Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É "Golpe Capivara", não mais Tabajara. E as razões nada secretas de Do Val
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Antes de o ministro Alexandre de Moraes apelidar de "Operação Tabajara" a pantomima golpista envolvendo Jair Bolsonaro, Daniel Silveira e o senador Marcos do Val (Podemos-ES), eu mesmo chamei nesta coluna a patacoada de "Golpe Tabajara". Na fala do ministro e no meu texto, tratava-se, obviamente, de uma referência às "Organizações Tabajara", criação da turma do "Casseta & Planeta". A expressão foi popularizada pelo "Casseta & Planeta, Urgente!", programa de humor levado ao ar pela TV Globo entre 1992 e 2010. Seu lema era "Jornalismo mentira, humorismo verdade", o melhor jamais criado para o gênero.
Em tempo: o objeto do meu texto de ontem e do vídeo de hoje de Moraes é deixar claro que a trama rocambolesca não provoca a suspeição do ministro para presidir os inquéritos que dizem respeito a Bolsonaro. Essa é uma questão central para todos os brasileiros e para a democracia. Entenderam? A pretensão original era dar um golpe. Trazer à luz, agora, aqueles eventos, como fez Do Val, é só um esforço canhestro de provar a suspeição. Coisa de quem desconhece a legislação. Como deixei claro, o Artigo 256 do Código de Processo Penal afasta a suspeição provocada pela parte (investigado ou réu), como seria o caso.
Neste UOL, Trudruá Dorrico observa: "As expressões 'Operação Tabajara' e 'Tentativas Tabajara' empregadas para caracterizar o suposto plano antidemocrático arquitetado por Daniel Silveira e Jair Bolsonaro são racistas porque associam o nome do povo Tabajara, sociedade anterior à colonização europeia, à ideia pejorativa de falsa, ridícula e menor". Segundo a colunista, isso "forjou no imaginário" uma "associação racista".
Vamos lá. Em nome da precisão, pois, comecemos por limar da conspirata o adjetivo "suposto" — no Houaiss, aquilo que é "admitido antes do real estabelecimento da verdade"; também "inverídico, imaginado ou fantasiado, mas dado como real" e ainda "fictício, falso". Tudo aquilo que os bolsonaristas gostariam que sustentássemos. Do Val, Flávio e o próprio Moraes confirmam a existência da tramoia, ainda que com acentos diferentes — referendada, de resto, por trocas de mensagens.
Dorrico não quis, obviamente, fazer uma média com bolsonaristas, assim como Moraes e eu não quisemos ofender o povo Tabajara. A linguagem traz lá as suas armadilhas. E devemos, sim, estar todos atentos. A ausência de intencionalidade numa dada mensagem não altera o fato linguístico criado, por óbvio, mas é preciso dimensionar, na esfera social, o efeito que ele gera. Chamar aquele troço de "Operação Tabajara" reforça uma continuada, ativa e consciente discriminação dos tabajaras? Não. Mas já sabemos que a discriminação racial, muitas vezes, não depende da vontade. Se a correção puder ser feita sem prejuízo da precisão, por que não?
Não vou alterar meu texto porque reescrever a história, ainda que a de um simples artigo, também é prática que não me parece concorrer para um mundo melhor. Fica lá o que está escrito, e fica aqui meu compromisso de não mais empregar o termo "tabajara" para designar as coisas atrapalhadas — observando sempre que o emprego da palavra no programa de humor não tinha uma conotação racista. Mas reconheço a pertinência do debate. Ademais, indago: que falta faz ao debate, à precisão e à boa luta política tal palavra com o objetivo de desqualificar alguma coisa? Nenhuma! Aceito a reprimenda de Dorrico, desde que não pressuponha o banimento da história de um pedaço da história do humor — coisa que ela não reivindicou.
OPERAÇÃO CAPIVARA
Doravante, passo a empregar outra qualificação para a patuscada golpista: "Operação Capivara" -- das "Organizações Capivaras", aquelas comandadas por Seu Creysson, outra criação do Casseta & Planeta. E noto: sem o intuito de ofender as capivaras. E não estou fazendo ironia: o bicho não merece ser associado a essa horda fascistoides que tentou, como observou o ministro Gilmar Mendes, governar o país a partir dos porões. As capivaras não têm nada com isso.
Seu Creysson era um embusteiro magnificamente encarnado pelo querido Cláudio Manuel — ator, cineasta e um bom pensador das questões que dizem respeito à cultura, à política e à ideologia. É muito bom fazendo graça, falando a sério e fazendo as duas coisas ao mesmo tempo.
Combater a fascistização do país é a prioridade. Noto, diga-se, que Seu Creysson tinha lá o seu lirismo, e Bolsonaro é truculento. A capivara é herbívora ("comedor de capim" em tupi), e o bolsonarismo é carnívoro. Trata-se apenas de recorrer a um símbolo ou emblema das coisas destinadas ao insucesso — felizmente, nesse caso.
Moraes continuará a presidir os inquéritos que dizem respeito a Bolsonaro, e a democracia está preservada, ainda que devamos todos continuar vigilantes.