Reinaldo Azevedo

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Opinião

Emendas como caso de polícia. Qual é o seu lado? Da decência ou das máfias?

A Polícia Federal atendeu a uma determinação do ministro Flávio Dino e abriu um inquérito para apurar a liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares, derivada de uma patranha conduzida pelo ainda presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que afronta a Constituição por princípio e desrespeita decisão do STF como desdobramento. A integra da decisão está aqui.

"Decisão do STF", aqui, não é mero modo de dizer: os 10 outros ministros da Corte endossaram voto de Dino, que estabeleceu critérios para que o Executivo liberasse os recursos. Lira deu um jeitinho — ou, ao seu estilo, um "jeitão" — de mandar o tribunal plantar batatas, como se verá adiante.

Tem se tornado moda, no país, rasgar a Constituição em nome da "autonomia dos Poderes", que é garantida pela... Constituição. Se ela pode ser descumprida num acordo de vontades daquele que a mandam às favas, então tudo é permitido. Vivemos dias realmente escalafobéticos: o ministro está apanhando dos parlamentares. Até aí, nada de estranho. Mas também ganhou dois editoriais críticos. Por quê? Ele só pode ser acusado de fazer valer a Carta Magna. Nesse caso, ou se está com a lei ou se está com a esbórnia. Pelo visto, esbórnia seduz alguns valentes moralistas.

HISTÓRICO E MÁQUINAS DE CORRUPÇÃO
Um pouco de história antes que cheguemos à mais recente afronta de Lira ao Poder Judiciário. No dia 14 de agosto, atendendo a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo PSOL e assinada pelos advogados Walfrido Warde, Rafael Valin e Pedro Serrano, Dino suspendeu a execução das emendas até que atendessem ao requisito constitucional da transparência -- o que, "in casu", quer dizer autoria, rastreabilidade e eficiência.

A Adin do PSOL pedia mais do que a liminar: queria que as emendas impositivas fossem declaradas inconstitucionais — o que, de fato, elas são, convenham. Executar Orçamento é tarefa privativa do Poder Executivo. No entanto, ao longo dos anos, o Congresso foi se assenhoreando dos recursos públicos. Em 2015, as emendas individuais se tornaram impositivas — isto é, inexiste a hipótese de o governo não ceder os recursos. Em 2019, tornaram-se também obrigatórias as emendas de bancada. Em 2023, tentaram fazer o mesmo com as emendas de comissão. A imposição não se deu na forma da lei, mas acaba existindo na prática. Estamos falando de uma soma fabulosa de dinheiro: R$ 50,5 bilhões — mais de 20% do que resta de recursos discricionários para o Executivo. Dino não votou pela inconstitucionalidade da existência de emendas impositivas, mas as suspendeu, reitere-se, aguardando os critérios de transparência. Nota: sim, acho que a imposição é inconstitucional.

O dinheiro das emendas, infelizmente, tem alimentado máquinas bilionárias e multimilionárias de corrupção país afora, como atentam apurações conduzidas pela Polícia Federal e pela Controladoria Geral da União. Os bilhões se perdem em obras inúteis e inacabadas — quando existem — ou são pulverizados por ONGs picaretas, comprovadamente incapazes de executar os serviços que, no papel, se dispõem a fazer. A decisão de 14 de agosto está aqui.

REUNIÃO, LIBERAÇÃO COM CRITÉRIO E CHANTAGEM
O despacho de Dino criou um verdadeiro barata-voa. "Como assim? Teremos agora de explicar à brasileirada onde colocamos bilhões do seu dinheiro?" Houve uma reunião com representantes dos Três Poderes para definir critérios que atendessem à Constituição. Eles seriam consubstanciados num Projeto de Lei Complementar, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula -- que, atenção!, não é partícipe da lambança, mas seu refém. Ocorre que o texto aprovado, mais uma vez, ignorava não só o fundamento constitucional como aquilo que havia sido acordado entre os poderes.

No dia 2 de dezembro, três meses e meio depois daquele 14 de agosto, Dino Librou a execução de emendas, mas, mais uma vez, deixou clara a necessidade de se cumprirem os requisitos da transparência. A integra da decisão está aqui. Assistiu-se, na sequência, a um espetáculo de pornografia política como nunca se viu. Como os dias seguintes à decisão do ministro — referendada pelos outros 10 — coincidiram com a votação do pacote de corte de gastos, que despertou, por sua vez, a chantagem "duzmercáduz", a banda, ou o bando, do Congresso que se comporta como organização criminosa resolveu pôr a faca no pescoço do governo: ou libera as emendas, e Dino que se dane, ou não aprovamos o pacote".

A imprensa deu pouquíssimo destaque à institucionalização da chantagem. A maioria estava tão fissurada pelas críticas "duzmercáduz" ao "pacote tímido" (é mentira!) de Haddad que a fração mafiosa pôde exercer suas indecências de maneira explícita, sem temer nenhuma forma de censura. Ao governo, restava o quê? Pagar. Ou isso ou as consequências da recusa do pacote, com o dólar já a mais de R$ 6 — nesse caso, os astros do filme de pornografia política são outros. Fazem suas sem-vergonhices à vontade porque sempre há o "jornalismo econômico" para reproduzir seu pensamento. São "uzmercáduz". Os professores de economia das universidades são ignorados, tratados como párias, sem direito à opinião. Sigamos.

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REPORTAGEM
A mais recente decisão de Dino, que está raiz da investigação da PF, deriva de um golpe dado por Lira no apagar das luzes de 2024, com o governo no fio da navalha. Em que consiste? Trecho de reportagem de Breno Pires na revista "Piauí" (íntegra aqui), sintetiza:

Poucas vezes, talvez apenas no regime de exceção, uma autoridade nacional fez tão pouco caso de decisões do Supremo Tribunal Federal - e tripudiou sobre determinações legais. Como golpe final de seu quadriênio como presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) acaba de comandar uma operação ilegal que anula os poderes das comissões permanentes e promove desvio do destino previamente determinado para as emendas, redirecionando os recursos para o estado que o elegeu, e inaugura uma nova fase do orçamento secreto. Dessa forma, acaba de ser criado um novo mecanismo: as "emendas dos líderes", cujo objetivo é o de sempre: esconder quem é quem nas planilhas de bilhões de reais. O cambalacho é liderado por Lira, mas tem como cúmplices dezessete líderes partidários da Câmara, incluindo seu probabilíssimo sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o líder do governo Lula, José Guimarães (PT-CE).
O esquema começou a ser gestado na tramitação da Lei Complementar nº 210, sancionada em 25 de novembro deste ano, quando os legisladores estabeleceram que as emendas de comissão poderiam ser indicadas pelos líderes partidários. Até aí, embora a medida não favorecesse muito a transparência, não havia irregularidades. A lei deixava claro que as trinta comissões permanentes da Câmara deveriam analisar as indicações recebidas de seus integrantes, aprovar as que coubessem e então fazer esses valores "constar de atas, que serão publicadas e encaminhadas aos órgãos executores" - ou seja, os ministérios.
O golpe, porém, veio na quinta-feira, 12, em dois atos. Primeiro, Lira suspendeu, de uma hora para outra, o funcionamento das comissões permanentes e proibiu a reunião de seus integrantes entre 12 e 20 de dezembro. Tornou, assim, impossível que deliberassem sobre as emendas.
Em seguida, os dezessete líderes partidários encaminharam um
ofício sigiloso ao governo, com uma lista de 5 449 indicações de emendas de comissão, cujos valores somam 4,2 bilhões de reais, sob o pretexto de "ratificar" as indicações previamente apresentadas pelos integrantes das comissões. Nessa lista, porém, a piauí identificou uma série de "novas indicações", que somam 180 milhões de reais, além de outras alterações que chegam a 98 milhões de reais. A maior parte desses valores foi para Alagoas, o estado que Lira representa no Congresso. E pelo qual planeja se candidatar ao Senado em 2026.
(...)
Nesse golpe, as digitais do presidente da Câmara aparecem não apenas na suspensão das comissões, como também no destino dos recursos. Dos 4,2 bilhões de reais em emendas de comissão, mais de 11% - 479,7 milhões - são endereçados para Alagoas, o estado mais beneficiado. E nas novas indicações, que nunca passaram pelas comissões, o estado também é o líder. De um total de 180,6 milhões de reais, 73,8 milhões irão para Alagoas, à frente do Rio de Janeiro, com 21,6 milhões, em uma demonstração de que, mesmo nas "emendas de líderes", quem manda é o presidente da Câmara.
(...)

PSOL DE VOLTA
Como se pode ver, Lira segue à risca a máxima de que só é universal quem dá relevo à terra natal. Fez a vontade do bando, mas sem se descuidar jamais sua galera natal.

O PSOL, por intermédio dos advogados Warde e Valim, entraram como uma nova petição no âmbito daquela Adin de agosto, que havia resultado no bloqueio das emendas, pedindo que, mais uma vez, a execução das ditas-cujas fosse suspensa, dado o claro e flagrante desrespeito à decisão do Supremo. E assim fez Dino, determinando, adicionalmente, que a Polícia federal abrisse uma investigação para apurar o descaminho das emendas.

O ministro decidiu ainda que "o Poder Executivo só poderá executar as emendas parlamentares relativas ao ano de 2025 com a conclusão de todas as medidas corretivas já ordenadas".

Mais:
"Audiências de Contextualização e de Conciliação, bem como reuniões técnicas, serão realizadas em fevereiro e março de 2025, quando já concluído o processo de substituição das Mesas Diretoras das Casas Parlamentares, das suas Comissões Permanentes e das Lideranças Partidárias. Esse cronograma visa atender aos processos internos do Poder Legislativo, com seu calendário próprio, a fim de que o diálogo institucional ocorra de forma produtiva, como tem sido buscado por este STF."

FAZ SENTIDO?
Sabem quem está levando bordoadas -- ou também está -- em certos nichos da imprensa? O ministro Flávio Dino! É um despropósito. Estar-se-ia diante de um dos momentos em que o STF estaria se imiscuindo na seara de outros Poderes. É mesmo? Dino merece ser criticado por estar, digamos, impondo a... Constituição???

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Há muito tenho dito em "O É da Coisa" (Bandnews FM e BandNews TV), no "Olha Aqui" (UOL) e nesta coluna que o regime de governo vigente no Brasil não pode mais ser chamado de presidencialismo. Parlamentarismo também não é. Tampouco se assemelha ao semipresidencialismo francês. Criou-se aqui o "sequestrismo": o Congresso sequestra competências do Executivo, toma para si mais de 20% do que resta dos chamados "recursos discricionários" e não presta contas a ninguém.

O modelo é um exemplo de desperdício de recursos públicos e, comprovadamente, de roubalheira. Alimenta, adicionalmente, máquinas eleitoreiras fabulosas e mantém unidas verdadeiras organizações criminosas que acabam se confundindo com um partido político. Sem prejuízo de seus próceres vomitarem moralismos na tribuna, alguns a exigir, pasmem vocês!, que o Executivo corte gastos. Atacar a decisão de Dino corresponde a se aliar a essa poderosa escória.

CONCLUO
E não! O governo Lula não está na raiz da petição do PSOL. A decisão de Dino acaba criando mais constrangimentos do que facilidades ao Executivo, que é alvo da chantagem dessa máfia do Orçamento. Na prática, dizem os mafiosos: "Junte-se a nós contra o Supremo, ou passaremos a criar dificuldades para a governabilidade".

Combater o "emendismo", dada a forma como existe hoje, corresponde a cobrar que se restaurem valores republicanos e que se apure a apropriação de bilhões de reais pelas máfias que se apropriam do Orçamento. Nesse caso, sim, tem-se uma polarização no país. De que lado você está? Da decência ou da bandidagem?
*

Nota: Estou de férias, mas não poderia deixar de me manifestar a respeito. E voltarei a esta coluna sempre que julgar necessário.

Bom Natal a todos!

Opinião

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