Suplementos anunciados de forma enganosa podem levar a transplante; entenda
Cápsula para curar miopia, para curar diabetes, para tratar menopausa e até disfunção erétil. O Facebook é inundado diariamente com anúncios de produtos que alegam falsamente serem aprovados pela Anvisa.
Em alguns casos, a imagem do médico Drauzio Varella é usada de forma recorrente e fraudulenta nessas propagandas. O UOL já checou diversas dessas publicações que usam a imagem do oncologista a partir de manipulação com uso de Inteligência Artificial para promover produtos suspeitos (veja aqui).
O problema por trás dos anúncios dos suplementos
Suplementos alimentares têm dispensa de registro. O UOL Confere entrou em contato com algumas das empresas que anunciavam produtos com propaganda falsa. Em seguida, os anúncios foram modificados para incluir um aviso de que a mercadoria teria dispensa de registro segundo a resolução RDC 243, de 26 de julho de 2018 da Anvisa (aqui), que dispõe sobre suplementos alimentares (aqui). Confira algumas checagens sobre o tema aqui e aqui.
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Esses produtos não podem indicar prevenção, tratamento ou cura de doenças. Ou seja, apesar das alegações, que são enganosas, esses suplementos alimentares não são medicamentos, e portanto, não podem fazer esse tipo de propaganda, o que contraria as resoluções da Anvisa sobre esses produtos (aqui).
Em nenhuma hipótese, um suplemento alimentar pode apresentar indicação de prevenção, tratamento ou cura de doenças. Esse tipo de alegação é restrita a medicamentos e precisam ser comprovadas por outros meios.
Anvisa
Mais de 50 mil anúncios foram removidos. Uma plataforma de monitoramento digital de anúncios de produtos sujeitos à vigilância sanitária, desenvolvida pela Anvisa, já identificou e retirou do ar mais de 50 mil anúncios fraudulentos de suplementos alimentares na internet. Os dados são de dezembro de 2021 a janeiro de 2024 (veja aqui). Segundo a agência reguladora, a ferramenta identifica anúncios irregulares e notifica os sites.
Sem necessidade de comprovação. Ao contrário dos medicamentos, os suplementos alimentares não precisam apresentar estudos que comprovem sua eficácia ou segurança antes de serem comercializados. Segundo o hepatologista e professor da Faculdade de Medicina da UFBA Raymundo Paraná, isso representa um risco para a saúde, já que não se sabe quais são as substâncias que estão sendo consumidas, e menos ainda como elas reagem entre si e no organismo humano. Para o médico, a regulação sobre esses produtos é frágil.
Sem bula, mas com propaganda. "Não há bula para suplemento alimentar. O que tem ali é material de propaganda, e sendo material de propaganda o indivíduo diz o que ele quiser. Isso abre uma avenida para uma comercialização desenfreada. Como isso dá dinheiro, e não é pouco, virou um grande negócio", afirma o profissional, que diz atender pacientes com sintomas de toxicidade no fígado por uso desse tipo de produto toda semana.
O diagnóstico de hepatites por toxicidade de suplementos alimentares é difícil. É necessário, antes de tudo, descartar todas as outras possíveis causas e acompanhar o histórico do paciente sobre o uso da substância.
Transplante por hepatite fulminante. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), um caso de transplante de fígado por uso de um suplemento com "maca peruana" foi relatado na revista médica da faculdade. Na conclusão, os pesquisadores destacaram a importância de maior fiscalização desse tipo de produto (leia aqui).
O caso apresentado reforça a importância de promover mais informações à população sobre os riscos da IHA (Insuficiência Hepática Aguda) associada ao uso de ervas e suplementos alimentares e garantir maior fiscalização dos mesmos, com proposta de regulamentação através de especificação dos ingredientes e reações adversas nos rótulos, além de proibição da comercialização de produtos sem estudos que comprovem a efetividade.
Estudo da UFC
Um dos médicos que assinam a pesquisa, José Huygens Parente Garcia, do Departamento de Cirurgia da UFC, conta como foi feito o diagnóstico:
Era uma paciente jovem que desenvolveu uma hepatite fulminante, que tem uma mortalidade muito alta. Na investigação das causas, quando se afasta causas virais, foram excluídos todas as causas possíveis e o único fato encontrado foi que ela fazia uso abusivo diário de 'maca peruana'. Uma mistura de diversos compostos sem sabermos a origem, a dosagem. O problema não é só tomar um chá, é a dosagem do composto ativo. Isso é muito perigoso.
Melhor regulação. Para Raymundo Paraná, a solução desse cenário passa, necessariamente, por uma regulação dos suplementos alimentares pela Anvisa e pelo Congresso, e também das redes sociais. Além da atualização dos currículos dos cursos de medicina.
Adoecer pessoas não é liberdade de expressão, ganhar dinheiro adoecendo pessoas não é liberdade de expressão. É preciso controlar a rede social. Isso tem a ver com responsabilidade social.
Raymundo Paraná
Evitar comprar medicamento pela internet, desconfiar de propaganda com famosos e verificar a procedência do produto. Essas são as indicações do portal do médico Drauzio Varella sobre esse tipo de produto que se passa por medicamento, segundo a jornalista e filha do oncologista, Mariana Varella. "Mas o principal é não usar medicação nem suplementação sem indicação médica ou de nutricionista", destaca. Até mesmo os produtos ditos naturais, especialmente os vendidos em cápsulas, devem ser vistos com desconfiança. "Não é porque é natural que é seguro", afirma a jornalista.
O doutor Drauzio considera que o uso da imagem dele causa muito mais dano para a saúde pública que para a imagem pessoal dele, porque induz as pessoas a consumirem produtos que a gente não sabe o que tem dentro e não conhece a segurança e a eficácia.
Mariana Varella
Projeto de lei sobre o assunto. Há na Câmara, um projeto de lei, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), para criminalizar a propaganda enganosa de suplementos alimentares (veja aqui e aqui). Atualmente a punição prevista é suspensão da venda e multa. O projeto de lei aguarda parecer na Comissão de Saúde da Câmara.