Projeto transforma velas de jangada em telas de cinema em Alagoas
Os irmãos Matheus e Marcos Pereira, de 6 e 7 anos, nunca tinham ido a um cinema e, até o sábado (20), pouca ideia tinham do que era uma projeção em tela grande. “Não imaginava como era. Pensava quer era uma TV grande, não tinha muita ideia”, contou Marcos, entre um riso e outro ao assistir um curta-metragem infantil.
Sem cinemas e com raras opções de lazer em sua cidade, os filhos de pescadores, ao lado de amigos, sentiram pela primeira vez a sensação de assistir a um filme na telona. Eles não precisaram viajar. Dessa vez, a oportunidade de conhecer a sétima arte foi até Japaratinga (AL), no litoral norte, a 100 km de Maceió.
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Sentadas em esteiras, crianças alagoanas assistem a filme projetado em vela de jangada
Um cinema foi montado na cidade, mas bem diferente daquele que estamos acostumados a encontrar nos shoppings centers. Ao invés de ar-condicionado, o que alivia o calor é a brisa do mar. As cadeiras acolchoadas dão lugar a esteiras estendidas na areia e a cadeiras de plástico. E no lugar da tela, a vela de uma jangada é quem fisga olhares de dezenas de moradores da pacata cidade litorânea.
É assim, de um jeito improvisado, que milhares de alagoanos de cidades praianas e ribeirinhas estão descobrindo os prazeres do cinema.
Há cinco anos, a ONG (Organização Não-Governamental) Ideário teve a ideia de inverter a ordem do “capitalismo cultural”. “Se as pessoas do interior não têm acesso ao cinema, porque não levar o cinema até elas? Percebemos e provamos que era possível democratizar o cinema, de um jeito nordestino”, afirmou o idealizador do projeto “Acenda uma vela” e chefe da curadoria, Hermano Figueiredo.
Naquele sábado, em Japaratinga, começava a 5ª edição do projeto, que durante o verão percorre municípios onde existem pescadores usando jangadas, seja em cidades banhadas pelo mar, rio São Francisco ou lagoas. “Onde tiver uma jangada, nós vamos”, avisou Hermano, que este ano vai passar por seis municípios do Estado.
As poucas opções de cinemas em Alagoas são restritas à capital, Maceió, onde moram quase um milhão de pessoas. Por conta disso, a maioria do público que foi até a praia de Japaratinga nunca tinha assistido a uma sessão na tela grande.
Aos 48 anos, a dona-de-casa Alexandra Ferreira Santos só tinha visto um cinema nos filmes que assistia pela TV em casa. “Quem não tem vontade de ir a um cinema? Deve ser muito bom, pois aqui a gente só está tendo um gostinho. Mas quem sabe um dia eu não vou a um na capital”, disse.
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De um jeito improvisado, alagoanos de cidades litorâneas descobrem os prazeres do cinema
Segundo o idealizador, a ideia principal do projeto é tentar minimizar a exclusão audiovisual no Estado. “O projeto chama a atenção para a necessidade de gerar acesso ao audiovisual com base nos direitos do público. Precisamos ter cinema para todo tipo de público e ocasião”, argumentou Hermano.
O curador conta que a escolha dos filmes atende sempre um critério democrático e atende a todos os públicos. “São filmes de diversas regiões do Brasil, com espaço para todas as vertentes e gêneros: de iniciantes a experientes; de premiados em festivais a pouco exibidos; de antigos ou recém-lançados”, explicou.
Segundo ele, uma diferença marcante ao exibir filmes para quem não é acostumado a ir ao cinema e não sabe sequer a programação da noite é a resposta imediata, o que pode levar a mudança no roteiro em pleno curso das exibições.“Muitas vezes, na pré-seleção, temos filmes maravilhosos, mas que no momento da sessão acabam não sendo exibidos pelo rumo que a programação toma ao longo da noite. A resposta do público é rápida e um grande termômetro: na hora nos dizem se gostaram ou não e não se sentem nem um pouco constrangidos de abandonar o local por ser uma sessão ao ar livre. O público sabe ser muito companheiro e também cruel, é preciso lidar com os dois lados da moeda”, alegou.
Contando com o apoio financeiro do Ministério da Cultura, a meta da ONG é continuar levando a produção nacional para os “sem-cinema” em comunidades do Estado. “Filmes são feitos para serem vistos. Enquanto pudermos, abriremos nossas velas para que isso seja possível pra quem não mora na capital ou perto de shopping center, pra quem não pode pagar uma entrada de cinema ou alugar um filme na locadora, para quem não tem Internet, TV a cabo e não tem acesso à festival de cinema para ver curta-metragem”, assegurou Hermano Figueiredo.
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