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Porto Velho vive clima de insegurança com a chegada dos trabalhadores de Jirau

Alex Sakai*

Especial para o UOL Notícias <BR> Em Porto Velho

18/03/2011 19h46

A capital de Rondônia, Porto Velho, vive clima de insegurança com a chegada de mais de 12 mil trabalhadores da construção da usina de Jirau, no rio Madeira. Eles desembarcaram na cidade nesta sexta-feira, após praticamente toda a infraestrutura (alojamentos, escritórios, entre outros) dos canteiros da obra ter sido destruída entre quarta e quinta-feira, durante uma revolta de parte dos operários.

A maior parte dos trabalhadores desalojados foi encaminhada ao ginásio do Sesi e às casas de show Nautilus, Caipirão e Forasteiro, onde estão recebendo alimentação e água. Alguns trabalhadores foram vistos circulando em grupos pelo centro da cidade. Para se prevenir de possíveis atos de vandalismo, comerciantes fecharam as portas, com medo de que as ações que ocorreram nos canteiros se repitam.

O prefeito de Porto Velho, Roberto Sobrinho, afirmou que não houve registro de qualquer tipo de vandalismo. “A polícia recebeu 82 chamados, mas nenhuma ocorrência foi confirmada. A população está alarmada, mas a situação está sob controle e não há motivo para pânico”, afirmou.

O engenheiro Ronaldo Penteado, representante do consórcio ESBR (Energia Sustentável do Brasil) --formado pelas empresas Chesf, Eletrosul, Suez e Camargo Corrêa-- responsável pela obra, disse que a empresa disponibilizou transporte para que os trabalhadores que estão em Porto Velho voltem para suas cidades de origem até que a situação no canteiro de obras se normalize.

O governador de Rondônia, Confúcio Moura, em entrevista coletiva na tarde desta sexta-feira (18), reuniu as forças políticas do Estado e pediu o apoio de todas as instituições. Além do governador estavam presentes o prefeito Roberto Sobrinho, o presidente da Assembléia Legislativa, Valter Araújo, o deputado federal, Moreira Mendes, e o secretário de Segurança do Estado, Marcelo Bessa.

Como começou a revolta

Segundo informações da Secretaria de Segurança do Estado (Sesdec), o estopim para a revolta foi uma briga envolvendo um motorista de ônibus e um dos operários na quarta-feira por volta de 18h20 (horário de Brasília) no canteiro localizada na margem direita do rio Madeira. Em pouco tempo, a briga virou um quebra-quebra generalizado, ainda que a maior parte dos trabalhadores não tenha se envolvido, segundo a secretaria.

Os trabalhadores se queixam das condições de trabalho oferecidas na obra e exigem aumento salarial. Acusam ainda o consórcio ESBR (Energia Sustentável do Brasil) --formado pelas empresas Chesf, Eletrosul, Suez e Camargo Corrêa--, responsável pela obra, de não oferecer infraestrutura adequada para tratar um surto de malária que atinge o canteiro de obras.

Ontem (17) pela manhã, a revolta se repetiu no canteiro da margem direita e se espalhou para o canteiro da margem esquerda. O saldo da revolta foi 60 ônibus queimados, 40 danificados, 15 carros de passeio incendiados e cerca de 100 alojamentos destruídos. Também foram incendiados os refeitórios, a área de lazer, a farmácia e os caixas eletrônicos do canteiro de obras.

Apesar dos trabalhadores afirmarem que ocorreram pelo menos três mortes durante os conflitos, o secretário de Segurança nega diz que houve apenas danos materiais. Oito pessoas foram presas até o momento.

No total, mais de 22 mil operários trabalham na obra, que deve ser entregue em março de 2012 e custará aproximadamente R$ 11 bilhões. A implementação de Jirau, conduzida com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é a maior obra em construção do país. O consórcio construtor já informou que a obra vai atrasar por conta das revoltas.

Ontem, a Força Nacional de Segurança foi convocada pelo governador, que falou por telefone com os ministros Nelson Jobim (Defesa) e José Eduardo Cardozo (Justiça). Cerca de 150 homens já estão nos canteiros da obra.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que acompanha as obras em Jirau, afirma que as empresas construtoras da usina foram denunciadas no relatório de violação dos direitos humanos elaborado pela Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana --órgão subordinado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República-- no final de 2010. Entre as irregularidades apontadas no relatório, estão as más condições de trabalho a que os operários estariam sendo submetidos nas obras.

O deputado estadual, Hermínio Coelho (PT), diz que a empresa é a responsável pelo tumulto. “Este pavio está aceso há muito tempo. A insatisfação dos trabalhadores com maus tratos, a proibição de saírem do canteiro de obras, o pagamento diferente do combinado, a violência e a falta de segurança que já ocasionou diversas mortes no local de trabalho são as causas da insatisfação dos trabalhadores que acabou fazendo com que Jirau se tornasse um inferno”, disse.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Camargo Corrêa afirma que hoje retirou os trabalhadores da obra por questões de segurança e que "não há qualquer reivindicação trabalhista no empreendimento". "As cenas de destruição são resultado da ação de vândalos, que agiram criminosamente", diz o texto. A empresa não sabe o motivo que levou o grupo de trabalhadores a destruírem as instalações da obra.

Jirau, uma usina polêmica

Antes mesmo de sair do papel, a construção da usina de Jirau já se cercava de polêmicas. A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, em 2008, que culminou com a sua transferência do PT para o PV, foi motivada por um desentendimento com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff em torno da concessão de licença ambientais para o início das obras de Jirau e da vizinha Santo Antônio.

Na época, Dilma e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostraram insatisfeitos com a demora na liberação das licenças. Pressionada, Marina entregou a pasta e voltou ao Senado. Meses depois, deixou o PT e se filiou ao PV para disputar a sucessão presidencial, contra Dilma.

Outra polêmica envolve os atingidos pela construção da usina. Em outubro do ano passado, a Justiça Federal, a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado de Rondônia (MP-RO), suspendeu o cumprimento da decisão liminar que determinava o prazo de 10 dias para a saída de diversos moradores da área afetada pela construção de Jirau em Mutum-Paraná.

Segundo a decisão judicial, os moradores da vila afirmaram que o consórcio construtor, responsável pelas obras, estava usando de “força excessiva” nos despejos das famílias.

No leilão de concessão, uma nova polêmica: o consórcio vencedor ofertou 70% da energia a um preço de R$ 72 o MWh (megawatt/hora) para as distribuidoras do país,valor considerado baixo. Para ter alcançado esse preço, o consórcio alterou a posição do eixo da barragem, em decisão comunicada apenas na conferência de imprensa após a vitória no leilão.

O caso provocou uma troca de ameaças entre executivos da Camargo Corrêa e da Odebrecht, confronto que foi apaziguado pela ação do governo federal. Posteriormente, ambos selaram as pazes no acordo para avaliar o projeto de Belo Monte, no rio Xingu.

*Com informações de Guilherme Balza, em São Paulo