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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Ao defender ivermectina, Bolsonaro omite que artigo recomenda mais estudos

8.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal. À esquerda na foto, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes - Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro
8.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal. À esquerda na foto, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes Imagem: Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro
Juliana Arreguy e Beatriz Montesanti

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

08/07/2021 21h49Atualizada em 20/07/2022 21h16

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) citou de forma imprecisa, em sua live de hoje (8), um estudo que atestaria o papel da ivermectina na redução da mortalidade de pacientes com covid-19, dando a entender que a pesquisa seria conclusiva. Os próprios pesquisadores deixam clara a necessidade de mais investigações para validar os possíveis efeitos do medicamento — o que Bolsonaro não mencionou na transmissão.

O estudo citado pelo presidente é uma revisão de 24 outras pesquisas sobre ivermectina, sendo que várias delas não foram revistas por pares. O dado sobre a redução de mortes refere-se a 11 destas 24 pesquisas, e o estudo não deixa claro se elas foram revisadas. Veja abaixo o que o UOL Confere checou:

Não está confirmado que ivermectina reduz mortes

Ivermectina reduz mortes por covid em 56%, mostra estudo da universidade de Oxford. Mais cedo ou mais tarde, vai ser comprovado cientificamente o uso da ivermectina"
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Bolsonaro faz referência a um artigo que não foi produzido pela Universidade de Oxford, mas sim por dez pesquisadores de diferentes universidades no Reino Unido. A pesquisa — esta sim, divulgada em uma publicação da Universidade de Oxford — avalia 24 estudos sobre o uso da ivermectina divulgadas em bases de dados públicas.

O texto citado pelo presidente informa que teve como base oito pesquisas revisadas, nove não revisadas, seis que sequer foram publicadas e uma divulgação independente. Justamente por ainda não terem passado pelo crivo dos pares, estudos não revisados não são conclusivos e não costumam ser usados para embasar políticas públicas.

O dado de que o uso de ivermectina pode reduzir as mortes por covid-19 em 56% envolve 11 dos 24 estudos, e a pesquisa não esclarece se os artigos que serviram de referência para este percentual foram ou não revisados.

Os pesquisadores do artigo citado por Bolsonaro deixam claro que ainda é necessário realizar mais pesquisas, com uma amostragem maior de voluntários, para validar os possíveis benefícios da ivermectina contra o coronavírus. Eles também dizem que avaliaram um "espectro grande de doses" do medicamento.

Bolsonaro também afirmou na live que o percentual de redução de mortes citado no estudo seria um "sinal" de que metade das mais de 500 mil mortes por covid-19 no Brasil poderiam ter sido evitadas caso o chamado "tratamento precoce" não tivesse sido "politizado". No entanto, dado o caráter inconclusivo do estudo reconhecido pelos próprios autores, não há como a pesquisa sustentar a afirmação do presidente. O "tratamento precoce" defendido por Bolsonaro refere-se a medicamentos sem eficácia comprovada para a covid-19.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma, em nota publicada em julho e atualizada em abril, que não há estudos conclusivos que comprovem o uso da ivermectina contra o coronavírus.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda o uso da medicação apenas em ensaios clínicos, já que é inconclusiva a ação da droga em casos de covid. A European Medicines Agency (EMA), agência reguladora da União Europeia, também desaconselha o seu uso fora de ensaios clínicos.

Já a Food and Drug Administration (FDA), agência de regulação dos Estados Unidos, desaprova o uso da substância para tratar ou prevenir a covid-19 e alerta que doses excessivas do medicamento podem causar danos.

Uso de máscaras é necessário mesmo com vacinação

Quem achar que não deve mais usar [máscara] porque já foi vacinado ou porque já foi contagiado, isso é um direito dele."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Apesar do que diz Bolsonaro, autoridades sanitárias de todo o mundo recomendam que pessoas vacinadas ou que já contraíram covid-19 continuem usando máscaras e praticando as medidas de isolamento social.

Isso porque embora os imunizantes reduzam as chances do adoecimento e da transmissão da doença, eles não são 100% eficazes. Pessoas vacinadas ainda podem transmitir covid-19. Além disso, não se sabe ao certo por quanto tempo pessoas que já pegaram coronavírus ficam imunes, principalmente ao surgimento de novas cepas, mais contagiantes e letais.

No Brasil, particularmente, a proporção de pessoas que já tomaram duas doses da vacina é ainda muito baixa: 13,63%, segundo a plataforma Our World in Data. Países que relaxaram as medidas restritivas, como Estados Unidos e Israel, fizeram isso depois de ultrapassar 50% ou 60% de cobertura vacinal.

Ainda assim, o avanço da variante Delta, mais contagiosa, vem fazendo com que o uso de máscaras para pessoas já vacinadas volte ao debate nesses países. No começo do mês, em orientação a todos os países, a OMS reforçou sua recomendação de que mesmo pessoas vacinadas continuem a observar distanciamento social e usar máscara em ambientes lotados, fechados ou com pouca ventilação.

Covid-19 só pode ser contida com ampla imunização

Quem achar que deve se vacinar, se vacine. Quem achar que não deve, não se vacine. Afinal de contas, quem acredita na vacina está protegido. Quem não acredita, cuida da vida dele."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Especialistas reforçam que a vacinação não é meramente uma questão de proteção individual, mas a principal forma de contenção da doença a partir do momento em que uma porcentagem expressiva da população está imunizada --a chamada imunidade coletiva. O fato de o vírus seguir circulando entre a população ainda favorece o surgimento de novas variantes, que podem ser resistentes às vacinas.

Pessoas que deixam de se vacinar são um risco para aquelas que não podem fazê-lo, seja porque não foram contempladas ainda pelo calendário, ou por questões de saúde, como no caso de imunocomprometidos. Vacinar é, portanto, um ato coletivo.

A falta de vacinação foi, por exemplo, responsável pela volta de doenças consideradas erradicadas, como foi o caso do sarampo. Em 2019, foram mais de 18 mil casos confirmados e 15 mortes por sarampo. Naquele ano, a meta de vacinação ficou longe de ser alcançada. Entre crianças de 2 a 4 anos, foram 100.676 doses aplicadas —contra 824.190 não vacinados.

Consórcio do Nordeste comprou respiradores nunca entregues

Por que eles [CPI da Covid] não convocaram o Carlos Gabas, que é o operador do Consórcio do Nordeste, que simplesmente sumiu com R$ 50 milhões e não comprou um respirador sequer?"
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Carlos Gabas foi secretário-executivo do Consórcio Nordeste, grupo que reúne os nove governos da região para atrair investimentos. Gabas era o responsável pelos processos de compra do grupo quando, no ano passado, o consórcio pagou antecipadamente à empresa Hempcare R$ 48 milhões para adquirir 300 respiradores que nunca foram entregues.

A compra foi alvo de ação da Polícia Civil da Bahia no ano passado. O dinheiro não foi devolvido e o caso, encaminhado para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde está sob sigilo. No entanto, não há provas que indiquem que foi Gabas quem "sumiu" com o dinheiro.

Senadores governistas fizeram um requerimento para convocar Gabas na CPI da Covid, mas o pedido foi rejeitado pela comissão em junho. A justificativa dos governistas é de que a CPI deve investigar os repasses e compras dos estados no combate à pandemia.

Dispensa de licitação para vacinas já estava em MP

Deixo bem claro que a emenda do Omar Aziz a uma medida provisória nossa no corrente ano, ele apresentou uma emenda para alterar um artigo da medida provisória de modo que estados e municípios pudessem comprar vacina sem licitação e sem a aprovação da Anvisa. (...) O Randolfe Rodrigues foi o relator, deu o parecer favorável nessa emenda do Omar Aziz. Inclusive uma das emendas nesse sentido foi do Renildo Calheiros, do PCdoB, irmão de Renan Calheiros."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

A medida provisória original (1.026/2021), do próprio Bolsonaro, já previa dispensa de licitação para compra de vacinas pela União, desde que tivessem sido aprovadas por cinco agências sanitárias internacionais (dos EUA, da União Europeia, do Japão, da China e do Reino Unido). Conforme explicado em checagem do Projeto Comprova, a MP foi aprovada pelo Congresso com a adição de outras seis autoridades sanitárias — inclusão que permitiria a importação da Covaxin pelo Brasil.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) apresentou duas emendas. Uma delas pedia pela ampliação da dispensa de licitação a estados e municípios, enquanto a outra sugeria a inclusão das agências sanitárias do Canadá, da Rússia, da Coreia do Sul, da Argentina e da Índia.

No entanto, Aziz não foi o único senador a fazer sugestões. Segundo o site do Congresso Nacional, 164 emendas foram propostas por parlamentares, algumas delas semelhantes. Na lei aprovada pelo Congresso, de relatoria de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a emenda sobre a dispensa de licitação por estados e municípios para a compra de imunizantes é creditada à senadora Rose de Freitas (MDB-ES), e não a Aziz.

Já o deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB-PE), irmão do senador Renan Calheiros, apresentou três emendas: uma pedindo a inclusão das agências sanitárias de Rússia e Índia, outra pedindo que a compra de vacinas pudesse contemplar autorizações emergenciais de outros países — e não apenas definitivas — e a última afirmando que não deveria ser descartada a hipótese de que estados e municípios pudessem conduzir seus próprios planos de vacinação.

ICMS não é responsável por aumento do combustível

É que seu governador [do Maranhão] aí, do Partido Comunista do Brasil, mete a mão no ICMS."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

A alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustível no Maranhão é de 30,5%, segundo a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes), tomando como referência o período entre 1º e 15 de julho. O imposto está abaixo do cobrado no Rio de Janeiro (32%), em Minas Gerais (31%) e no Piauí (31%). O patamar mais baixo é de 25%, cobrado no Acre, Amapá e em Santa Catarina, entre outros estados.

O Maranhão é governado por Flávio Dino (PCdoB), adversário político de Bolsonaro.

O ICMS tem sido apontado constantemente por Bolsonaro como causa para o aumento do preço da gasolina. No entanto, especialistas fazem a ressalva de que não houve mudança nas alíquotas praticadas pelos estados, mas sim no valor real do imposto, que subiu devido aos reajustes de preço implementados pela Petrobras.

Associação entre Mais Médicos e espionagem é insustentável

Eu não acabei com o projeto 'Mais Médicos cubanos'. Quando eu ganhei as eleições, eles foram embora, porque eles sabiam que a farsa ia ser descoberta. A gente ia pegar os caras, fazer um testezinho simples, ia ver que tinham muitos cubanos aqui que na verdade eram agentes do serviço de inteligência cubano."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A alegação do presidente é insustentável, ou seja, não tem amparo em nenhuma fonte pública e confiável. Bolsonaro fez a acusação sem apresentar qualquer prova ou indício de que os integrantes do Mais Médicos seriam espiões cubanos no Brasi.

Em 2018, a revista IstoÉ publicou reportagem sobre profissionais do programa que diziam ser vigiados por agentes enviados por Havana, cuja função seria exercer controle sobre os médicos no Brasil. No entanto, a reportagem nada fala sobre a suposta atuação desses agentes como espiões.

Criado em 2013 no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), o Mais Médicos trouxe mais de 8 mil profissionais cubanos para suprir vagas no interior do país. Os postos também podiam ser preenchidos por brasileiros, estrangeiros e médicos formados no exterior sem a necessidade de revalidar o diploma às exigências nacionais.

Em agosto de 2019, o atual presidente anunciou um substituto para o programa, batizado Médicos pelo Brasil, e que prometia a abertura de 18 mil vagas para atender 4.823 municípios.

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