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Relatório traz depoimentos de vítimas de exploração sexual, clientes e aliciadores

Gilberto Costa<br>Da Agência Brasil<br>Em Brasília

01/10/2010 11h49

A pesquisa Impactos do Setor Sucroalcooleiro na Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Mato Grosso do Sul traz uma série de relatos de pessoas exploradas sexualmente, clientes e agenciadores de programas. Os depoimentos foram colhidos entre 14 de abril e 10 de julho de 2009 em bares e locais de aliciamento. O estudo também reúne avaliações de gestores públicos que debateram as descobertas da pesquisa qualitativa em um colóquio, em agosto do ano passado.

Os relatos foram obtidos por meio de uma técnica conhecida como observação participante, que implica maior interação do pesquisador com informantes. Cinco pesquisadores, todos homens, trabalharam no estudo. Os relatos foram colhidos sem que os informantes soubessem que estavam sendo observados para uma pesquisa sobre exploração sexual. O documento não identifica pessoas, locais de aliciamento ou municípios pesquisados. Todas as situações de vulnerabilidade de crianças e adolescentes foram informadas às redes de proteção (como conselhos tutelares, polícia e Justiça).

Em um dos relatos, um dos pesquisadores assinala que o abuso sexual está naturalizado socialmente. “Em dado momento, um homem disse, de supetão, enquanto caminhava do interior do bar para a varanda da frente, onde eu estava: 'Quer ir preso?' A estranha pergunta veio acompanhada de um gesto explicativo. O homem perguntou e apontou para uma menina, com aparência de 13 a 15 anos, que passava em frente ao bar. A garota estava de short e blusa. 'Ela está indo para um ginásio aqui perto', disse o homem e emendou: 'essas meninas, hoje em dia, estão todas gostosinhas. Dá vontade até de ir preso'”.

Na ocasião, “outro homem comentou que o envolvimento com adolescente é, muitas vezes, inevitável”, informa o pesquisador. “Esse homem viera de Pernambuco para trabalhar numa usina e terminou se casando. 'Às vezes a gente tá meio de fogo e nem pensa. Aí acaba pegando as meninas de menor. Mas isso não dá nada pra gente não. Eu acho que não dá não. Dá para menina e para o dono da zona onde ela estava', disse”.

Em outro caso apresentado no estudo, um pesquisador transcreve o diálogo com uma aliciadora, que revela a facilidade de conseguir programas com adolescentes.

“Perguntei à Ana [nome fictício] a idade da garota com aparência de adolescente. Segundo Ana, a menina tinha 16 anos. 'Mas ela faz programa?', questionei. 'Claro!', respondeu Ana. A adolescente permanecia calada ao lado de Ana, não demonstrando reação contrária à afirmação de que faria programa sexual. Perguntei à Ana se ela poderia conseguir outras garotas com menos de 18 anos. Especifiquei a quantidade e a idade: quatro meninas de 15 anos. Expliquei que as garotas seriam também para um amigo. Ana disse que poderia intermediar outras adolescentes. Em seguida, apresentou suas condições: cada programa custaria R$ 30 e o dinheiro deveria ser entregue para ela. 'Eu tomo conta delas', justificou-se, completando que não permite que ninguém as engane. Também disse que não ofereceria garotas com menos de 15 anos. 'Se eu quiser, eu até consigo meninas com menos de 15, mas não faço. Só de 15 a 17', disse.”

O estudo também relata um suposto esquema para o tráfico de mulheres paraguaias ao Brasil. Em um relato, o pesquisador conta que encontrou uma paraguaia sendo explorada em um bordel. “Depois de algum tempo de conversa, pergunto se ela tem muitas amigas na cidade. Ela responde que não, pois havia sido trazida do Paraguai pela dona da casa. Disse, ainda, que o mesmo aconteceu com outras meninas que trabalham no local. 'Como isso acontece?', pergunto. Ela diz que a sobrinha da proprietária da casa vai semanalmente ao Paraguai e oferece serviço às meninas, dizendo ser apenas por uns dias, mas que, chegando ao local, são obrigadas a se prostituírem”.

De acordo com o relatório, o serviço sexual das mulheres paraguaias é mais mal remunerado do que o das brasileiras. Segundo o documento, “há uma desvalorização pautada em preconceito geral contra as paraguaias” que são chamadas de “bugras”. Uma mulher brasileira afirma que o preço do programa cai com a oferta de serviço sexual das paraguaias. “Ela reclamou do preço”, conta um pesquisador no relatório, “dizendo que ‘o problema é que tem umas bugrinhas que cobram muito pouco’.”