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Um ano após a tragédia do Bumba, maioria das vítimas de Niterói (RJ) ainda aguarda nova moradia

Daniel Milazzo<br>Especial para o UOL Notícias

Em Niterói (RJ)

06/04/2011 07h00

Às 20h45 do dia 7 de abril de 2010, um grande deslizamento de terra abriu uma imensa ferida no Morro do Bumba, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Dezenas de casas construídas sobre um antigo lixão escorreram morro abaixo. Oficialmente, 46 morreram soterradas. Para os que sobreviveram, um ano depois, a tragédia continua.

Em abril de 2011, a maioria das centenas de famílias desabrigadas oriundas de diversos cantos de Niterói ainda aguarda uma nova moradia. Algumas decidiram voltar para o local onde residiam. É o caso de Dilceia da Cunha, 60. Embora sua casa não seja contígua ao local do desastre do Bumba, ela foi visitada e interditada pela Defesa Civil. A aposentada passou meses abrigada em casa de parentes e amigos, mas uma hora cansou. “A casa dos outros não é a nossa casa, né?”, disse. Outro fator que a fez voltar, foi o medo de ter sua moradia invadida por desconhecidos.

Cláudio Angelo, 35, é outro morador que permanece na região. Sua casa está dentro do perímetro considerado de risco pela Defesa Civil. Fica bem no alto do Morro do Bumba. “Não saio por teimosia”, diz o pai de três filhos, que mora ali há sete anos. Cláudio diz que autoridades mandaram-no deixar o lugar, mas não deram um laudo definitivo sobre as condições do imóvel. Ele não vê risco. “Tem casas que são do Bumba, mas não estão sobre o lixo. A minha está em terra firme”, assegura.

A alguns metros da casa de Claudio, está a antiga residência de Maria de Lourdes Souza, 62. Ela morava ali havia mais de 20 anos, mas deixou a região na noite do deslizamento. Hoje ela usa os R$ 400 do auxílio moradia para alugar um quarto-e-sala em São Gonçalo, município onde mora seu filho, Mário César, 34. Ela sofre de obesidade mórbida e, segundo seu filho, seu peso já beira os 160 kg. Ela tentou continuar seu tratamento no hospital de Niterói, mas o pedido foi recusado, pois ela não mora mais na cidade.

Não saio por teimosia

Cláudio Angelo, morador de área de risco em Niterói (RJ)

Mário César não passa mais de duas semanas sem ir vistoriar a situação da antiga casa da mãe, feita de alvenaria. O receio de que algum intruso perceba a casa vazia e decida se instalar justifica o cadeado no portão enferrujado.

Sem aluguel social para todos

“A situação é caótica”, afirma Francisco Carlos Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Morro do Bumba e membro do Comitê dos Desabrigados de Niterói. Ele próprio perdeu sua casa e agora tenta reconstruir a própria vida e a dos demais prejudicados. Ferreira calcula haver 7 mil famílias prejudicadas pelas chuvas e ainda desassistidas pelo poder público.

O aluguel social, no valor de R$ 400, é pago a 3.200 famílias. No início deste ano, houve atrasos de até três meses no pagamento. No último dia 21 de março, foi aprovado um convênio dando continuidade ao benefício por mais nove meses. Entretanto, a Prefeitura de Niterói afirma ter enviado à Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) dois ofícios no ano passado (um no dia 9 de junho e outro no dia 19 de agosto) pedindo a extensão do auxílio a mais 3.204 famílias. Em 11 de janeiro deste ano, foi enviado um último ofício à SEASDH reforçando os pedidos anteriores, mas não houve resposta.

Antigo batalhão do Exército ainda abriga 400 pessoas

Enquanto a maioria das famílias vítimas das chuvas abrigou-se na casa de amigos ou parentes, cerca de 400 pessoas ainda continuam instaladas no 3º Batalhão de Infantaria. Embora esteja dentro do município de São Gonçalo, o antigo batalhão do Exército foi comprado pelo governo estadual e cedido a Niterói.

7.510 imóveis prometidos;
apenas 93 entregues

No mês seguinte à tragédia em Niterói, antigos moradores do Morro do Bumba foram deslocados para o condomínio Várzea das Moças, na Estrada Velha de Maricá.
O condomínio de 93 apartamentos pertencia ao programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, e foi comprado pelo governo estadual por R$ 4,6 milhões. Tais famílias são as únicas que receberam nova moradia desde então. Foi dada preferência às famílias que perderam parentes na enxurrada.
Financiadas pelo governo estadual, 180 residências estão sendo construídas numa área desapropriada pela Prefeitura de Niterói próxima ao Morro do Bumba. A previsão de entrega da obra é julho deste ano.
No bairro Sapê, serão construídas 5 mil novas moradias com recursos dos governos municipal e estadual. A obra está em fase de terraplanagem.
No bairro Jacaré, outros 480 apartamentos estão sendo construídos com recursos da Prefeitura e do governo federal. Os trabalhos ainda estão na fase de projeto. A Prefeitura de Niterói afirma que também serão erguidos imóveis nos bairros Fonseca, Caramujo, Engenho do Mato, Bairro de Fátima, Ititioca e Várzea das Moças. No total, a promessa é de que 7.510 novas residências destinadas aos desabrigados das chuvas sejam entregues até o final de 2012.

Adriana Cláudia Pereira da Silva, 37, está no 3º BI há mais de nove meses. Nesse meio tempo, ela deu à luz o menino João Pedro, agora com três meses de vida e de abrigo. Como meio ano atrás, Adriana continua queixando-se das condições de higiene, estrutura e privacidade no 3º BI. “Está a mesma coisa, até um pouco pior”, diz.

Por outro lado, a Prefeitura de Niterói admite ser responsável pela manutenção periódica do local, realizando serviços de limpeza geral, desentupimento em vasos sanitários e desobstrução de esgoto. “No entanto, o uso inadequado desses espaços, por parte de alguns moradores, faz com que os serviços de manutenção sejam recorrentes”, salienta a assessoria de imprensa da Prefeitura.

Não há prazo para a saída das famílias do abrigo. Elas permanecerão no 3º BI até a conclusão das unidades habitacionais que estão sendo construídas para os desabrigados. As famílias abrigadas também recebem aluguel social.

Tapumes

A área onde ocorreu o trágico deslizamento no Morro do Bumba recebeu obras do poder público. Segundo o governo estadual, 180 casas foram demolidas e 86 mil toneladas de escombros e lixo foram retiradas dos morros do Bumba e do Céu. Ali foi realizado um trabalho de impermeabilização, drenagem e contenção, para dar estabilidade ao solo, além da construção de uma área de lazer. A obra custou R$ 35 milhões.

Embora o governo diga que a obra foi concluída, na última sexta-feira (1º) havia operários no local e a área permanece cercada por tapumes. Teoricamente, estava incluída no projeto a recuperação ambiental do lugar, mas se vê pouquíssimas árvores plantadas.

O presidente da Associação das Vítimas do Bumba critica a intervenção dizendo que ainda há muito lixo soterrado na região. Além disso, Ferreira afirma categoricamente que pelo menos sete corpos sumiram ali e nunca foram encontrados.

Vizinho do Morro do Bumba, o Morro do Céu continua recebendo lixo. Ali o governo estadual realiza obras de recomposição e encerramento do aterro controlado e implantou uma célula nos moldes de um aterro sanitário para receber o lixo municipal.

Além das 46 vidas perdidas no Morro do Bumba, outras 122 pessoas morreram noutras localidades de Niterói por causa da chuva que caiu um ano atrás sobre a cidade. Em todo o Estado do Rio, as tempestades causaram 256 óbitos e deixaram 12 mil pessoas desabrigadas.