Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Lira e Nogueira vão com Bolsonaro até o fim do "Governo de Flensburg"?
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Até onde Arthur Lira (PP-AL), depois de ter sido alvo de uma ameaça golpista, está disposto a prestar serviços para o bolsonarismo, uma nau que, obviamente, está afundando porque o capitão é doido de pedra? Vamos ver.
A tal PEC do voto impresso, que o relator Filipe Barros (PSL-PR) conseguiu tornar ainda pior do que o original de Bia Kicis (PSL-DF), sofreu uma derrota esmagadora na Comissão Especial da Câmara: 23 a 11. E olhem que os ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo, não têm verba secreta do Orçamento a distribuir. A mim me parece, com efeito, que a maioria dos deputados se convenceu de que Bolsonaro e os bolsonaristas não querem imprimir o voto zorra nenhuma! Querem mesmo é pôr fim ao voto porque a maioria do povo, por ora ao menos, os repudia.
As intenções golpistas estão cada vez mais claras e salientes. E parte considerável dos parlamentares tem consciência de que, a essa reivindicação, alguma outra se seguiria; outra patranha viria depois porque, afinal de contas, o que Bolsonaro não aceita mesmo é a democracia. Ou não estaria contestando, sem evidência nenhuma, o sistema pelo qual se elegeu.
Sim, Lira pode levar a questão a plenário. Para que seja aprovada, uma PEC precisa de 308 votos na Câmara e de 49 no Senado — três quintos em cada Casa. Nem o "milagre" do Orçamento secreto parece capaz de produzir esses números. A derrota na comissão é uma indicação forte do repúdio às ações golpsitas de Bolsonaro.
Pode ser bom. Na verdade, estou torcendo para Lira levar o troço adiante — até porque, se os terraplanistas do voto impresso exigirem, não tem escolha. A votação é aberta.
Convém saber os respectivos nomes de todos os deputados que se alinham com um presidente que tem o topete de usar uma emissora de rádio para ameaçar, explicitamente, com golpe de Estado.
Convém saber os respectivos nomes de todos os deputados que assentem com a ameaça de fechamento do próprio colegiado que integram.
Convém saber os respectivos nomes de todos os parlamentares que endossam, eles sim, a mentira e a fraude, já que Bolsonaro não apresentou nem mesmo indícios das acusações que faz.
Convém saber os respectivos nomes de todos os parlamentares que depois irão pedir aos eleitores que digitem o seu número na urna eletrônica.
Convém saber os respectivos nomes de canalhas da democracia que asseveram que o sistema que os elegeu é fraudulento, o que os tornaria beneficiários da fraude.
Sou apegado a certos rigorores do decoro dos Poderes. Acho que a Câmara não precisaria passar por isso. Lira poderia poupar a si mesmo e aos próprios colegas. Mas fazer o quê? Enquanto o governo durar, especialmente nessa fase de terror discursivo, mais poder concentram os que se dispõem a manter o barco acima das águas, não é? Ainda que capenga.
Quando a Alemanha foi ocupada pelos Aliados, por exemplo, o avô da deputada Beatrix von Storch — a extremista de direita recebida por Bolsonaro e Bia Kicis —, se retirou com um bando de nazistas para o extremo norte da Alemanha. Fundaram juntos o Governo de Flensburg do que restara de território ao regime genocida.
Johann Ludwig "Lutz" Graf Schwerin von Krosigk, o avô de Beatrix, que serviu como ministro das Finanças de Hitler do começo ao fim, aproveitou para exerce o cargo de... chanceler! E ainda se dizia ministro das Finanças...
Bolsonaro está por aí, em isolamento crescente. Finalmente, parte considerável do PIB resolve romper o silêncio, coisa sempre delicada, para deixar claro que, agora, ele faz mais do que desgastar as instituições: ameaça jogar mesmo o país no abismo. Uma tragédia para a democracia, claro!, mas também para a economia e para os negócios.
Ainda que o mundo continuasse a comprar as commodities de um país governado por golpistas, sabe-se que a sociedade brasileira é um pouco mais complexa do que a de fornecedores do setor primário. Quanto tempo duraria a aventura?
Que coisa! A Fortuna — e a má fortuna dos brasileiros — jogou no colo de Bolsonaro uma das maiores economias do mundo. A "virtù", ou a falta dela, do príncipe da delinquência política se limita à glória de mandar e à vã cobiça, ignorando completamente os rigores do ofício.
Sem saber como conviver com a democracia, ele tenta sabotá-la desde o primeiro dia de governo. A exemplo do que fez nos 28 anos em que permaneceu na Câmara dos Deputados.
Lira e Ciro Nogueira têm 52 anos. Serão tragados pelo "Governo de Flensburg"?