Brasil precisará de 'décadas' para se adaptar a aquecimento, diz secretário
O secretário interino de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Ruy de Góes, diz que a adaptação do Brasil aos efeitos do aquecimento global vai levar décadas de trabalho e terá que ser incorporada ao planejamento de todas instâncias de governo daqui para a frente.
"Temos que ter um enorme sentido de urgência, atuar com a maior rapidez possível nas medidas de mitigação, mas ao mesmo tempo a adaptação é uma tarefa para esta e para as próximas gerações. É isso o que tem que mudar na cabeça dos governantes em geral", afirmou em entrevista à BBC Brasil.
Na linguagem do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que divulgou na sexta-feira passada seu segundo relatório sobre os efeitos da mudança climática, adaptação são as medidas que a sociedade terá que tomar para que os seres humanos consigam conviver com as mudanças.
E mitigação são as medidas que serão tomadas nos próximos anos para reduzir a emissão de gases que causam o aquecimento global.
Góes diz que os dados sobre o risco de desaparecimento da Amazônia já eram conhecidos do governo brasileiro, que tem uma proposta em estudo pelos outros países para ser compensado para combater o desmatamento.
Leia abaixo a entrevista com o secretário:
BBC Brasil - Uma das conclusões dos estudos é que de 10% a 25% da Amazônia pode desaparecer até 2080. Foi uma surpresa ou já era esperado?
Ruy de Góes - Não chegou a ser uma surpresa. Nós já estamos acompanhando os estudos e temos também nossos próprios estudos, que já apontavam dados bastante preocupantes sobre a Amazônia, a fragilidade dos ecossistemas brasileiros devido às mudanças climáticas. Mas é claro que as previsões vão se refinando ao longo do tempo. O relatório brasileiro não quantificava, mas já mostrava os riscos de "savanização" de parte da floresta. E é preciso ressaltar que quando se fala que a Amazônia vai virar cerrado é uma interpretração errônea, porque o cerrado é um ecossistema muito rico e o que haverá é uma savanização com uma vegetação empobrecida.
BBC Brasil - Houve muitas críticas ao resumo político do relatório divulgado na semana passada, que teria sido suavizado, inclusive na parte referente à destruição da Amazônia. Qual é a avaliação do Ministério do Meio Ambiente?
Góes - Este relatório é sujeito a consenso. E qualquer discussão que envolva consenso acaba sendo suavizada. Mas isso não diminui a gravidade do problema. Os dados são públicos, os relatórios estão disponíveis na internet, a imprensa divulgou os dados. Não me preocupa tanto o fato de ter sido suavizado. Estes dados estão colocados na mesa.
BBC Brasil - Isso não pode ser usado como desculpa pelos países que não estão tão interessados em agir, alegando que a conclusão "não é assim tão grave, não diz que a Amazônia vai acabar"?
Góes - Alguns países são excessivamente cautelosos em relação ao fenômeno. Como os Estados Unidos, que se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto. E o que é mais preocupante é que ações os países vão tomar a partir de agora. O relatório aponta para a extrema urgência e necessidade de tomar medidas muito mais radicais do que as preconizadas no Protoloco de Kyoto. O que saiu mostra a gravidade do problema suficientemente. O relatório é bom.
BBC Brasil - Algumas regiões do planeta vão ficar mais férteis com o aquecimento. O Brasil perde mais ou ganha mais com a elevação da temperatura?
Góes - Perde mais. Porque, nas regiões mais úmidas (região Sudeste), as precipitações tendem a aumentar. No semi-árido, a tendência é desertificação. Aumentam as disparidades regionais. Pode aumentar a produtividade da soja em algumas regiões. Mas o mundo como um todo perde. O efeito nos países pobres é maior do que nos países ricos.
BBC Brasil - A ministra Marina Silva fez na reunião de Nairóbi, em novembro, uma proposta de compensação pela preservação da Amazônia. Como está esta proposta?
Góes - A proposta foi bem recebida. Houve uma reunião em março na Austrália para discutir as propostas. Estamos bem otimistas em relação aos resultados. A proposta prevê que os países que evitarem o desmatamento serão compensados por isso, já que os custos de evitar o desmatamento são muito altos.
BBC Brasil - Neste relatório, não houve análises sobre os riscos para a saúde das pessoas no Brasil decorrentes das mudanças climáticas, por causa da falta de dados. Isso não dificulta a elaboração de políticas para reduzir esses efeitos?
Góes - Dificulta. E isso não é só o Brasil. Os países mais pobres têm uma enorme carência de dados. Temos que identificar as lacunas de informação para cruzar com as vulnerabilidades e, a partir de agora, construir uma base de dados para olhar nas próximas décadas. É um banco de dados que só tem sentido em um horizonte de tempo de décadas. É este horizonte que a gente tem que se acostumar a trabalhar.
Temos que ter um enorme sentido de urgência, atuar com a maior rapidez possível nas medidas de mitigação, mas ao mesmo tempo a adaptação é uma tarefa para esta e para as próximas gerações. É isso o que tem que mudar na cabeça dos governantes em geral. Do Brasil e dos outros países, Estados e municípios. Vamos ter que passar a incorporar isso nos mecanismos de planejamento.
BBC Brasil - E no caso do Brasil, onde os governantes têm dificuldade em planejar além do próprio governo, isso é difícil, não?
Góes - Para todos nós é difícil. Para nós, enquanto pessoas, é difícil pensar em um mundo que está em mutação. A gente está acostumado a ter planejamento para quatro anos. E isso não é só o Brasil. Os governos de um modo geral têm a prática de olhar os próximos quatro anos e enfatizar pouco o planejamento de longo prazo.
BBC Brasil - E o governo brasileiro está preparado para isso?
Góes - Acho que este ano é o ano da virada. É o ano em que as mudanças climáticas podem ocupar um lugar na agenda que não ocupavam antes. O ano em que se muda o grau de prioridade que se dá a isso. Até mesmo no Ministério do Meio Ambiente a partir deste ano houve um grau de prioridade para mudanças climáticas que não tinha antes. O grau de prioridade aumentou.
"Temos que ter um enorme sentido de urgência, atuar com a maior rapidez possível nas medidas de mitigação, mas ao mesmo tempo a adaptação é uma tarefa para esta e para as próximas gerações. É isso o que tem que mudar na cabeça dos governantes em geral", afirmou em entrevista à BBC Brasil.
Na linguagem do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que divulgou na sexta-feira passada seu segundo relatório sobre os efeitos da mudança climática, adaptação são as medidas que a sociedade terá que tomar para que os seres humanos consigam conviver com as mudanças.
E mitigação são as medidas que serão tomadas nos próximos anos para reduzir a emissão de gases que causam o aquecimento global.
Góes diz que os dados sobre o risco de desaparecimento da Amazônia já eram conhecidos do governo brasileiro, que tem uma proposta em estudo pelos outros países para ser compensado para combater o desmatamento.
Leia abaixo a entrevista com o secretário:
BBC Brasil - Uma das conclusões dos estudos é que de 10% a 25% da Amazônia pode desaparecer até 2080. Foi uma surpresa ou já era esperado?
Ruy de Góes - Não chegou a ser uma surpresa. Nós já estamos acompanhando os estudos e temos também nossos próprios estudos, que já apontavam dados bastante preocupantes sobre a Amazônia, a fragilidade dos ecossistemas brasileiros devido às mudanças climáticas. Mas é claro que as previsões vão se refinando ao longo do tempo. O relatório brasileiro não quantificava, mas já mostrava os riscos de "savanização" de parte da floresta. E é preciso ressaltar que quando se fala que a Amazônia vai virar cerrado é uma interpretração errônea, porque o cerrado é um ecossistema muito rico e o que haverá é uma savanização com uma vegetação empobrecida.
BBC Brasil - Houve muitas críticas ao resumo político do relatório divulgado na semana passada, que teria sido suavizado, inclusive na parte referente à destruição da Amazônia. Qual é a avaliação do Ministério do Meio Ambiente?
Góes - Este relatório é sujeito a consenso. E qualquer discussão que envolva consenso acaba sendo suavizada. Mas isso não diminui a gravidade do problema. Os dados são públicos, os relatórios estão disponíveis na internet, a imprensa divulgou os dados. Não me preocupa tanto o fato de ter sido suavizado. Estes dados estão colocados na mesa.
BBC Brasil - Isso não pode ser usado como desculpa pelos países que não estão tão interessados em agir, alegando que a conclusão "não é assim tão grave, não diz que a Amazônia vai acabar"?
Góes - Alguns países são excessivamente cautelosos em relação ao fenômeno. Como os Estados Unidos, que se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto. E o que é mais preocupante é que ações os países vão tomar a partir de agora. O relatório aponta para a extrema urgência e necessidade de tomar medidas muito mais radicais do que as preconizadas no Protoloco de Kyoto. O que saiu mostra a gravidade do problema suficientemente. O relatório é bom.
BBC Brasil - Algumas regiões do planeta vão ficar mais férteis com o aquecimento. O Brasil perde mais ou ganha mais com a elevação da temperatura?
Góes - Perde mais. Porque, nas regiões mais úmidas (região Sudeste), as precipitações tendem a aumentar. No semi-árido, a tendência é desertificação. Aumentam as disparidades regionais. Pode aumentar a produtividade da soja em algumas regiões. Mas o mundo como um todo perde. O efeito nos países pobres é maior do que nos países ricos.
BBC Brasil - A ministra Marina Silva fez na reunião de Nairóbi, em novembro, uma proposta de compensação pela preservação da Amazônia. Como está esta proposta?
Góes - A proposta foi bem recebida. Houve uma reunião em março na Austrália para discutir as propostas. Estamos bem otimistas em relação aos resultados. A proposta prevê que os países que evitarem o desmatamento serão compensados por isso, já que os custos de evitar o desmatamento são muito altos.
BBC Brasil - Neste relatório, não houve análises sobre os riscos para a saúde das pessoas no Brasil decorrentes das mudanças climáticas, por causa da falta de dados. Isso não dificulta a elaboração de políticas para reduzir esses efeitos?
Góes - Dificulta. E isso não é só o Brasil. Os países mais pobres têm uma enorme carência de dados. Temos que identificar as lacunas de informação para cruzar com as vulnerabilidades e, a partir de agora, construir uma base de dados para olhar nas próximas décadas. É um banco de dados que só tem sentido em um horizonte de tempo de décadas. É este horizonte que a gente tem que se acostumar a trabalhar.
Temos que ter um enorme sentido de urgência, atuar com a maior rapidez possível nas medidas de mitigação, mas ao mesmo tempo a adaptação é uma tarefa para esta e para as próximas gerações. É isso o que tem que mudar na cabeça dos governantes em geral. Do Brasil e dos outros países, Estados e municípios. Vamos ter que passar a incorporar isso nos mecanismos de planejamento.
BBC Brasil - E no caso do Brasil, onde os governantes têm dificuldade em planejar além do próprio governo, isso é difícil, não?
Góes - Para todos nós é difícil. Para nós, enquanto pessoas, é difícil pensar em um mundo que está em mutação. A gente está acostumado a ter planejamento para quatro anos. E isso não é só o Brasil. Os governos de um modo geral têm a prática de olhar os próximos quatro anos e enfatizar pouco o planejamento de longo prazo.
BBC Brasil - E o governo brasileiro está preparado para isso?
Góes - Acho que este ano é o ano da virada. É o ano em que as mudanças climáticas podem ocupar um lugar na agenda que não ocupavam antes. O ano em que se muda o grau de prioridade que se dá a isso. Até mesmo no Ministério do Meio Ambiente a partir deste ano houve um grau de prioridade para mudanças climáticas que não tinha antes. O grau de prioridade aumentou.