Casa de 1 euro leva brasileiro a ficar confinado na Itália em quarentena
Em agosto de 2019, quando comprou uma casa de 1 euro no remoto vilarejo de Fabbriche di Vergemoli, a 100 km de Florença, na Itália, o empresário brasileiro Douglas Roque jamais poderia imaginar que seis meses depois seria impedido de voltar para São José dos Campos, em São Paulo, onde mora, por causa de uma pandemia que fecharia as fronteiras daquele país por tempo indeterminado.
Da última vez em que desembarcou na Itália, no fim de janeiro, Roque tinha planos de resolver negócios referentes à reforma da casa e voltar em um mês. Graças ao isolamento imposto pelo surto mundial de covid-19, está lá até hoje.
"Uns dias antes do embarque de volta, eu soube pelo noticiário que as fronteiras do país seriam fechadas. Liguei para a companhia aérea, eles confirmaram. Sem acreditar que estava 'preso', apelei para a embaixada do Brasil, que não fez nada para ajudar. Nem respondeu. Resolvi me conformar, achando que a quarentena teria prazo para terminar, mas desde então a situação só se prolonga", diz.
Amontoado de pedras
Fabricche di Vergemoli tem 778 habitantes e fica na província de Lucca, região que nas últimas décadas sofreu um expressivo êxodo populacional. Inúmeras famílias deixaram o lugar em busca de oportunidade em cidades maiores. Por conta disso, há ali muitas construções em ruínas, a maioria irreconhecível sob um amontoado de pedras, que a prefeitura oferece no âmbito do Progetto Case a 1 Euro. Roque descobriu isso em 2015, navegando na internet.
Sócio há um ano e meio de um italiano que vive no Brasil, ele comentou sobre a "galinha morta" com o parceiro, e os dois resolveram investir na recuperação de uma dessas casas. A ideia original era utilizar como residência de veraneio e, alternadamente, locar em sites que oferecem imóveis por temporada. "O programa na cidade não é novo, é de 2014, mas curiosamente há italianos que nem sequer ouviram falar. Meu sócio mesmo, que nasceu em Veneza e é arquiteto, ficou sabendo dos detalhes por mim", conta Roque, de 48 anos.
Para integrar as casas ao projeto, que tem como objetivo repovoar aquela região, o município negocia com os antigos proprietários a anistia de dívidas tributárias impagáveis.
Serviço burocrático
Vislumbrando um bom negócio, Roque e o sócio, Alberto Da Lio, 48, resolveram ampliar o investimento e adquiriram um conjunto de 15 casas em uma microrregião chamada Borgo di Vetriceto. Eles afirmam que a intenção não é recuperá-las para revendê-las, mas assessorar os interessados em adquiri-las na burocracia legal e tributária. "Nossa ideia é empreender um condomínio, e oferecer a conhecidos que queiram participar do projeto", diz Roque, que cobrará pelo serviço algo em torno dos 8.000 euros.
Ele já firmou parceria com empresas locais para realizar as obras. Antes de comprar a primeira casa, os dois investiram em uma maior, já pronta, que funciona como base para comandar o empreendimento.
No caso deles, contou muito se reunirem pessoalmente com o prefeito para falar sobre o investimento. "Sempre que alguém divulga esse programa, a prefeitura recebe uma enxurrada de e-mails, mas não consegue responder por falta de estrutura. O paço municipal funciona numa casinha, o sindaco anda pelas ruas e cumprimenta as pessoas pelo nome. Quando nós estivemos lá, ele percebeu nosso entusiasmo e passou a nos ajudar", diz.
Pacote da quarentena
Diferentemente do que acontece no Brasil, o déficit econômico ocasionado pela pandemia foi seguido na Itália por medidas para amparar a população na crise decorrente da quarentena. Além da pechincha da casa a 1 euro, Douglas Roque ainda pode se beneficiar de um pacote de cerca 20 bilhões de euros lançado pelo governo para a auxiliar a construção civil.
Conhecido como Eco bônus, ou Superbônus, o programa tem o objetivo de fomentar projetos sustentáveis que contribuam na recuperação das fachadas originais, na redução dos riscos sísmicos e em sistemas de eficiência energética. "O retorno para o governo virá em geração de empregos e captação de impostos", afirma o empresário.
Portas, janelas e luminárias
De acordo com Roque, as metragens das casas de um euro podem ir de 50 a 200 metros quadrados. Como elas estão em uma área tombada pelo patrimônio histórico mundial da Unesco, sua recuperação deve seguir rigorosamente a característica da arquitetura local, que tem estrutura de pedras grandes e teto em ardósia. De novo, o pacote do governo vai ao encontro do empreendimento dos dois sócios. Como estão em zona sísmica, as casas entram no espectro de benefícios oferecidos pelo governo em caso de risco. "Eles assumem os custos das portas, janelas, telhas, até até luminárias", diz.
Três meses depois de perder o voo de volta para São José dos Campos, Douglas Roque não tem do que se queixar. Já percebeu que a Toscana está longe de ser o pior lugar do mundo para ficar em confinamento.
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