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Sem autorização, prefeitura doa e desabrigados vendem barracas emprestadas pelo governo federal em Alagoas

Aliny Gama

Do UOL, em Maceió e São José da Laje (AL)

14/01/2012 06h00

Cerca de 700 barracas que serviram para abrigo das vítimas das enchentes de junho de 2010 em Alagoas teriam sido doadas, vendidas ou destruídas irregularmente pela prefeitura ou pelos antigos moradores. A denúncia foi feita pela Defesa Civil Estadual, que cobra a devolução das barracas, conforme estabelece termo assinado com as prefeituras no dia em que os abrigos foram cedidos.

As barracas serviram de moradia improvisada em acampamentos. Com a entrega das primeiras 1.479 casas às vítimas, a Defesa Civil esperava receber as barracas provisórias de volta, mas enfrenta problemas em duas cidades: São José da Laje e União dos Palmares. Em ambos os municípios, 730 barracas deveriam ter sido devolvidas, mas não foram. Ao todo, 1.911 barracas foram emprestadas às cidades localizadas nos vales Mundaú e Paraíba atingidos pelas enchentes e deveriam ter sido devolvidas quando os conjuntos estiverem concluídos em Alagoas.

Segundo a Defesa Civil Estadual, os municípios --que assinaram um termo de responsabilidade pela custódia das barracas-- serão responsabilizados pelo "sumiço". Os desabrigados, por sua vez, denunciaram que estão sendo ameaçados pelas autoridades municipais para que deem conta das antigas moradias vendidas. Muitos moradores confirmaram ao UOL que venderam as barracas e afirmam não ter como devolvê-las.

Enchentes no Nordeste

“O problema é que essas barracas foram cedidas, e não dadas. Firmamos um termo de cessão com as prefeituras, que têm obrigação de devolver essas barracas, independente do estado de conservação em que as lonas e os ferros se encontram. Mesmo as estragadas, as barracas deveriam ser devolvidas, pois a Secretaria Nacional de Defesa Civil vai decidir o destino final delas. Como foi caracterizada venda e compra de um bem público se torna caso de polícia, mas o Ministério Público e o Ministério da Integração vão ficar com essa parte depois que eu entregar o relatório sobre a situação das barracas”, disse o chefe administrativo da Defesa Civil Estadual, capitão Abel Barros, citando que os moradores sabiam da necessidade da devolução das barracas.

Devido ao problema, Barros está elaborando um relatório para entregar ao MP (Ministério Público Estadual) e ao governo federal. O documento ainda não tem data para ser finalizado, já que a Defesa Civil deu um prazo de até a finalização dos conjuntos e entrega de todas as casas para que as prefeituras deem conta das barracas.

Venda em São José da Laje

Dos sete moradores ouvidos pela reportagem do UOL em São José da Laje, apenas uma mulher disse que não vendeu a barraca. Todos os demais confirmaram que faturaram entre R$ 50 e R$ 100 com as moradias provisórias. Eles foram unânimes em dizer que que foram ameaçados até de prisão, durante uma reunião realizada na última terça-feira (10), caso não devolvessem as barracas. Segundo a Defesa Civil Estadual, 134 barracas deveriam ter sido devolvidas à prefeitura.
 

A desempregada Cícera da Conceição Silva, 40, foi uma das que vendeu a barraca. Passando fome, ela diz que não tem como pegar a barraca de volta e devolver o dinheiro. “Não sei nem a quem vendi. Passou um carro aqui com um homem dizendo que comprava. Vendemos por R$ 50 para comprar comida. Podem me prender, não adianta, não tenho como devolver a barraca, nem o dinheiro, pois meu Bolsa Família está suspenso porque meus filhos não estão estudando”, contou.

O aposentado Antonio Moura da Silva, 72, também confessou que vendeu a barraca em que morou durante o tempo em que ficou esperando a nova casa. “Um conhecido meu ofereceu R$ 100 e eu vendi. Disseram que podia vender. Como estão pedindo de volta, vou falar com ele para que devolva. Ainda bem que nem toquei no dinheiro”, afirmou, confirmando as ameaças feitas.

A coordenadora da Defesa Civil municipal de São José da Laje, Karine Valente, disse que a prefeitura está tentando localizar os compradores das barracas. “Recolhemos boa parte dessas barracas, e as que foram vendidas estamos indo atrás dos compradores para pegar de volta. Já conseguimos localizar algumas e trouxemos para um depósito da prefeitura”, disse.

Sobre as ameaças que teriam sido feitas às famílias que venderam as barracas, ela negou, dizendo que foram feitas apenas "cobranças." “Firmamos um compromisso e vamos cumpri-lo. Os moradores sabiam que era para devolver as barracas, mesmo danificadas, mas infelizmente alguns venderam”, disse, informando que não sabe se a prefeitura vai penalizar as famílias que comercializaram os abrigos.

Problemas em União dos Palmares

Outro problema com as barracas ocorreu em União dos Palmares. Segundo a Defesa Civil Estadual, a prefeitura doou, irregularmente, as 596 barracas às famílias desabrigadas. “Sem contar que os moradores do acampamento Palmarina Cross, também em União, atearam fogo em 173 barracas em um dos protestos devido à seleção de entrega dos primeiros imóveis”, disse o chefe administrativo da Defesa Civil Estadual, capitão Abel Barros.

Em contato com o UOL, o prefeito de União dos Palmares, Aresqui Freitas Júnior, admitiu que a prefeitura não fiscalizou o destino final das barracas e que não se lembrava de ter assinado nenhum termo de que os abrigos cedidos pela Defesa Civil deveriam ser devolvidos.

“Essas barracas estavam muito danificadas, com lonas rasgadas e hastes enferrujadas. Não ia me preocupar em guardar umas barracas velhas, pois tenho trabalhos mais importantes a fazer aqui na prefeitura”, defendeu o prefeito. A Defesa Civil informou que o termo de cessão das barracas foi assinado pela secretária de Ação Social de União dos Palmares, Lídia Campos Albuquerque. Questionado pela reportagem de que o contrato existe, o prefeito disse que iria conversar com o advogado para "se orientar sobre a medida que deverá tomar."

Freitas afirmou que "não vai se preocupar em ir atrás das barracas, a não ser que seja notificado pela Defesa Civil de que terá de devolver os abrigos." “Vou ver com meus advogados o que temos obrigação de fazer. Mas naquela hora da agonia, ninguém vai se lembrar que as barracas eram emprestadas e teriam de ser devolvidas. Além do mais, a maioria estava para ser reposta pois não tinha mais condição de abrigar ninguém”, assegurou.