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Passamos uma hora e meia na calçada e meus filhos morreram, diz pai de gêmeos no Pará

Sandra Rocha<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>Em Belém

23/08/2011 18h16

O pai dos gêmeos mortos sem atendimento médico nos dois maiores hospitais de referência em gestação de risco do Pará, Raimundo Cícero, informou ter passado uma hora e meia na calçada de um dos estabelecimentos sem ser atendido. Para a Polícia Civil, o crime de omissão já está caracterizado.

O relato de Raimundo, auxiliar de cozinha, é de dor por causa da perda dos filhos e de revolta pela forma como ele e a mulher, Vanessa do Socorro, foram tratados nos hospitais Santa Casa de Misericórdia e de Clínicas Gaspar Viana.

“Meus filhos morreram do lado de fora do hospital por falta de atendimento. Bateram a porta na nossa cara. Depois que meu filho morreu, fiquei desesperado e entrei. Tinha 15 médicos lá dentro”, disse.

O casal saiu de casa, no bairro Itaiteua, distrito de Outeiro, periferia de Belém, às 3h da madrugada desta terça-feira (23). O percurso feito no ônibus, em estrada esburacada, e durou cerca de uma hora e meia.

A Santa Casa de Misericórdia foi o primeiro hospital procurado porque Vanessa era paciente de lá. Portadora de lúpus (doença autoimune), ela fazia acompanhamento regular por causa da gravidez de risco. Já sabia que o parto poderia ocorrer a partir do sétimo mês.

Segundo Cícero, a mulher sentiu dores desde as 3h da madrugada. À porta da Santa Casa, o relato não persuadiu o porteiro. Ele foi orientado a não deixar mais ninguém entrar porque não havia leitos.

O casal se dirigiu ao Gaspar Viana, em outro bairro da capital. Ouviu a mesma explicação e, sem ter para onde ir, ficou na calçada por hora e meia. Como o quadro se agravou, o serviço de resgate dos Bombeiros foi acionado e levou Cícero e Vanessa para a Santa Casa novamente.

De acordo com o auxiliar de cozinha, a bolsa de água da esposa estourou quando ela estava na ambulância em frente à Santa Casa, mais uma vez sem qualquer análise de profissionais dos hospitais. Um dos bebês nasceu morto.

A situação levou a equipe de plantão a permitir a entrada da grávida, mas o parto da segunda criança dentro do hospital não conseguiu salvá-la.

“Foi negligência, estou falando. Há vinte dias, o médico disse que estava tudo saudável. A gente quer justiça. Comprei tudo para eles, já estava só esperando. Agora vou chegar e encontrar só as roupinhas”, disse.

Restrições

A delegada Maria do Perpétuo Socorro Picanço instaurou inquérito policial para apurar as responsabilidades pelo episódio. Ela já ouviu cinco pessoas e afirma que a omissão está clara.

Segundo a delegada, os corpos das crianças serão periciados pelo Instituto Médico Legal (IML) para que se verifique a hora em que eles morreram. O objetivo é saber se a causa da morte foi a omissão.

Além das testemunhas, a delegada pretende ouvir os porteiros, a equipe médica e a direção dos hospitais para saber de quem partiu a ordem para o não atendimento.

A presidente da Santa Casa, Maria do Carmo Lobato, negou a omissão e disse que a obstetra plantonista não atendeu Vanessa porque não havia leitos na UTI neonatal.

Segundo Maria do Carmo, o hospital tem capacidade para 107 recém-nascidos, mas hoje está com 123. Por causa disso, restrições à entrada de pacientes têm sido adotadas desde o final de semana passada.