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Hospital do SUS quebra e fecha em São Paulo

Historicamente lotado, guichê para internação no SUS está às moscas. Veja mais imagens - Fernando Donasci/UOL
Historicamente lotado, guichê para internação no SUS está às moscas. Veja mais imagens Imagem: Fernando Donasci/UOL

Arthur Guimarães<br>Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

17/12/2010 07h00

Unidade que atendia em média 20 mil pacientes por mês pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Hospital Central Sorocabana, em São Paulo, chegou a um estágio terminal. Agonizante financeiramente, o hospital quebrou, fechou as portas para o público há quase dois meses, não paga os funcionários há cinco meses e é hoje um prédio fantasma que ocupa um quarteirão na rua Faustolo, 1.633, no bairro da Lapa, zona oeste da capital paulista.

Ambulâncias do Serviço Ambulatorial Móvel de Urgência (Samu) e as operadoras do Mãe Paulistana, central de vagas para grávidas, estão orientadas pela prefeitura a não encaminhar pacientes para o hosptial. Quem procura atendimento direto no endereço dá com a cara na porta: “São umas 30 pessoas por dia que chegam aqui e são obrigadas a voltar”, conta o segurança da portaria Severino Ramos, 41.

A maioria dos médicos parou de ir até a unidade onde trabalhavam. Alguns enfermeiros e auxiliares de enfermagem ainda são vistos circulando pelos corredores, mas estão batendo ponto apenas para evitar que sejam acusados de abandono de emprego, o que levaria à perda de direito de receber os vencimentos atrasados. "Estou com o meu aluguel atrasado há três meses. É um absurdo o que estão fazendo com a gente", disse um médico que não quis se identificar.

Nos corredores que costumavam estar sempre lotados, a reportagem do UOL Notícias encontrou amplas salas com cadeiras vazias, guichês sem atendimento, macas sem doentes, salas trancadas, equipamentos sofisticados largados pelos cantos, quase nenhum médico e poucos funcionários –normalmente, vendo televisão. Boa parte dessa infraestrutura, hoje ociosa, foi financiada com verbas públicas, como confirma a própria direção atual.

O histórico que culminou no estágio de calamidade atual inclui processos judiciais para destituição de presidentes, inúmeras auditorias, desacordos internos entre administradores, interdições da Vigilância Sanitária e da Justiça, investigações do Ministério Público, e, principalmente, suspeitas de mau uso do dinheiro do contribuinte.

O Sorocabana é administrado pela Associação Beneficente dos Hospitais Sorocabana, entidade privada e sem fins lucrativos que gerencia o estabelecimento representando os antigos ferroviários da extinta Ferrovia Paulista S/A (Fepasa).

Fundado em janeiro de 1955, ele atende desde a década de 60 pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e, posteriormente, passou a ser ligado ao SUS. Nos últimos anos, em convênio com a Prefeitura de São Paulo, era o principal ponto para receber pacientes carentes da zona oeste –servindo ainda parte da população da zona norte e também da Grande São Paulo. Há ainda uma pequena área do hospital que atende somente os chamados associados, antigos ferroviários que recebem tratamento diferenciado.

R$ 150 milhões do SUS

Conforme dados do Ministério da Saúde, o Sorocabana recebeu de dezembro de 1996 a dezembro de 2007 cerca de R$ 150 milhões em repasses do SUS. Em 2009, cerca de R$ 6 milhões foram enviados à unidade. Nessa época, em média, a unidade tinha 217 leitos disponíveis e fazia cerca de 500 partos ao mês.

Segundo o porta-voz do Sorocabana, Spartaco Ângelo Martinelli, parte desses montantes teria sido desviada ou “má utilizada” por antigos diretores do Sorocabana. “Que teve fraude, teve. Ia tudo para um caixa-único. E não se sabe direito onde o dinheiro foi aplicado. Não tinha transparência das antigas administrações”, disse ele, em entrevista ao UOL Notícias, enquanto acompanhou uma visita guiada à unidade.

Martinelli, que desde a década de 70 observa o funcionamento do Sorocabana,  também elenca outros motivos que teriam contribuído para a desativação da unidade. “A gente sempre atendeu quase 95% pelo SUS. E o SUS paga mal. Além disso, vinha gente de vários municípios para cá, pois temos fácil acesso ao transporte público. De pouquinho em pouquinho, foi parando. E parou.” Os ex-diretores negam todas as acusações.

Na análise de especialistas, a Secretaria Municipal de Saúde tem responsabilidade pelo dinheiro investido – e possivelmente desviado – no Sorocabana, assim como não deveria ter privado a população local desse atendimento público. Além disso, pesquisadores da área afirmam que as auditorias feitas sobre a situação financeira do estabelecimento deveriam ter servido para apontar falhas e corrigir rumos, evitando preventivamente a situação de falência.

Outro lado

Contratante do hospital desde agosto de 2003, a Secretaria Municipal da Saúde afirma que até agosto deste ano “manteve convênio SUS para prestação de serviços complementares, com leitos de internação e serviços de apoio diagnóstico e terapêuticos com o hospital, que é privado”.

Segundo o órgão, “o repasse de recursos para a instituição sempre foi realizado mediante a apresentação da produção dos serviços”. A pasta ressalta que nunca “houve descontinuidade dos repasses”.

A secretaria afirmou ter manifestado “todo o apoio ao hospital e empenhado todos os esforços com objetivo de encontrar maneiras legais para garantir o atendimento médico à população local”. Como explica a nota, “os pacientes da rede SUS, que antes eram acompanhados no Hospital Sorocabana, estão sendo encaminhados para outros serviços de saúde”.

A nota da prefeitura conclui que “é do interesse desta secretaria que a nova diretoria solucione os problemas para tornar possível a recuperação do Hospital Sorocabana”.

A secretaria não repassou informações detalhadas sobre as auditorias feitas pelo município na unidade, solicitadas pela reportagem na tentativa de mapear a aplicação do dinheiro público.

Na semana passada, a prefeitura fez uma reunião com os administradores do hospital. Segundo o porta-voz do Sorocabana, ainda não há decisão sobre o encontro e a unidade segue fechada sem atender pacientes.