Como turistas podem ameaçar o bem-estar de baleias e golfinhos
Não foi por acaso que ela ganhou o apelido de "A Incrível Grace". Nas águas da Laguna de Santo Inácio, na Costa Oeste do México, a baleia cinza emergiu ao lado do barco de pesquisas e começou a empurrá-lo como um patinho de borracha.
A fêmea, com uma cicatriz distintiva, foi a mais amigável baleia que o cientista Steven Swartz encontrou. O ano era 1997, e Swartz tinha chegado à região de Baja Mexico meses antes para estudar esses animais. "Ela ficou dando cabeçadas no barco e quase chegou a levantá-lo", lembra o cientista, acrescentando, no entanto, que a baleia deixou que os pesquisadores a acariciassem.
Naquela época, ver uma baleia tendo comportamento tão amigável com humanos era algo raro, segundo Swartz. Por razões óbvias, os cetáceos tinham aprendido a temer o homem - barcos de caça a baleias tinham sido comuns por décadas. Grace era uma exceção à regra.
Caça
Em 1982, porém, encontros amigáveis já eram bem mais comuns e assim permanecem até hoje. Swartz estima que 80% a 90% das baleias que tem estudado não pareceram incomodadas com a presença dos barcos de pesquisa. E algumas se sentem confortáveis o suficiente para até seguir as embarcações.
A proibição da caça à baleia em vários lugares do mundo fez com que baleeiros dessem lugar a mais e mais barcos turísticos. O medo que algumas baleias associavam aos humanos deu lugar à curiosidade. Mas à medida em que aprendemos mais sobre baleias e golfinhos, alguns pesquisadores começaram a fazer uma nova pergunta: a observação de baleias é tão inofensiva quanto parece?
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A experiência com "Incrível Grace" pode ter sido a primeira amigável em Laguna Santo Inácio documentada por um cientista, mas habitantes locais já haviam passado por interações semelhantes. Conhecido localmente como "o escolhido", o pescador Don Pachico Mayoral tem sua própria história de encontro.
No inverno de 1972, ele e um colega estavam pescando em seu bote quando uma baleia cinza duas vezes maior que a embarcação apareceu. Temendo por suas vidas, eles tentaram fugir. Pachico tinha razões para se preocupar. Em séculos de caça, baleias cinza tinham merecido o apelido de "demoníacas" por conta do hábito de atacar seus perseguidores. Por vezes, os caçadores viravam caça.
Todas as vezes em que Pachico mudou a direção do barco, a baleia os seguiu. Os dois homens estavam preparados para o pior. Mas algo surpreendente aconteceu: encostando levemente no barco, a besta cinza levantou a cabeça da água, bem ao lado do pescador. Com um pouco de hesitação, ele tocou a cabeça do animal, que em vez de se afastar ficou ainda mais próximo ao barco, com se encorajasse a intimidade. A experiência mudou para sempre as atitudes dos habitantes locais com as baleias.
"Perdemos Pachico há alguns anos, mas sua família ainda está aqui, cuidando de sua empresa de ecoturismo", conta Swartz. Trata-se de um dos muitos negócios "amigos das baleias" da região. As baleias agora são perseguidas por câmeras, não arpões.
O problema é saber se as baleias acham que os humanos perderam de vez sua reputação. Quando a observação de baleias teve início em Baja Mexico, nos anos 70, não havia regras. Por vezes os animais eram perseguidos por barcos de alta velocidade repletos de turistas. Hoje, porém, a atividade é estritamente controlada. Este habitat de baleias é parte de uma reserva biológica e é tombado pela Unesco - órgão das Nações Unidas para a cultura - como patrimônio histórico da humanidade.
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Há uma espécie de "xerife de baleias" na laguna, certificando-se de que não haja muitos barcos na água ao mesmo tempo. As embarcações precisam ainda ficar em zonas especificas e respeitar o limite de tempo de 90 minutos. E não podem se aproximar muito das baleias. A região é um exemplo de turismo de baleias bem regulado.
No entanto, ainda há muitos lugares ao redor do mundo onde a observação de mamíferos não conta com a mesma regulamentação, ou mesmo com regulamentação alguma.
Banhistas
O impacto do turismo sobre as criaturas sendo observadas há tempos intriga David Lusseau. Quando ele era um adolescente aprendendo a mergulhar na costa francesa do Mediterrâneo, Lusseau ficou encantado por um golfinho que gostava de passar tempo com os mergulhadores.
"Ele parecia mudar seu comportamento de acordo com a atitude das pessoas ao redor. Quando ele vinha para a baía, banhistas corriam para a água para tentar tocá-lo. O animal ficava angustiado e tentava escapar", lembra.
Em alguns casos, o golfinho precisava lutar para escapar. Entre os mergulhadores, porém, a história era diferente: o golfinho mostrava-se calmo e curioso. "Ele nos seguia debaixo d'água e isso me deixou bastante curioso".
Atualmente na Universidade de Aberdeen, na Escócia, Lusseau recentemente estudou uma série de animais marinhos para tentar entender como eles se comportam na presença de barcos turísticos.
Ele e seus colegas descobriram que os barcos são visto da mesma maneira por muitas espécies: como um risco.
Há várias evidências de que baleias e golfinhos reagem aos barcos como se eles fossem predadores. Muitos cetáceos passam mais tempo submersos quando há embarcações à volta. E o trabalho de Lusseau na Nova Zelândia revelou que esses animais podem reagir à chegada dos barcos antes mesmo de vê-los.
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Em locais com poucos barcos turísticos e onde baleias se locomovem em grandes distâncias, o impacto do turismo tende a ser menor. Lusseau e seus colegas estudaram o comportamento de baleias mink em Faxafloi Bay, na Islândia, onde a exposição das baleias é relativamente baixa. Lá, o turismo parece ter efeitos insignificantes em atividades como a alimentação. E isso é boa notícia para a sobrevivência da população a longo prazo.
Esforço
O mesmo não pode se dizer dos golfinhos neozelandeses, estudados por Lusseau. Quando a atividade turística aumenta, eles abandonam sua região nativa de Fiordland. A pesquisa de Lusseau mostra que os filhotes desses animais sofrem quando eles não conseguem evitar atividade turística mais intensa. O aumento no volume de turismo diminuiu a eficiência alimentar dos animais, reduzindo seus níveis de energia.
"A energia que eles usariam para fabricar leite passa a ser usada para aumentar a sobrevivência das fêmeas. Em condições de turismo intenso, vemos a possibilidade de sobrevivência dos filhotes no primeiro ano de vida cair de 86% para 38%, o que é um impacto imenso", diz o cientista.
Lusseau explica que golfinhos têm longas vidas, mas se reproduzem lentamente, o que na teoria os leva a evitar riscos. Mas por que alguns indivíduos se aproximam de barcos?
Nós não sabemos por que Incrível Grace e seus amigos fazem isso. Pode ser uma questão de economia de esforço. Nadar perto de barcos pode fazer com que o deslocamento de água dê uma carona para cetáceos menores. Isso é bastante útil em viagens mais longas. "É como em todas as espécies: jovens gostam de correr mais riscos", diz Lusseau.
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É por isso, segundo o cientista, que golfinhos mais jovens fazem estripulias como ziguezagues na frente de embarcações.
É muito raro ver golfinhos atacando barcos. Lusseau viu apenas uma vez, na Nova Zelândia, quando dois machos perseguiram uma lancha que atropelara e matara um colega.
Putu Mustika, da ONG Cetacean Sirenia Indonesia, também tem analisado como golfinhos reagem ao serem observadores de perto por humanos em barcos. Ela estuda golfinhos-rotatores em Lovina, no norte da Indonésia, onde não há protocolo para a observação marinha. Como resultado, não é incomum haver mais barcos que golfinhos na água. "Por vezes pode haver 80 barcos em volta do golfinho".
Enquanto os botes observavam os golfinhos, Mustika observava os botes, registrando o comportamento humano junto com o dos animais. Ela também conversou com os operadores de turismo, para quem o número de golfinhos na região diminuiu com o crescimento do turismo.
Barcos mais rápidos frequentemente "quebram" grupos de golfinhos, especialmente quando trafegando em alta velocidade. "É importante que os golfinhos não sejam perturbados", diz Mustika.
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Operadores concordaram em adotar práticas mais amigáveis, como aumentar a distância para os animais e reduzir a velocidade dos barcos. "Há a compreensão de que, sem respeito aos golfinhos, não os veremos mais", explica a cientista.
Energia
No Havaí, também há problemas causados pelo turismo marítimo. Heather Heenehan está estudando os conflitos entre os golfinhos-rotatores e humanos para seu doutorado na Universidade Duke (EUA). Esses animais havaianos se alimentam à noite, em busca de peixes, camarões e lulas. Trabalhando em grupos para encurralar suas presas, ele caçam cerca de 11 horas por noite para se alimentar e armazenar energia que sustente seu estilo acrobático.
Durante o dia, eles fica em águas mais rasas para descansar. Especialmente entre 10h e 14h. O problema é que golfinhos descansam de maneira diferentes de humanos - eles ainda se movimentam. E sua proximidade da praia faz com que humanos pensem que eles estão querendo brincar.
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"É como se as pessoas fizessem uma festa no quarto deles na hora de dormir", explica Heenehan.
Esses casos fazem com que especialistas como Lusseau defendam a necessidade de uma abordagem mais cuidadosa na observação de criaturas marinhas.
No que diz respeito às baleias, é difícil saber se o declínio da caça as deixou mais corajosas na aproximação com humanos. Isso porque pouco se sabe sobre como as baleias se comportavam antes de começarmos a caçá-las. "Em uma escala evolucionária, baleias não tiveram oportunidades para se adaptar a algo grande e rápido como navios modernos", explica Christine Gabriele, pesquisadora de baleias-corcundas no Parque Nacional de Glacier Bay, no Alasca.
Em muitas partes do mundo, nosso relacionamento com cetáceos mudou de forma dramática desde que matá-los deixou de ser o principal objetivo. Mas ainda precisamos aprender muito sobre a arte da observação benigna.
- Leia a versão original dessa reportagem (em inglês) no site BBC Earth .
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