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Sem regulamentação, militares fazem greves consideradas ilegais e apostam em anistia; veja análise

Soldado do Exército patrulha avenida de Salvador após PM decretar greve na Bahia - Lunae Parracho/Reuters
Soldado do Exército patrulha avenida de Salvador após PM decretar greve na Bahia Imagem: Lunae Parracho/Reuters

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

08/02/2012 12h35Atualizada em 08/02/2012 13h38

A greve dos policiais militares na Bahia reacendeu o debate sobre o direito à greve dos servidores públicos, especialmente aos movimentos que envolvem profissionais armados e que executam um serviço considerado essencial.

Nos últimos meses, o Brasil assistiu a vários episódios de greves de policiais militares, que chegaram aos Estados de Piauí, Rondônia, Maranhão, Ceará e Bahia. Todos tiveram a paralisação decretada ilegal pela Justiça, mas prosseguiram mesmo após a decisão. Ao fim, exceto na Bahia, onde a greve está em andamento, os grevistas fecharam acordo que anistiaram a punição.

A greve no serviço público sempre foi um calo no sistema jurídico nacional. A Constituição de 1988 concedeu direito a greve a todos os trabalhadores brasileiros. Mas, para os servidores públicos, ainda é necessária regulamentação por meio de uma lei específica, o que nunca ocorreu. Por conta disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) usa a regulamentação do serviço privado para decidir sobre as paralisações.

Para especialistas consultados pelo UOL, o caso da paralisação dos policiais é ainda mais grave já que, além de serem servidores públicos, se trata de uma categoria treinada e com direito a uso de armas, e que a ausência põe a ordem pública em risco.  O STF, inclusive, já se pronunciou sobre o tema, afirmando em 2009 --em decisão sobre a greve dos policiais civis de São Paulo-- que servidores armados não têm direito à paralisação.

Como não têm direito à greve, os policiais realizam paralisações e estão se valendo do direito à anistia --benefício sancionado por lei federal em janeiro de 2010 para liberar de punição militares de 12 Estados e Distrito Federal. Vários foram os casos de anistia aos grevistas, como os bombeiros do Rio de Janeiro, que pararam as atividades e invadiram o quartel da corporação, em junho de 2011.

Mas a anistia para casos como o da greve da polícia baiana está sendo questionada por juristas, já que incitaria outros Estados a iniciarem paralisações. O presidente da Comissão Especial de Combate à Corrupção e Impunidade do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Paulo Brêda, afirmou que os líderes grevistas estão fazendo uso de pressão, ao final das negociações, "com as duas partes já esgotadas", para que o governo aprove a anistia das penas que deveriam receber, de acordo com o estatuto militar.

“Isso que está ocorrendo na Bahia já se tornou baderna. O governo tem de ter cuidado com as medidas que vão ser tomadas devido à greve geral, pois vai dar carta-branca para ocorrer movimentos similares em outros Estados. Entendo que a maioria dos servidores públicos e os policiais são mal remunerados, mas eles têm de agir na forma da lei e não por em risco a segurança da sociedade”, disse.

Brêda avalia que o estatuto militar proíbe os policiais de entrarem em greve. Segundo ele, policiais militares não são servidores públicos comuns, têm um estatuto próprio e diferenciado dos civis por ser um serviço de emergência de proteção a população. “Esse estatuto é rígido porque faz parte da força de segurança nacional. Algumas lideranças sindicais fazem críticas ao estatuto e mesmo sabendo que o movimento é ilegal arriscam na negociação com os governos a anistia das punições”, afirmou.

O advogado destacou que há diferenças entre as carreiras dos militares e funcionários públicos perante os estatutos federais, estaduais e municipais. Segundo ele, a principal delas é que um militar faz carreira sem precisar se submeter a concurso público para progredir e alcançar novo posto. Já o servidor público civil, para mudar de escalão,  tem de se submeter a um novo concurso público.

“Um exemplo disso é um escrivão que passa num concurso e com o tempo ele não pode tornar-se juiz. Para ocupar o cargo, ele vai ter de fazer um concurso na área da magistratura”, disse Brêda, ressaltando ainda que o uso da farda no trabalho também aponta que o militar não é um servidor comum e tem de seguir o que rege o estatuto da categoria.

Para o advogado especialista em direito constitucional César Galvão, todo o movimento de paralisação geral de uma categoria imprescindível a população é considerada ilegal. No caso dos militares há um agravante “considerando a ótica de que o serviço é imprescindível para manter a segurança da população.”

“Os policiais têm o dever de proteger a população, e a greve de uma categoria que faz parte dos serviços essenciais é ilegal. Observo que os militares não estão nem cumprindo o serviço mínimo para a população”, afirmou.

Intervenção federal

Em caso de greves de policiais militares, o governo federal sempre age com uma intervenção na segurança dos Estados. São os decretos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Segundo a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, o governo federal já utilizou o recurso por quatro vezes, desde 2011, nas últimas paralisações de militares pelo país. “A partir de GLO, o comando da segurança passa automaticamente para o Ministério da Defesa. A presidente assinou decretos na greve do Maranhão, Rondônia, Ceará e agora na Bahia”.

Em todos os quatro casos citados pela secretária, os tribunais de Justiça dos Estados consideraram a greve ilegal logo em seu início, e o governo enviou homens da Força Nacional e/ou do Exército. O argumento jurídico utilizado foi sempre o mesmo: militares não podem parar as atividades.

Os decretos valem sempre durante o período em que a greve perdurar. Sobre o direito à paralisação e tendência de nacionalização do movimento militar, a secretária afirmou que o governo federal está pronto para ajudar os Estados.

“O nosso papel enquanto governo federal, sem dúvida nenhuma, é dar condições de segurança à população. Nós não vamos colocar juízo de valor sobre a negociação, pois isso não nos cabe, porque o Estado é autônomo. Mas em qualquer momento que seja necessário o governo federal está pronto para ajudar”, disse.

Regulamentação no Congresso

A discussão ganhou espaço no Senado. Autor de um projeto de lei que busca regulamentar as greves, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) disse que há diferenças entre as paralisações na iniciativa privada e no setor público. Para o parlamentar, limites como o da Lei de Responsabilidade Fiscal e os prejuízos causados ao cidadão diferenciam a questão.

"São questões delicadas, melindrosas, mas cuja complexidade não justifica o Congresso Nacional ficar de braços cruzados", criticou Nunes.

O senador Humberto Costa (PT-PE) adiantou, durante a discussão, que o serviço público precisa de regulamentação urgente e criticou a postura dos militares na Bahia, adiantando voto contrário à anistia dos servidores, caso o assunto seja levado ao Senado.

"É preciso regulamentar a greve no serviço público. Greve com arma não é greve, é rebelião, é motim. Não é possível tolerar que agentes da ordem peguem em armas para ameaçar a população, isso é vandalismo, intolerável no regime democrático", afirmou.

Já o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), apesar de defender o direito dos policiais de fazer reivindicações salariais, condenou a forma como o movimento vem sendo conduzido na Bahia. O senador lembrou que foi o autor do projeto de lei que concedeu anistia aos bombeiros do Rio de Janeiro, mas afirmou que será contra qualquer anistia para os grevistas da Bahia. “É inaceitável motim armado para parar ônibus. É inaceitável colocar crianças na Assembleia Legislativa [que foi tomada pelos grevistas]. Isso é chantagem. É quase terrorismo”, finalizou.

(Com Agência Senado)