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Bolsonaro quer um colégio militar em cada capital até 2020

Ítalo Rômany

20/09/2018 04h00

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. A cada semana serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na mais recente pesquisa Datafolha. Saiba mais sobre esta série.

Nesta quinta, será abordada uma proposta de Jair Bolsonaro (PSL): o estabelecimento de pelo menos um colégio militar em cada capital brasileira até 2020.

O que o candidato prometeu

No programa de governo de Jair Bolsonaro (PSL), consta: "Teremos em dois anos um colégio militar em todas as capitais de Estado".

Ilustração Bolsonaro -  -

"Essas escolas vão servir de modelo, como as dos estados de Amazonas e Goiás. Pretendo, já que está na minha alçada, captar os estados que porventura não tenham um colégio militar do Exército, e vamos criar. E o maior colégio será no Campo de Marte, em São Paulo", disse, durante um evento no interior de São Paulo, referindo-se ao aeroporto para aviões de pequeno porte, na zona norte da capital.

Em 2006, o deputado federal Jair Bolsonaro apresentou projetos de lei que propunham a criação de dois colégios militares - um no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, e outro em Resende (RJ). Ambos foram rejeitados pelos relatores, que afirmaram não ser assunto de competência legislativa.

Qual é o contexto

Atualmente, há 13 colégios militares do Exército em atividade no país. Estão localizados nas cidades de Juiz de Fora (MG) e Santa Maria (RS) e em 11 capitais: Manaus (AM), Belém (PA), Recife (PE), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). O mais antigo é o do Rio, criado por decreto imperial em 1889. O de Belém é o mais novo deles, inaugurado em 2016. Para cumprir a promessa de um colégio por capital até 2020, Bolsonaro teria de construir mais 16 colégios militares em dois anos.

No momento, informa o Ministério do Exército, não há previsão de abertura de novos colégios, e também não há previsão orçamentária para novas escolas. O orçamento desses colégios vem do Ministério da Defesa. Para 2018, a previsão é de R$ 22 milhões. O último colégio inaugurado, o de Belém, em 2016, foi uma parceria do Ministério do Exército com os governos estadual e municipal, com a revitalização do prédio de uma antiga escola local.

Se for eleito presidente, Bolsonaro teria de destinar recursos adicionais ao orçamento do Exército para cumprir a promessa.

A assessoria de imprensa do Ministério do Exército informou que as escolas militares atendem hoje 12.561 estudantes -- 81% deles são dependentes de militares. O restante dos alunos são filhos de civis.

Esses 12.561 alunos dos colégios militares correspondem a 0,07% do total de 17,1 milhões de estudantes em instituições públicas do país, nos mesmos anos escolares. Ou seja, trata-se de uma fatia ínfima de alunos - e com acesso restrito a civis. Além disso, o custo de um aluno no colégio militar é 2,7 vezes superior ao da rede pública de ensino.

Enquanto o custo médio anual estimado de um estudante de escola pública do sexto ao nono ano é de R$ 5,9 mil, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), cada aluno custa R$ 16 mil ao ano no colégio militar, de acordo com o Exército. O valor se aproxima da despesa anual por aluno nas universidades públicas, estimado em R$ 21,8 mil.

Quem não é filho de militar precisa passar por uma seleção muito disputada. No ano passado, no Colégio Militar de Curitiba, foram 67 candidatos por vaga para entrar no sexto ano do ensino fundamental. Todos os estudantes, filhos de militares ou não, pagam uma mensalidade pequena: de R$ 226, do sexto ao nono ano, e R$ 251, no ensino médio.

Quando comparados às escolas públicas, os colégios militares alcançam notas mais altas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). No último resultado, divulgado no início de setembro, os colégios militares registraram em média 7,5. A nota das escolas das redes públicas estaduais foi de 4,5 para o sexto ao nono ano.

Em nota, o Exército diz que o desempenho dos alunos no Ideb é reflexo da "boa infraestrutura, incentivo aos docentes para a constante busca pelo aperfeiçoamento intelectual, seleção de conteúdos adequada ao aluno, desenvolvimento diário dos valores éticos, morais, familiares e sociais, somados à disciplina e tradições do Exército Brasileiro".

Professores das unidades militares ganham acima do piso salarial dos docentes da rede pública em 2018, que é de R$ 2.455 mensais. O vencimento básico inicial dos professores em colégios militares é de R$ 4.463 mensais, podendo chegar a mais de R$ 10 mil ao mês caso o docente possua titulação de doutorado, segundo o Exército.

Como o candidato vai cumprir a promessa

O programa de governo de Bolsonaro não detalha a proposta. Não diz, por exemplo, se os filhos de militares continuarão a ter prioridade nas escolas. Atualmente, menos de 20% das vagas ficam com filhos de civis.

No Twitter, Bolsonaro rebateu críticas sobre o custo dos colégios militares em comparação ao das escolas públicas. "Investimento maior na educação básica deve ser regra e o Brasil tem potencial para aplicá-la sem maiores problemas, basta independência", disse.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de campanha de Bolsonaro, por email, telefone e aplicativo de mensagens. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria do candidato não respondeu às perguntas encaminhadas.

O que pode ser feito

Para a diretora-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, é preciso examinar a eficácia dos colégios militares sob dois aspectos básicos. Em primeiro lugar, ela pondera que essas escolas fazem uma prova para selecionar os melhores alunos, o que faz com que haja um filtro de seus estudantes. Ela lembra também que a maior parte dos alunos dos colégios militares são provenientes da classe média.

"Quando a gente coloca isso tudo na balança, não é eficiente. Produz resultados, mas não apenas pelo valor intrínseco da escola, e sim porque os alunos já têm um conhecimento maior e as famílias têm um nível de renda mais alto. Teriam que produzir um resultado muito maior", afirma.

A título de comparação, a escola rural Vereador José Wilson Melo Nascimento, em Coruripe (AL), município de 56 mil habitantes e distante 100 km de Maceió, é um exemplo de que um orçamento superior não é imprescindível para um bom desempenho. A escola alcançou nota de 9,9, a mais alta do Ideb, para os primeiros anos do ensino fundamental (primeiro ao quinto ano). Para o sexto até o nono ano, o Ideb da escola foi de 8,1. Com poucos recursos e maior planejamento pedagógico, é possível fazer uma escola mais eficaz, afirma Priscila.

O professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Luiz Prazeres acompanhou de perto o funcionamento das duas escolas militares mineiras -- da capital e Juiz de Fora -- quando atuou como consultor em processos de avaliação educacional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 2012. Apesar de reconhecer que são colégios de excelência, o especialista diz que são para "privilegiados", já que só uma minoria tem acesso. E questiona a centralização da construção de novas unidades nas capitais, já que o interior dos estados, onde há menos oportunidades de ensino, ficaria à margem.

Para o professor, o colégio militar não deve ser adotado como modelo único para o país. Ele sugere que o governo federal procure melhorar a qualidade das escolas existentes, com programas de desempenho, diminuindo as desigualdades já grandes entre as regiões brasileiras.

Avaliação: Dá para fazer, mas não teria impacto significativo na educação do país

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