Se Lula desistir de 26, dólar cai; flibusteiros já querem só a Presidência
Se Lula disser amanhã que não vai se recandidatar, o dólar despenca. Seria porque Lula não é bom presidente? Respondo sem medo de errar: assim é porque temos um mau mercado, que goza das regalias do monopólio da opinião. Mas se pode dizer isso de uma abstração, Reinaldo? O assunto é abstrato para a Dona Maria e o Seu Zé, que estão naquela zona do dito-cujo em que não se tem direito a voz, a voto (nas cotações) e uma opinião sobre a política fiscal. Já chego lá.
"Uzmercáduz"? Sei lá quem são os caras e as caras que fazem os preços, mas eles existem, e não são a Dona Maria e o Seu Zé. Na cotação absurda do dólar, há um desejo mais do que explícito. Qual? Um texto no jornal "Valor Econômico" de ontem sintetizou:
"Na semana passada, diante da internação do presidente Lula, houve entre a maioria dos agentes financeiros, a leitura de que, assim como ocorreu nos Estados Unidos com Joe Biden, o atual presidente, por conta da idade e da saúde, poderia não participar da próxima corrida eleitoral. Diante disso, os agentes financeiros vislumbraram e passaram a precificar a chance de ocorrer algum ajuste fiscal no médio prazo. Com a melhora do presidente, falas sobre sua candidatura nas próximas eleições e pesquisas de intenção de voto, esse horizonte se desfez, e o dólar voltou a avançar com a piora na percepção de risco fiscal."
Não estou demonizando o jornal. Esse clima realmente existiu e existe. A falha da imprensa, de qualquer uma, é não aceitar a pluralidade quando o assunto é economia. O samba tem uma nota só, e os músicos chamados a se exibir ignoram as demais e as consideram perda de tempo.
MAS O QUE QUEREM?
Sim, eu procuro saber. Indago, e ninguém consegue responder de forma objetiva, se a dita trajetória da dívida é de tal sorte "explosiva", como querem alguns porta-vozes desse novo apocalipse, a ponto de acenar com um risco de calote. Alguém com um mínimo de apreço pelos fatos diria isso? Não diz porque risco não há.
"Ocorre que o problema não é esse, Reinaldo..." Mas, não sendo esse, então é exatamente qual? Tenho procurado essa resposta artigo após artigo dos críticos mais severos do governo, e ela não aparece.
"Acontece que esse governo decidiu anabolizar o crescimento com expedientes condenáveis..." Quais expedientes? Onde está o artificialismo do crescimento que está em curso? Lembro que quem decidiu manter, por exemplo, desonerações fiscais foi o Congresso, com o apoio da direita e o silêncio de alguns dos mais estridentes críticos da gastança. Em que momento Lula e Haddad poderiam ter pisado no freio — MAS ME DIGA DO QUÊ, POR FAVOR — e não o fizeram?
Sim, é verdade, o emprego vem preocupando há tempos o Banco Central. Se eu procurar aqui, acho com facilidade o próprio Roberto Campos a dizer que não havia ainda sinais de que o mercado de trabalho aquecido estava se refletindo nos preços e gerando inflação. Querem ver? Não faz tanto tempo assim. Estamos em dezembro: a divisão do Copom, tratada como antecipação do fim do mundo, sobre taxa de juros é de maio deste ano: há parcos sete meses. Mas atenção! Não se tratou de 5 a 4 para saber se a taxa subiria um ponto ou meio ponto. A divergência se deu quanto à queda. Sim, ainda se debatia o tamanho da queda da taxa de juros... No século passado? No ano retrasado? Em 2023? Não. Há sete meses.
Que gente tão sabida é essa, com seus modelos matemáticos infalíveis, que se dividia há meros sete meses, sobre a queda da Selic e agora antevê o fim dos tempos, a ponto de anunciar um choque de juros de três pontos, fazendo três reuniões do Copom em uma? Esse Copom tão vigilante está dizendo que também ele não estava entendendo nada, ou esses que se atrevem a fazer projeções a perder de vista não estavam entendendo porcaria nenhuma?
NADA JUSTIFICA O DÓLAR
Pode-se apontar um erro de condução aqui e ali, mas o fato é que esse dólar a mais de R$ 6 ainda no fechamento de ontem não encontra justificativa nos números da economia. "Ah, Reinaldo, Gabriel Galípolo já disse que o mercado é o mar, e os diretores do Banco Central são aos marinheiros..." A metáfora é esperta, mas me parece imprópria. O único que pode revolver os ocenaos a depender do seu humor é Netuno, não é? E, para este, não existe marinheiro bom o bastante. Os tais mercados são formados de agentes que têm e movimentam expectativas; não são um fenômeno da natureza.
O fato é que o pacote de corte de gastos, que está no Congresso, reduz substancialmente as despesas. Mesmo não tendo a "severidade" (na hipótese de que a palavra seja essa) que os mercados esperavam, sabe-se que enfrenta dificuldades no Parlamento. Parcela dele aproveitou para chantagear o governo e pôr no seu pescoço a faca das emendas, fontes hoje de escândalos pavorosos. Que outras medidas viáveis os valentes críticos tinham e têm em mente? Reitero: teriam de ser viáveis. Soluções mágicas eu também tenho. Resolvo em uma linha. Em menos. Sem palavras. Num estalar de dedos.
ALIMENTANDO O MONSTRO
"Olhe para os juros futuros, Reinaldo..." É claro que olho. Eu, "o que não entende nada de economia", comentei que, ao dar uma pancada nos juros de um ponto e anunciar, de uma vez só, mais duas elevações de igual monta, o BC estava mais criando espalhafato nos mercados do que propriamente tranquilizando-os. Se o objetivo era provocar uma reversão na especulação cambial, corria-se risco de provocar o contrário. E provocou.
A ata divulgada nesta terça parece mais uma peça de terrorismo econômico do que propriamente de administração racional de expectativas. Acompanho, desde que existe, esse negócio de ata do Copom. Não tenho memória de uma cuja leitura pudesse ser assim sintetizada: "O crescimento está fora do controle e tudo faremos para derrubá-lo". Se o BC já anunciou que, em março de 2025, a Selic vai para 14,25%, por que as apostas em juros futuros não disparariam? Mas é pergunta de quem não entende, é claro! Os que entendem, insisto, foram surpreendidos neste ano por um crescimento que pode chegar perto de 4%. Cometeram um erro de mais de 100%. É uma profissão ingrata.
COMEÇO A CONCLUIR
O Congresso encerrou ontem a votação da reforma tributária. O país e os agentes econômicos deveriam estar a comemorar. E, no entanto, trata-se a coisa como uma quase irrelevância. Obra de um governo, em articulação com um Congresso hostil, que conseguiu fechar um acordo histórico com o Mercosul e que aprovou um arcabouço fiscal.
Também retomou os programas sociais e levou o país a uma taxa historicamente baixa de desemprego, o que contribuiu para aumentar a renda dos salários. "Tudo com anabolizantes". Quais? Segundo a OCDE, o país foi o segundo destino no mundo de investimentos estrangeiros no primeiro semestre. Neste ano, o país bateu recorde mundial na venda de carros. De janeiro a setembro, a venda de imóveis novos cresceu 22,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. Com inflação descontrolada e risco iminente de calote? Tenham paciência!
CONCLUO
Sim, um amigo me disse, quando comentei aquele trecho da reportagem do Valor: "Qual a surpresa, Reinaldo? Se Lula anunciar amanhã que não vai ser candidato em 2026, o dólar realmente despenca..."
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Quero receberEntendi. Os valentes não conseguem conviver com o horror econômico que se vê acima, não é mesmo? Não por acaso, quando esses "duzmercáduz" responderam à Pesquisa Quaest, ficou bem claro o que querem para o Brasil: Bolsonaro venceria Lula por 80% a 12%, e Pablo Marçal, o "coach", por 65% a 17%. Essa gente deixa claro o país que tem no intestino.
Sei lá se Lula se candidata ou não à reeleição. O que sei é que não dá para ceder à chantagem de flibusteiros que se arranjam com golpistas e picaretas.
A luta é árdua. E espero que haja tempo se a gente, como país, se envergonhar destes dias.
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