Brasileiro se veste de Pabllo Vittar em defesa de mestrado e tem maior nota
Ao apresentar no último dia 25 sua dissertação de mestrado na Universidade do Minho, em Braga, norte de Portugal, o jornalista gaúcho Danilo Pedrazza incorporou a cantora Pabllo Vittar e foi avaliado com a maior nota já atribuída em uma pós-graduação no curso de comunicação, arte e cultura da instituição. Em plena dissertação, Danilo passou a tirar as peças da roupa que estava usando, inclusive a touca que lhe cobria a cabeça, até ficar apenas com o famigerado modelo de body que a cantora usa no clipe "Então Vai".
Encantadas com a performance para o estudo intitulado "A Sua Voz Não Está Mais Escondida: Representações Artísticas e Política da Drag-Queen Pabllo Vittar na Mídia", as três senhoras que compunham a banca examinadora deram 19 para Danilo, em uma escala de 1 a 20.
"Minha história com a Pabllo é curiosa", diz Danilo, 27 anos. "Eu já tinha assistido ao clipe 'Open Bar', no final de 2015, e achado interessante, mas foi em 2017, quando ela lançou 'Todo dia' ('Eu não espero o carnaval chegar para ser vadia, sou todo dia, sou todo o dia'), que eu vi o quanto me encaixava direitinho na letra. Eu tinha conseguido emagrecer 45 quilos e, pela primeira vez, depois de passar a vida sofrendo com gordofobia e homofobia, eu estava me sentindo bem comigo mesmo."
Nascido em Santo Ângelo, cidade de 80 mil habitantes a cerca de 400 km de Porto Alegre, Danilo Pedrazza é filho de um político e de uma professora que se separaram quando ele tinha 6 anos. Pouco antes, a família tinha migrado para a capital, onde seu pai havia conseguido uma colocação na assembleia legislativa do estado. "Eu e minha irmã fomos criados pela minha mãe e meus avós. Meu avô, que morreu em 2010 aos 103 anos, era minha vida e maior inspiração masculina", afirma. Aos 25 anos, Danilo foi aceito para fazer o mestrado em Portugal.
Epilepsia e suicídio
Dramático, intenso, hiperativo, ele conta aos atropelos que viveu experiências profundas e transformadoras. Diz de saída que é epilético e tentou se matar — mas logo esclarece que uma coisa não está associada à outra. A epilepsia se manifestou quando ele tinha seis meses de vida, e as crises voltaram a acontecer quando ele estava com 23. Com receio de sofrer convulsões durante o mestrado, Danilo procurou um médico do Instituto do Cérebro da PUC de Porto Alegre, que o submeteu a uma cirurgia que, até agora, teve resultados satisfatórios. "Tenho uma cicatriz de quase 20 centímetros na cabeça, em forma de 'C', de coragem."
A tentativa de suicídio foi em Portugal, em 2018, quando roubaram seu computador e um pendrive com todo o material da pesquisa de sua dissertação. "Eu não conseguia comer, dormir, só chorava o dia inteiro. Pensava em acabar com minha vida, em me jogar da ponte aqui do Porto", lembra ele, referindo-se à cidade vizinha a Braga, onde mora. Chegou a ir à ponte, mas foi salvo por uma "melhor amiga" que lhe emprestou dinheiro para comprar um novo computador. "Com o tempo, recuperei parte do trabalho em e-mails que tinha mandado para a orientadora."
Abaixo, os melhores trechos da conversa com Danilo.
Notícias — Como teve a ideia da performance?
Danilo Pedrazza — Quando soube que o body do clipe da Pabllo seria vendido na C&A, pedi a minha irmã que comprasse um pela internet. Então, comecei a planejar a apresentação. Iniciaria a dissertação vestido de homem, e terminaria de drag. Eu não sou drag, mas admiro tanto, e fazer essa pesquisa me fez evoluir tanto, que só posso agradecer a todas as que me ajudaram ao longo dessa jornada. Até hoje, nunca tirei a etiqueta do body porque amo ver o nome da Pabllo ali. Desde que eu o comprei, fica 24 horas por dia pendurado na janela do meu quarto, como uma bandeira LGBTQI+ para todos na rua olharem.
Notícias — Você ensaiou muito?
Danilo — Nunca com toda a roupa pronta. Comecei a defesa de terno, camisa, calça, sapato e touca, e acabei com o body e quatro meias-calças. Precisei organizar muitas coisas, comprar camisa e calça grandes para poder tirar fácil, arrumar a touca para esconder a peruca, depilar costas, axilas e sobrancelhas com cera, e o resto do corpo com gilete.
Notícias — Você esperava ser tão bem avaliado?
Danilo — Não. Os portugueses acham que ninguém merece tirar nota máxima, e essa é uma cultura que se perpetua. Minha orientadora mesmo já havia me falado: "Tu sabes que não vais tirar 19 ou 20". Mas acho que as bichas trabalham sempre com o impossível, e no fim acabam conseguindo tornar tudo possível. É disso que mais me orgulho.
Notícias — Acha que a performance contou muito na nota final?
Danilo — A performance fechou um ciclo em todo o processo, mas o fator mais importante para a boa avaliação foi a parte escrita. Acredito que tenha feito uma abordagem diferente do assunto ("drag-queen"). Muitas vezes, a pesquisa acadêmica fica restrita à discussão de gênero, em detrimento da manifestação artística. Eu levantei a história da arte drag-queen desde o início da humanidade. E explorei, claro, teoria queer, homossexualidade e o fenômeno drag no Brasil, mídia e jornalismo; falei das representações sociais, de celebridade e cultura pop.
Notícias — Como surgiu a oportunidade de fazer o mestrado?
Danilo — Eu não conseguia emprego no Brasil, não sabia o que fazer, até que encontrei uma página falando desse mestrado. Era dezembro de 2016, não havia vagas abertas, mas me inscrevi para receber informações. Em abril de 2017, eles me mandaram um e-mail, e comecei a entrar no processo seletivo em segredo, ninguém sabia.
Notícias — Você mora em Braga mesmo?
Danilo — Não! Graças a deus! Hahahaha. Quando fui aprovado no mestrado, já tinha decidido que iria morar no Porto. Sou uma bicha de cidade grande. Amo o Porto, acho uma cidade incrível e que conquistou meu coração.
Notícias — Você conhece a Pabllo Vittar pessoalmente?
Danilo — Em dezembro de 2018, ela confirmou o show que faria em abril de 2019 em Lisboa. Comprei meu ingresso no primeiro dia, e comecei a ver como faria para conhecê-la. Tentei tudo, assessoria, equipe, amigos, atores. Não consegui. Porém, como jornalista e stalker, tentei descobrir o hotel em que ela se hospedaria, e por um stories do empresário dela descobri. Quando cheguei a Lisboa para assistir ao show, vindo do Porto, deixei minhas coisas no meu hostel e fui para a frente do hotel dela. Cheguei por volta das 15h, decidido a ficar até a meia noite. Às 16h e pouco, avistei-a no saguão, dando entrevista, e fiz sinal para ela sair pra fora depois. Ela fez que sim com a cabeça, e eu fiquei esperando. Quando ela apareceu, eu estava muito nervoso, tremendo, precisava conseguir a foto vestindo o body. Ela e o empresário me ajudaram a entrar no hotel e vesti-lo. Esperei enquanto ela retocava a maquiagem, e então tiramos a foto. Pedi para ela gravar uma mensagem para eu mostrar na banca examinadora. Ela gravou um vídeo com o meu celular. Fui embora numa felicidade imensurável, eu tinha uma foto maravilhosa, mas não podia postar ainda, só quando soubesse a nota no mestrado. Aquela foto esperou nove meses para ser postada, mas valeu a pena.
Notícias — Nesse pouco contato, a Pabllo Vittar correspondeu a suas expectativas?
Sim. Sempre tive uma imagem dela como alguém muito gente como a gente, ou melhor, bicha como a bicha, e estava totalmente certo. Depois do show em Lisboa, teve outro em Aveiro, no dia 27 de abril, e eu novamente descobri o hotel, mas não consegui falar com ela. Então, soube que ela iria ao Porto para pegar o avião de volta para Lisboa. Peguei carona com pessoas que conheci na frente do hotel e fui para o aeroporto. A meta era uma foto, desta vez sem o body, com outra roupa (minha mãe queria) hahaahaha. Esperei um tempo lá, até que às 7 da manhã ela chegou, virada depois do show, mas foi uma querida, tirou fotos de novo e, quando me despedi, ouvi: "Arrasa nessa dissertação!" Isso eu nunca vou esquecer.
Notícias — Qual a relevância da Pabllo Vittar em Portugal?
Danilo — A Pabllo é muito famosa aqui. Todos os LGBTQI+ que eu conheço a adoram. Quando fui ao show em Lisboa, fiquei impressionado com a quantidade de portugueses na fila. Cheguei lá eram por volta de 10 da manhã, havia umas 30 pessoas na minha frente, a grande maioria era de portugueses.
Notícias — Você já sofreu homofobia em Portugal?
Danilo — Sim, os portugueses são extremamente homofóbicos. Cheguei a pedir demissão de um emprego, quando meu patrão me disse que eu estava "trabalhando com todo meu lado feminino, igual a uma barata tonta".
Você se considera desinibido, ou foi um esforço fazer a performance?
Danilo — Sou totalmente desinibido. Mas em relação à performance, não sei explicar, eu só sabia que tinha que fazer. Minha mãe ficava com medo, falando "será que vão gostar?" "e se tu sofrer homofobia?" "será que não é perigoso?". Eu só dizia: fica tranquila que vai dar tudo certo. Fui lá e fiz. Quando acabou, voltando para casa, eu fiquei relembrando o que tinha feito, sem me dar conta direito. Pensei: "Daqui a alguns anos eu não vou acreditar que fiz isso".
Que tipo de programa você gostava de assistir na infância?
Danilo — Sempre preferi filmes e personagens femininas. Até hoje, não escuto cantores homens heterossexuais, prefiro vozes femininas ou de bichas, como a Pabllo. Para mim, esses produtos vão muito além de entretenimento, têm a ver com empoderamento e com nossas posições políticas na vida.
Você tem namorado?
Danilo — Namorei apenas uma vez, quando tinha 19 anos. Estou solteiro agora.
Notícias — Além da Pabllo Vittar, você ouve o quê?
Danilo — Meu TCC (trabalho de conclusão de curso) foi sobre a Beyoncé. Falei do feminismo, que ela abordou no álbum de 2013. A Beyoncé é uma das minhas maiores inspirações. Gosto muito de Hilary Duff (por isso meu instagram é dan_duff). Sou fã do Disney Channel das antigas. E escuto muito o pop.
Você planeja ser professor, cantor, dançarino...que profissão pretende seguir?
Danilo — Eu comecei o mestrado porque estava perdido, e no fim tive certeza de que pretendo continuar na área acadêmica. Não sei se em Portugal, por que acho que meu ciclo aqui se fechou. Como também sou italiano, existe a alternativa de ficar na Europa e fazer doutorado. Acredito que preciso continuar na pesquisa. Para o futuro, não descarto a possibilidade de ser professor. Seria uma honra seguir o legado de minha mãe e minhas professoras.
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