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Às vésperas de receber novas casas, vítimas de enchente em Alagoas descobrem que terão de pagar moradias

Carlos Madeiro<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>Em Rio Largo (AL)

14/10/2011 07h03

Os desabrigados da enchente de junho de 2010 em Alagoas foram surpreendidos, esta semana, com a informação de que não vão receber de graça nenhuma das 17.398 casas que estão sendo construídas pelo governo federal no Estado. As cheias mataram 27 pessoas, deixaram 15 municípios em calamidade pública e mais de 70 mil desabrigados e desalojados no Estado.

Às vésperas da entrega das primeiras unidades, as vítimas da tragédia foram informadas que terão de assinar um contrato e se comprometer com o pagamento das mensalidades. Caso contrário, não receberão as moradias. Até então, o governo estadual afirmava que as casas seriam entregues sem custos --em nota oficial divulgada em 17 de março desse ano, por exemplo, o governo disse que as vítimas não iriam "pagar por novas moradias".

Os desabrigados e desalojados afirmam que não aceitam pagar pelas residências e já iniciaram protestos. O governo do Estado ainda tenta reverter a situação apelando para uma "anistia" ao governo federal.

A cobrança veio à tona por conta da proximidade da data da entrega das casas –o Estado promete entregar mil residências até o fim do ano. Cada casa tem 41 m², com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, varanda e área de serviço, e custou R$ 42 mil. O investimento total no Estado foi de R$ 713 milhões, bancado pela Caixa Econômica Federal.

Segundo o prefeito de Quebrangulo e representante das cidades atingidas, Marcelo Ribeiro, o impasse surgiu porque a Caixa está fazendo um cadastro das famílias que serão beneficiadas, pedindo a assinatura do contrato de adesão ao programa Minha Casa, Minha Vida. Porém, segundo as regras do programa, não há previsão de doações, e os mutuários que recebem até um salário mínimo são obrigados a pagar uma mensalidade de R$ 50 por 10 anos. Ao final do período, cada mutuário terá pago, em valores atuais, R$ 7,2 mil. Já quem ganha mais de um salário mínimo deverá se comprometer a pagar 10% do vencimento mensal.

Sem condições financeiras

A notícia de que terão de pagar pelas casas causou protestos entre os desabrigados. Em União dos Palmares (73 km de Maceió), moradores de um dos acampamentos que ainda existem no Estado, protestaram e fecharam a BR-104 na quinta-feira (13). Outros desabrigados já anunciaram reações semelhantes pelos municípios nos próximos dias.

O UOL Notícias foi a um dos acampamentos de desabrigados, em Rio Largo, na região metropolitana de Maceió. Todos os moradores contaram que foram surpreendidos com a cobrança pretendida e asseguraram que não vão aceitar ir para casas pagas. “Foi uma surpresa terrível. Eu perdi minha casa, que já estava toda paga. Perdi móveis, roupas, tudo. Temos que ganhar a casa, não comprá-las de novo. Daqui não saio para pagar por nem um centavo. É como voltar para o aluguel”, disse Cecília Gonçalves, 43.

Segundo Severino da Silva, 53, os moradores pretendem procurar o Ministério Público para que uma ação na Justiça garanta a gratuidade das novas casas. “E importante que resolva isso logo, porque ninguém aguenta mais o calor dessas barracas. De dia, todos saem de casa e ficam aqui, na sombra”, afirmou. “Eu ganho R$ 100 de Bolsa Família. Vou perder metade do que tenho para pagar prestação? Jamais! Se for assim, volto e construo um barraco no mesmo local onde vivia”, ameaçou outra moradora, que não quis se identificar.

Muitos dos desabrigados aproveitaram a presença da reportagem para reclamar não só da cobrança, mas das condições em que vivem atualmente. No local, o banheiro está com as torneiras quebradas e há vazamentos por toda parte. Os bichos infestam os vasos sanitários, e o mau cheiro no local é insuportável. “Um funcionário de obra desmaiou aí dentro”, reconheceu uma integrante da Defesa Civil.

Nas poucas ruas do acampamento, o esgoto e a lama correm a céu aberto. O abastecimento de água na lavanderia está suspenso há duas semanas, quando a bomba foi roubada. A segurança no acampamento também é relatada como precária. “Polícia aqui só vem quando se chama, e demora demais! Um acampamento desses, com tanta gente, deveria ter polícia toda hora”, afirmou um morador, que não quis se identificar.

Governo estadual diz que não tem recursos

O governo de Alagoas afirma que não tem recursos para pagar as prestações e tenta com o governo federal a isenção das mensalidades. Segundo o coordenador do programa da Reconstrução, o vice-governador José Thomaz Nonô, ele e o governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) já negociam com a Caixa para tentar chegar a uma solução.

O vice-governador afirmou que os desabrigados devem ser tratados de forma “diferenciada”, com a adequação às circunstâncias locais. “Estamos pleiteando com o governo federal a liberação total das prestações ou disponibilização de fontes para este pagamento. Essas casas devem ser entregues sem nenhum tipo de ônus, pois estamos tratando de pessoas vitimadas por uma tragédia sem precedentes”, disse o vice-governador.

Caixa diz que não pode decidir

Já a Caixa Econômica Federal informou à reportagem que, “como agente executor do Programa Minha Casa Minha Vida, não tem a prerrogativa de decidir sobre a isenção da cobrança dos encargos mensais dos mutuários.” Segundo o banco, a decisão de anistiar os desabrigados caberia a outros órgãos, mas alfinetou os governos locais, dizendo que “nada impede que o município ou o Estado assuma a responsabilidade pelo pagamento dos encargos.”

Sobre o cadastro e início da assinatura dos contratos, a Caixa informou que a “seleção dos beneficiários é de responsabilidade do poder público e deve ser iniciada com seis meses de antecedência da entrega do empreendimento.”

Em Pernambuco, onde as enchentes também destruíram no mesmo período mais de 12 mil casas, o governo do Estado informou ao UOL Notícias que assumiu a prestação mensal dos mutuários. No Estado, 139 residências já foram entregues, e nenhuma família foi ou será cobrada pela nova moradia. Segundo o governo pernambucano, outras 400 residências devem ser entregues nos próximos dias.