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Critérios de julgamento fazem Carnaval de SP ter resultado incompreensível

Anhembi recebe as escolas de samba de São Paulo para apuração do Carnaval 2019 - Mariana Pekin/UOL
Anhembi recebe as escolas de samba de São Paulo para apuração do Carnaval 2019 Imagem: Mariana Pekin/UOL

05/03/2019 21h53

O julgamento das escolas de samba no Carnaval já é, normalmente, eivado pela subjetividade. Afinal, é extremamente complicado avaliar, dentro de parâmetros, manifestações artísticas diferentes entre si no que diz respeito à temática, estética e expressividade. Por mais que tentemos estabelecer critérios, o gosto pessoal, a experiência de vida, a visão de mundo, o humor e até as condições fisiológicas nos afetam na hora de definir um juízo de valor. Por isso, o modelo de julgamento, na maioria dos casos, privilegia a conjugação de dois fatores: o preenchimento de valores pré-definidos e a comparação entre os concorrentes.

Em São Paulo, as regras da apuração são diferentes. Os jurados são instruídos a não atribuir notas pelo critério comparativo. Não interessa se a escola A empolgou mais o público, se seu samba é mais bem construído ou sua bateria é mais ousada do que a escola B. Se ela cumpriu o check list de requisitos exigidos, merece a nota máxima. Não interessa se uma arrebatou as arquibancadas e outra, não. É um critério bastante discutível. É como comparar um Fórmula 1 a um calhambeque, já que ambos possuem os mesmos itens necessários: quatro rodas, volante, caixa de marchas, retrovisores e bancos.

Com isso, a apuração paulistana é um falso show de perfeição. Uma verdadeira chuva de notas 10. A maioria esmagadora dos jurados atribui notas máximas a 11 ou 12 das 14 concorrentes. E quando penaliza, tira apenas um décimo. Voltando à comparação anterior, o carro que atinge 300 km/h é apenas um pouquinho melhor do que a lata velha que mal chega a 40 km/h. É injusto, desleal e desrespeitoso.

Quantos de nós tiramos 10 no colégio? Quantas vezes? Excetuando os superdotados, um aluno comum não costuma tirar a nota máxima com frequência. E quando isso acontece, é um momento de sonhos para qualquer criança. Papai nos leva para comer sorvete, o videogame é liberado e, no fim de semana, vovó nos visita e leva um presente. O 10 não pode ser banalizado. É o coroamento de um trabalho bem feito no ano inteiro, não uma obrigatoriedade a ser cumprida.

Feito todo este preâmbulo, o modelo de julgamento da Liga de São Paulo permite verdadeiras aberrações no resultado. Não foi o caso da Mancha Verde, campeã com méritos com um desfile tecnicamente perfeito.

Acadêmicos do Tatuapé - Ricardo Matsukawa/UOL - Ricardo Matsukawa/UOL
Clima na Acadêmicos do Tatuapé
Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

Mas, um telão de led apagado fez a Acadêmicos do Tatuapé despencar do segundo para o sétimo lugar. Será que um aparelho eletrônico que não funcionou é mais importante do que o esforço de milhares de componentes que ensaiaram, confeccionaram fantasias e alegorias e perderam noites de sono ao longo do ano?

Os jurados, com um manual engessado e que não premia a criatividade e a ousadia, viram meros fiscais de erros. Muitos, imperceptíveis aos olhos nus. Ou então, apenas considerados por ungidos que observaram o que milhares de pessoas no Anhembi não perceberam. Porque, não há condições plausíveis de se aceitar o rebaixamento do Vai-Vai, que realizou um dos mais fortes desfiles de chão do ano. Falhou no visual, é verdade, mas de jeito algum poderia estar no fim da tabela.

Incompreensível a péssima colocação da Tom Maior, salva do rebaixamento na última nota. Assim como é inexplicável a nona colocação da Gaviões da Fiel, que fez um dos desfiles mais aplaudidos pela crítica e público de todas as torcidas.

O Carnaval tem suas especificidades - algumas, admito, herméticas para todo o público. Mas, a percepção geral existe e não deve ser desprezada. Já não basta o fim do quesito Conjunto, adotada no Rio de Janeiro e copiada país afora.

Se a impressão geral do desfile for descartada por penalizações por penachos que caem no chão ou tesouras esquecidas em cima de carros alegóricos, o resultado perde a credibilidade e o público se desinteressa. O ótimo trabalho da Liga de São Paulo, que cada vez mais obtém visibilidade para o espetáculo, pode ir por água abaixo se o público começar a desconfiar de que o resultado não reflete o que se viu na pista.

Anderson Baltar