Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

STF limita 'decretos da morte' após Bolsonaro semear o Brasil com armas

Colunista do UOL

05/09/2022 15h51

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A restrição da efetividade de decretos de Jair Bolsonaro que facilitaram o acesso a armas e a munições é uma boa decisão do Supremo Tribunal Federal que vem com anos de atraso. Desde o início de seu governo, o presidente semeou pistolas, fuzis e cartuchos em grandes quantidades por todo o Brasil. E adubou o terreno com seu discurso de que armas são a solução. Agora, vê satisfeito a colheita.

A liminar do ministro Edson Fachin usou como justificativa o risco de violência na campanha eleitoral. Foi comedido, pois o sangue derramado devido ao ódio político já é uma realidade, como foi o caso do tesoureiro petista Marcelo Arruda, executado pelo bolsonarista Jorge Guaranho enquanto celebrava seu aniversário com temática lulista em Foz do Iguaçu (PR).

Há caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), além de milicianos e membros do PCC, que compraram legalmente verdadeiros arsenais amparados pelos decretos de Bolsonaro. Teremos, possivelmente, uma barafunda jurídica movida por quem adquiriu o armamento sob a benção de Jair e, agora, quer o direito à posse e ao porte.

Isso sem contar que, em um golpe eleitoral, quem vai se importar com a suspensão de trechos de decretos para sair à rua com a arma que já comprou?

Em um momento em que a maioria da Câmara dos Deputados aceitou abrir mão de seu papel de freio e contrapeso do Poder Executivo em troca dos bilhões do orçamento secreto, é importante lembrar que o Supremo vem garantindo que a Constituição não vire capacho de porta do Vivendas da Barra. E a decisão de hoje, às vésperas da micareta golpista de 7 de Setembro, é mais do que bem-vinda.

Isso não significa, contudo, que o prolongado silêncio do STF diante do tema não foi útil ao presidente em seu intento de armar uma parcela de seus fãs até os dentes. E, como bem sabemos, seguidores armados agirão como paus-mandados se os resultados da eleição forem questionados por ele.

A responsabilidade pelo atrasado, portanto, não é apenas do bolsonarista Kassio Nunes Marques, que pediu vistas do processo, mas de todos os ministros da corte.

Brasil colhe violência cotidiana após Bolsonaro liberar armas e munições

A banalização do uso das armas impacta muito além da política e transforma a vida cotidiana em zona de guerra. Por exemplo, na madrugada de 7 de agosto, o campeão de jiu-jitsu Leandro Lo foi baleado na cabeça por um policial militar em um show na Zona Sul de São Paulo, e Lindomar da Silva acabou baleado pelas costas após bater no carro de um empresário em Mogi Guaçu (SP).

Ambas são mortes estúpidas, que acontecem em um momento em que as armas de fogo são incensadas pelo presidente da República como solução para os problemas. E no qual a flexibilização do controle de acesso a elas, que ele diligentemente executou, permitiu que desavenças comuns tivessem fins trágicos, quando alguém perde a cabeça e puxa o gatilho. Em outras palavras, as pessoas estão mais armadas e mais empoderadas para usá-las.

De uma forma infantojuvenil, parte dos seguidores de Jair Bolsonaro afirma que o aumento na quantidade de armas na sociedade levou à queda no número de homicídios durante o seu mandato. Mortes caíram sim, mas por conta da efetivação de políticas estaduais de segurança pública ao longo da última década, pelo armistício em guerras travadas por facções do narcotráfico (especialmente a partir de 2017) e pela transição etária do Brasil, que está ficando menos jovem e, com isso, com menos casos de violência.

Se não tivéssemos o armamentismo de Bolsonaro, a redução poderia ter sido ainda maior.

O presidente da República não conclamou os seus seguidores a "baixarem as armas" após o assassinato político do tesoureiro petista em Foz do Iguaçu. Na verdade, nem poderia, pois isso bateria de frente com toda a estratégia montada até agora para a sua reeleição. Desde a campanha de 2018, ele alimenta seus fiéis com uma retórica de que estão em uma guerra do bem contra o mal. Mais do que um governo, trata-se de uma cruzada para impor ao Brasil os "valores corretos" - processo pelo qual, segundo bolsonarismo, vale a pena pegar em armas para matar ou morrer.

Seis dias antes dos atos de caráter golpista e antidemocráticos de 7 de setembro do ano passado, Jair afirmou, em um evento da Marinha, que "se você quer paz, se prepare para a guerra". Hoje, um ano depois, há nuvens escuras no horizonte. E não são de chuva.

A maioria dos brasileiros, contudo, rejeita a política armamentista do presidente. De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada no mês de maio, 72% da população discorda da frase "a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência". Ao mesmo tempo, 71% discordam da frase "É preciso facilitar o acesso de pessoas às armas".

Por fim, 69% dos brasileiros afirmam discordar e 28% concordar com um dos principais lemas do presidente: "Um povo armado jamais será escravizado". Até porque um povo armado se mata.

Detalhe: 73% das mulheres discordam dessa declaração. Não à toa, o presidente conte com 55% de rejeição entre elas, segundo o último Datafolha.