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Justiça inocenta mulher que extorquiu padre por fim de relacionamento

Especial para o UOL Notícias<br>Em São Paulo

31/05/2010 14h46

O padre R. B., então diretor administrativo do Colégio Integrado e Faculdades Claretianas de Rio Claro (175 km de SP), teve um relacionamento confesso com uma mulher casada que durou sete anos (de 1997 a 2004). A mulher H. se separou do marido para viver com o padre, que chegou a sugerir que largaria a batina para ficar com ela.

Em 2004 o relacionamento se deteriorou, depois de o religioso contar que iria embora de Rio Claro. A mulher entendeu que o padre não podia abandoná-la e que tinha direito a um ressarcimento por anos de vida em comum. Como o padre não cedeu às exigências, a mulher ameaçou relevar o caso dos dois. Hoje, ela vive da aposentadoria e da ajuda da filha. O religioso continua na atividade clerical.

Temendo o escândalo, o padre aceitou pagar o valor de R$ 40 mil pelo silêncio da mulher. Retirou o dinheiro da conta corrente da instituição religiosa da qual era diretor e entregou as notas para H. O padre jogou o dinheiro sob o portão da casa da mulher, de acordo com a versão de R. e da polícia.

“Eu não quis continuar com ela, ela pediu dinheiro, alegando que do contrário ela iria fazer público o nosso caso; ela disse que não iria sair do relacionamento sem nada. Quando eu fui levar o dinheiro para ela, vieram os policiais e a prenderam”, contou o padre em depoimento à Justiça.

A história ficou confusa a partir da entrada da polícia. De acordo com os policiais, a suposta extorsão foi descoberta por meio de grampo telefônico. O Denarc interceptou os telefones do padre e da amante numa suposta investigação de tráfico ilícito de entorpecentes e resolveu conferir a exigência feita pela acusada.

Os policiais contaram que fizeram campana na porta de H. e, quando o padre chegou e jogou o dinheiro pelo portão, prenderam os dois, que foram levados para a capital paulista.

A mulher disse à polícia que conheceu o padre em 1997, quando ele atuava na Paróquia São José Operário, em Rio Claro. Contou que o procurou para "aconselhamento espiritual". O ex-marido dela era integrante do coral da matriz. De acordo com a mulher, a partir daí o padre começou a visitar sua casa. O marido só descobriu a traição cinco anos depois, pondo fim ao casamento de 22 anos.

O caso ficou nas mãos do delegado Pedro Pórrio, que indiciou H. por extorsão e liberou o padre. De acordo com o delegado, o dinheiro apreendido foi devolvido ao representante dos Claretianos.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra H. pelo crime de extorsão. Argumentou que a vítima – o padre – sofreu de grave ameaça e foi obrigado a ceder vantagem indevida à mulher.

No entanto, a Justiça disse que o Ministério Público não tinha razão, pois a conduta da mulher configurava o delito de fazer justiça com as próprias mãos (ação prevista no Código Penal como exercício arbitrário das próprias razões).

Para o juiz de primeiro grau, o Ministério Público era parte ilegítima para oferecer a denúncia, pois o crime, quando praticado sem violência, deve ser denunciado por meio de queixa-crime (ação penal privada). O MP apelou ao Tribunal de Justiça contra a decisão.

Para o tribunal, ficou comprovado que H. exigia do padre o pagamento em dinheiro para não divulgar o relacionamento ilegítimo entre os dois. "Todavia, a conduta da mesma tinha por finalidade a obtenção de vantagem devida ou supostamente devida, pelo que a pretensão ministerial de vê-la condenada pelo crime de extorsão não merece acolhida", argumenta o relator do recurso, desembargador Paulo Rossi.

Ou seja, para o TJ, H. reclamou o ressarcimento que entendia ter direito e, por esse motivo, ao agir unicamente com pressão moral, não incorreu no crime de extorsão, mas no de fazer justiça com as próprias mãos sem violência (ou exercício arbitrário das próprias razões). Pelo raciocínio do tribunal, embora a dívida cobrada por H. não fosse legal, ela acreditava ser legítima, motivo que a levou a procurar receber alguma reparação pelo rompimento do longo relacionamento com o padre.

“O dolo, para configuração do delito de extorsão, caracteriza-se pela vontade de constranger, ou seja, obrigar a vítima a ceder, para si ou para outro, indevida vantagem econômica”, explicou o relator. “Entretanto, no caso, em nenhum momento esta foi a intenção da apelada; ao contrário, acreditava que estava cobrando uma dívida justa e legal, e não uma vantagem indevida”, completou.

Como não foi oferecida queixa-crime e não sendo possível a desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, o TJ entendeu que era obrigatória a extinção da "punibilidade" de H., por conta da decadência do direito de ação do padre R.