Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Senado: Ou democracia vence com Pacheco, ou barbárie terá voz com Marinho
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A democracia brasileira não vai acabar no dia 3 se Rogério Marinho (PL-RN) for eleito presidente do Senado logo mais. Se e quando acabasse, não seria por causa disso (ou "por conta", como virou moda dizer — estou entre os que não abonam esse uso; "por conta" não é "por causa"). Tal vitória constituiria um sintoma.
Não há por que não empregar as palavras inteiras: a opção Marinho (ou Eduardo Girão, ainda que quase candidato de si mesmo) representa, queiram ou não, uma espécie de endosso à barbárie do dia 8 de janeiro. Seus votos na Casa não lhe pertencem, mas a Jair Bolsonaro.
O homiziado de Orlando comanda a candidatura de seu ex-ministro, e as milícias digitais foram mobilizadas com força impressionante para patrulhar o voto dos senadores — ainda que secreto — e para espalhar mentiras em penca contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que concorre à reeleição. Não tenho direito a voto, mas posso opinar. Ao longo de dois anos, Pacheco sempre deu a resposta institucional adequada a todas as crises fabricadas pelo então presidente da República e respondeu com a Constituição aos arreganhos autoritários que partiam do Planalto e de seus aliados. Comprou as brigas certas — e, pois, não há estranheza nenhuma que tanto a extrema-direita que ousa como a que não ousa dizer seu nome se oponham à sua recondução.
Partidários de Pacheco e de Marinho dizem que seu candidato vencerá a disputa. Enquanto escrevo ao menos, as contas mais consistentes parecem vir dos senadores que se alinham com o atual presidente da Casa. A máquina de desinformação mobilizada pelos partidários do braço de Bolsonaro no Senado volta a verter com força sua baba hidrófoba. O próprio Marinho, que faz a sua campanha demonizando o Supremo e Alexandre de Moraes em particular, andou espalhando que o ministro teria ligado para senadores cabalando votos para Pacheco. Não aconteceu, embora eu não tenha razões para duvidar de que ao menos nove dos onze magistrados prefiram um postulante que não prometa, por palavras e silêncios, promover um confronto contra a Corte.
EXTREMISTAS E O FUNGO ZUMBI
Se voltarmos à eleição de há quatro anos na Casa, teremos uma medida da estupidez que tomou conta do país. Em 2019, o candidato de Bolsonaro era Davi Alcolumbre (União-AP), que disputou o comando do Senado com Renan Calheiros (MDB-AL). Tido inicialmente como favorito, Renan acabou desistindo da disputa, numa eleição conturbada, e seu adversário recebeu 42 votos, apenas um a mais do que o mínimo necessário. Sem poder concorrer à reeleição -- a Constituição proíbe a recondução ao mesmo cargo da Mesa numa mesma legislatura --, Alcolumbre apoiou o nome de Pacheco em 2021 e passou a presidir a CCJ.
Mais um pouco de memória. Ainda que eleito com o apoio do "Mito", Alcolumbre se negou a ser mero títere do Planalto. O primeiro ato golpista patrocinado por Bolsonaro, em 26 de maio de 2019, já tinha o presidente do Senado como um dos alvos. Os outros eram Rodrigo Maia (que comandava a Câmara), o Centrão e, claro!, o STF. A relação do senador com Bolsonaro jamais chegou a ser conflituosa, mas também nunca atingiu o tipo de proximidade de que gosta aquele que fugiu para Orlando. Pacheco se elegeu com 57 votos, contra 21 dados à agora ministra Simone Tebete (MDB-MS). Contou também ele com o apoio do governo, mas igualmente se negou a transformar o Senado num puxadinho do bolsonarismo.
Bolsonaro não quer aliados, mas cupinchas. Alcolumbre é hoje um dos articuladores da campanha de Pacheco, e os dois, que já tiveram o apoio do agora ex-presidente, opõem-se à postulação de Marinho. Por que é assim? Ora, inexistindo "bolsonarismo moderado", inexistem também moderados compatíveis com o bolsonarismo. Marinho era uma das figuras públicas no Brasil que tinham uma aura de respeitabilidade técnica.
Ninguém sobrevive à convivência com Bolsonaro sem ser contaminado pelo "fungo zumbi" — ou que transforma em zumbis as vítimas. O assunto está na moda por causa de "The Last of Us". Marinho foi se "reacionarizando" progressivamente. E é hoje uma espécie de porta-voz do ex-mandatário. É um escárnio que faça a sua campanha pregando a independência do Poder Legislativo quando se sabe que é mero instrumento de um golpista e de um — aguardemos a Justiça — possível genocida.
O ALVO DE MARINHO É O STF
Vinte e quatro dias depois da patuscada golpista, o agora senador não esconde de ninguém que seu alvo principal é mesmo o Supremo, cujo prédio foi estupidamente atacado, assim como a sede dos outros dois Poderes. A sanha destrutiva no edifício histórico, tombado, que abriga a Corte foi muito maior. O ódio àquela Casa vem sendo destilado de maneira sistemática desde 2014, com o início da Operação Lava-Jato. Não fiz, mas a contabilidade pode ficar por conta -- agora é "por conta" -- dos internautas. Desde o dia 8, será que o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e o senador Sergio Moro (União-PR) atacaram com mais frequência e veemência os golpistas ou aqueles que os terroristas queriam derrubar? Moro já declarou voto em Marinho. Rasteja diante de Bolsonaro mais uma vez.
Desde a derrota do golpe em 8 de janeiro, as milícias digitais bolsonarianas andavam a vagar pelas redes meio desorientadas, em busca de uma causa. Apareceu a candidatura de Marinho ao Senado. Outros extremistas de direita, mas que rejeitavam a pecha de "bolsonaristas", também estavam doidinhas para se juntar a seus irmãos — apesar de algumas dissensões — numa campanha comum. O golpe saiu do horizonte. Malogrou. Agora, todo esforço vai para Marinho, o boneco de mamulengo do Jair...
A democracia não vai acabar se Marinho vencer. Mas é certo que os golpistas se sentirão empoderados e que Bolsonaro vai tentar usar o Senado para se vingar do Supremo e de Moraes. Votar no senador do PL é votar na continuidade da crise e na tentativa de golpe por outros meios.
Para encerrar: sabem quando direitistas supostamente não bolsonaristas vão se livrar de Bolsonaro? Nunca! Não enquanto as esquerdas democráticas forem uma alternativa de poder. Aqueles valentes não suportam um democrata de esquerda, mas podem fazer alianças táticas com um fascistoide. Serão sempre caudatários de um biltre. E, pois, biltres são e serão. Vejam o caso do PSDB, que morre hoje sem foguete, sem retrato, sem bilhete, sem luar, sem violão. O partido de FHC, Sérgio Motta e Serra já havia morrido faz tempo. Vai ser enterrado hoje, na eleição para a Mesa do Senado.
Ou vence a democracia, com Pacheco, ou, com Marinho, a barbárie ganha um aparelho para lutar contra o próprio estado de direito. Votar no candidato do PL também é golpismo. Por outros meios.