos antecipamos na escolha do enredo e do samba. Dando a partida de cara, conseguimos material e mão de obra mais barata. Graças a Deus, estou em uma escola que tem uma gestão empresarial. Dizem que estamos prontos porque a Viradouro é rica. Não é verdade. Só não esbanjamos dinheiro, não gastamos mais do que deveríamos gastar.
Mas os atrasos de repasses da prefeitura sempre atrapalham.
Não contamos com esse dinheiro. Não sabíamos se viria. Ai é que está a diferença. Agora, se você tem um planejamento para fazer Carnaval, ele tem que ser feito dentro do que há de concreto. Eu gostaria de fazer um Carnaval em que pudesse gastar o dobro? Claro! Eu tinha várias tecnologias que poderia agregar ao desfile, mas não usei. Trabalhei dentro do orçamento que me foi passado. Não tem fórmula mágica.
É começar cedo e se planejar.
Por que a Viradouro resolveu começar cedo? Por tudo que falei. Poderíamos ter esperado um ou dois meses para tentar enredo patrocinado. Pensamos que a possibilidade de conseguir patrocínio na situação atual seria muito difícil. Resolvemos trabalhar dentro da nossa realidade.
Você faz outros trabalhos, viaja o país dando palestras. Qual a percepção que você tem de como as pessoas enxergam o Carnaval das escolas de samba? Ele ainda exerce o fascínio de antes?
No ano passado tivemos um déficit de venda de ingressos e sobra de camarotes. A procura de ingressos hoje é muito menor do que há dez anos. Por que será que existe esse desinteresse? Temos que avaliar isso. Pode ser porque a festa não rende mais o que rendia, pode ser porque as escolas não causam mais o divertimento que elas deveriam. Se você perguntar para o sambista, você não encontrará a resposta. Para nós, tudo sempre estará ótimo. O sambista tende a pensar que apenas o samba e a tradição seguram um espetáculo desse tamanho. Não é verdade. Na minha visão, tem que haver uma reformulação de gestão. Muitos defendem que os ingressos sejam mais baratos, mas essa verba vai para as escolas. Se abaixar o preço, as escolas recebem menos. Vamos colocar o povo na avenida? Vamos! Então, temos que encontrar outras formas de receitas para repor esse dinheiro. A conta é simples.
Seu trabalho sempre foi focado em entreter e, nos últimos anos, ajudou a criar momentos em que o grande público voltou sua atenção para o Carnaval. Esse é o caminho?
Não sei se é o caminho. Eu sei que as pessoas se interessam em assistir ao meu desfile. O que tem acontecido hoje em dia nos camarotes do sambódromo? Tem DJ, tem banda, tem festa. Por que será? Será que o desfile fica atrativo o tempo todo? Acho que as escolas de samba passam por um momento difícil. Elas precisam ter duas coisas: gestão profissional, para serem autossuficientes; e conduzir o espetáculo de forma que se torne atrativo para as pessoas. E como fazer isso? Através da arte. Aí os carnavalescos entram na história. Que cada um encontre o seu caminho para tornar essa festa mais vibrante, para que o público, a cada escola, tenha um tipo de reação e surpresa. Se isso não acontecer, o desfile das escolas de samba volta para a idade da pedra.
Por ser uma pessoa criativa, você deve se cobrar muito por sempre procurar trazer coisas novas, de impacto. Como é esse processo interno?
Eu não me importo com a cobrança das pessoas. A única pessoa que me incomoda nessa situação sou eu mesmo. Eu sempre me provoco a fazer algo diferente.
E como é seu processo criativo? Quando elabora o projeto, ele já vem acabado, ou pode ir sofrendo ajustes durante a execução por conta de alguma inspiração?
Se eu ficar mexendo no projeto, eu atrapalho o cronograma de execução. Não é produtivo. Quando eu decido alguma coisa, eu tenho que ter a certeza de que aquilo é bom. A não ser que caia na minha frente uma ideia sensacional e que, mesmo assim, seja viável. Joãosinho Trinta trocava a decoração de um carro alegórico de um dia para o outro. Isso não cabe mais no Carnaval atual.
Como é seu processo de criação? Quando elabora um enredo, você se isola, viaja para outros lugares?
Pode acontecer em qualquer lugar. Posso estar na fila do banco e a inspiração surgir.
Qual foi a inspiração para o enredo deste ano?
O enredo foi meio que estudado. A Viradouro sentou comigo e pensamos em um enredo que seria estratégico para a situação da escola no momento. O presidente falou que queria um enredo que tivesse a minha cara e achei ótimo, porque a melhor coisa para um artista é ter liberdade criativa. Esse aval foi fundamental. Escolhemos o enredo estrategicamente, de forma que fosse bom para a escola e que dialogasse com o momento de retomada dela. O enredo tem a pegada das histórias infantis, mas, na verdade, é uma mensagem para que as pessoas repensem seus sentimentos de vida e voltem a agir como quando eram crianças, quando eram mais puras. Tanto que quem vem contar essa história é a vovó, que traz o livro com as histórias para resgatar a alegria e a pureza perdidas com o amadurecimento. A ideia é respirar de novo e renascer das cinzas.
Por muitos anos você bateu na trave e, depois, tornou-se um carnavalesco campeão. Qual a influência dos jurados em seu trabalho?
Eu não bati na trave, o jurado é que não deixou! [risos]. No ano passado, eu perdi um décimo porque uma luz se apagou. O julgamento é o meu norte. Tenho que fazer um desfile baseado no campeonato. Quero ganhar, sou pago para isso. Mas eu não trabalho pensando nisso. Se eu tenho 70 mil pessoas no sambódromo e 40 jurados, eu tenho que encantar 69.960 pessoas para contagiar o jurado. Esse é o meu raciocínio. Faço o desfile para o jurado? Claro que sim. Mas jogo para o público para bater no jurado. Como fiz em 2010, por exemplo.
A Viradouro está pronta para disputar o título?
A escola está brigando por um campeonato, lógico! Estamos nos preparando muito. Por que seria diferente? É uma escola forte, gabaritada, tem história e já foi campeã. Se estivesse trabalhando para ficar em sétimo lugar, nem estaria aqui.
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