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Bolsonaro de 22 é o de 18 com TV. Extremista de direita Moro vai até onde?
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O presidente Jair Bolsonaro discursou ontem na cerimônia de filiação ao PL, em Brasília. Falou por 16 minutos e 20 segundos. O suficiente para dar pistas das balizas de sua postulação a um segundo mandato. Ele não mudou, é claro! Tudo indica que a penca de absurdos que disparou nas redes sociais em 2018 estará, em 2022, também na televisão e no rádio. E, desta feita, com os recursos do Fundo Partidário de PL, PP, Republicanos e quem mais se juntar, terá muitos milhões para gastar. Se Sergio Moro quer mesmo parte considerável do eleitorado de extrema direita, terá de tomá-lo de mão escarrada. Beijada é que não será. Volto ao doutor no fim do artigo. Vamos ao discurso de Bolsonaro.
Com a sintaxe esgarçada de sempre e palavras e temas que, na aparência ao menos, vão se justapondo sem um nexo muito claro, o presidente fez um discurso, acreditem!, cheio de coerência interna. Prometeu, leitores, que será a voz do reacionarismo, não importa o tema que se possa evocaar: meio ambiente, educação, mineração, terras indígenas, Judiciário... Encontrou tempo, logo no começo da exposição, para fazer até uma piadinha homofóbica ao se referir a um troca-troca de gravatas que fez com um dos presentes. E observou: "Troca de gravatas..." Entenderam?
A TAL "LIBERDADE"
Bolsonaro deixou claro aquele que considera seu grande legado:
"Nós tiramos o Brasil da esquerda, nós todos tiramos. Olhem para onde estávamos indo e olha para onde foram certos países, como a Venezuela e outros países. Nós não queremos isso".
O mais perto que o Brasil chegou da Venezuela, convenham, foi o discurso golpista do Sete de Setembro... Mas o presidente deu com os milicos n'água.
Em seguida, falou da "liberdade", o bem "pelo qual devemos zelar sempre". Mundo afora, a palavra tem sido empregada pela extrema direita como senha de resistência ao pacto civilizatório das democracias. Assim, constituiriam agressões à liberdade coisas como a vacinação obrigatória, a restrição ao porte de armas, a punição a crimes cometidos no vale-tudo das redes sociais... Tudo isso emanaria de um suposto establishment de esquerda que tentaria dominar o mundo, contra o qual seria preciso resistir.
O SUPREMO
O Bolsonaro estridente e golpista, que gritava "Acabou, porra!" para o Supremo, não compareceu ao evento de ontem. A fala, na aparência, era mansa. Mas o novo filiado ao PL anunciou que, se reeleito, vai tentar enquadrar ao menos um ministro da Corte:
"Alguns extrapolam aqui na região da Praça dos Três Poderes, mas essa pessoa vai ser reenquadrada, vai se enquadrando, vai vendo que a maioria somos nós, que nós, aqui, que temos voto, é que devemos conduzir o destino da nossa nação".
Dez entre dez ouvintes entenderam que ele se referia ao ministro Alexandre de Moraes. Bem, até hoje, no embate entre os dois, o único enquadrado foi mesmo Bolsonaro, não?
Mais adiante, voltou ao Supremo, aí para defender a aprovação pelo Senado do nome de André Mendonça, que será sabatinado hoje. Pretende-se que a votação em plenário se dê também nesta quarta.
Em 2023, dois outros ministros deixam a corte: Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Bolsonaro não perdeu a oportunidade de dizer que, se reeleito, indicará "dois nomes mais para o lado de cá: conservador". Vale dizer: depois de defender Mendonça, deixou claro que o homem, se aprovado pelo Senado, está destinado a ser um "ministro do lado de cá". De lá! A corte precisa de magistrados, não de militantes políticos.
DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO
Evocando o testemunho do deputado-pastor Marco Feliciano (SP), que fez uma oração antes do seu discurso, Bolsonaro lembrou em tom que pretendeu heroico:
"Olhem quantos embates (...) na Comissão dos Direitos Humanos. O que queriam fazer para o Brasil. Olhe de onde nós nos afastamos."
Aí emendou com o tema "Educação"
"[Olhem] para onde estava indo a nossa Educação, que ainda não está boa, prezado [ministro] Milton [Ribeiro], sabemos disso. Mas é como um transatlântico aquele ministério, pela quantidade de pessoas que existe (sic) lá; pela quantidade de normas, de legislações, que são sendo mudada (sic) aos poucos. Quem esperava um dia ter alguém do perfil do Milton lá no Ministério da Educação?"
Não houve nada de errado com a política de defesa de direitos humanos de governos que antecederam o de Bolsonaro. Hoje à área está subordinada a uma ministra que serve aos memes e à caricatura. Poucos ministérios exibem de forma tão robusta a sua incompetência como o da Educação.
Observem: a Bolsonaro e ao governo pouco importam os resultados. Notem que ele não lida com nenhuma métrica. Ainda que não tivesse dados exatos na ponta da língua, poderia, vá lá, citar dois ou três marcos dessas duas áreas. Não há. O grande feito, está entendido, é o combate à esquerda. Afinal, disse ele, quem anda pelo Brasil "vê as cores verde e amarelo predominando sobre o vermelho".
PATRIOTISMO
Como Bolsonaro se considera uma espécie de intendente das cores pátrias, é evidente que ele as emprega como símbolo de adesão a seu governo, assim como o vermelho representa, no discurso, as esquerdas. Bem, se as eleições fossem hoje, ele levaria uma surra de Lula no primeiro e no segundo turnos.
Num país notavelmente empobrecido, com um desemprego brutal, em que milhões voltaram a passar fome, ele sintetizou o que considera o seu legado:
"Nós todos conseguimos fazer brotar no coração do brasileiro o sentimento de patriotismo, de amor à pátria. A falar em Deus, pátria, família. A termos os nossos próprios lemas. A nos aproximarmos cada vez mais de países que agem parecido conosco e não que estão do outro lado do balcão".
A seu lado, em primeiro plano, sentado, estava Valdemar Costa Neto, o presidente do PL. "Deus, pátria e família", bem..., isso tudo é com ele mesmo!!! A propósito: quais são os países dos quais o Brasil hoje é íntimo, com um status especial? É tratado com frieza protocolar, quando não com alguma hostilidade, por União Europeia, Estados Unidos e China. Apenas...
O MERCADOR DAS LEIS AMBIENTAIS
Parte das dificuldades que enfrentamos no cenário internacional se deve ao passivo ambiental. Enquanto Bolsonaro for presidente do Brasil -- e caso venha a ser reeleito --, não haverá acordo do Mercosul com a União Europeia. E dificilmente o país passará a fazer parte da OCDE. O presidente promete dobrar a dose.
Ele voltou a delirar com a condição de "rei de Roraima", que teria, nesse caso, diz ele, um PIB maior do que o de São Paulo. E por que não tem? Culpa, deixou claro, das leis ambientais -- e, sugere o contexto, das reservas indígenas e das restrições ao garimpo. Referindo-se ao Rio, voltou a uma ideia fixa:
"Quando vai para o Rio de Janeiro do [governador] Cláudio Castro, a gente vê uma Baía de Angra, onde me ofereceram um bilhão de dólares para investir na Baía de Angra. Para termos ali uma área muito mais bonita do que Cancún. O que é que nos falta? Revogar um decreto. Só que, como é um decreto ambiental, quem revoga é o Congresso. Estamos trabalhando para, no momento certo, apresentar um projeto nesse sentido"
Eis aí. Fazer uma Cancún com US$ 1 bilhão? Que investidor é esse que prometeu o dinheiro? Como é que um chefe de Estado diz com essa desfaçatez que há quem pague pela revogação de uma lei ambiental numa região do país que já sofre com a degradação?
VOLTANDO A MORO, RUMO À CONCLUSÃO
Moro se apresenta no mercado de ideias como um Bolsonaro um pouco mais arrumado e, no fundo, meio acovardado porque faz o discurso reacionário pela metade.
Seu modo de combater as esquerdas fica na esfera na histeria anticorrupção, no pega-pra-capar judicial, no discurso liberal meio descosturado, que reitera aquilo que os tais mercados querem ouvir. Aliado ao centrão, Bolsonaro teve de deixar em segundo plano o papo sobre a moralidade na vida pública. Em seu discurso de ontem, diga-se, acenou com a ampla distribuição de poder — e, pois, de cargos — entre aqueles que estiverem na sua base de apoio.
O presidente não é da extrema direita com glacê. É um reacionário para valer. Como se nota, investirá de novo na histeria anticomunista, no ataque às políticas inclusivas na área dos direitos humanos, na patrulha ideológica nas escolas e universidades, no desmonte da legislação de proteção ambiental, na tríade "Deus-pátria-família" como expressões da discriminação e do preconceito...
E isso Moro não pode fazer. Ou perde parte do exército de assessores que se espalham na imprensa. Terá de inventar, assim, a extrema direita com face moderada. O problema é que parte do eleitorado que ele tem de atrair não gosta de moderação. Nem que seja de mentirinha.