Coronel condenado por massacre de Eldorado dos Carajás é preso no Pará
Após ter a prisão decretada pela Justiça do Pará nesta segunda-feira (7), o coronel Mário Colares Pantoja –condenado pela morte de 19 trabalhadores sem-terra no episódio que ficou conhecido como massacre de Eldorado dos Carajás (PA)– apresentou-se diretamente no presídio Anastácio das Neves por volta das 15h, acompanhado de seu advogado.
O coronel Mário Pantoja durante julgamento em 1999
O presídio fica em Santa Izabel, nordeste do Pará, e só abriga servidores públicos e policiais. Além do coronel, também foi decretada a prisão do major José Maria Pereira de Oliveira --a ordem de prisão já está com a Delegacia Geral de Polícia e a defesa do major afirmou que ele deverá se entregar amanhã.
As mortes ocorreram em 1996. Dos 154 policiais denunciados pelo Ministério Público, apenas os dois militares foram condenados a pena máxima por homicídio doloso: Pantoja foi condenado a 228 anos e Oliveira, a 158 anos.
Até hoje, ambos aguardavam em liberdade o fim do processo por força de um habeas corpus concedido pelo ministro Cezar Peluso, do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2005.
No despacho de hoje, o juiz Edmar Pereira, titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, justificou os pedidos de prisão após considerar que os recursos perante o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal já tinham sido esgotados. Com as possibilidades de recorrer em liberdade exauridas, o processo foi devolvido à Justiça do Pará, que determinou a prisão.
O advogado do coronel Pantoja, Gustavo Pastor, disse que só aguarda o encaminhamento do processo para a Vara de Execuções Penais para pedir a transformação da sentença em prisão domiciliar. A justificativa é que o sentenciado tem problemas cardíacos. A expectativa do advogado é que a Vara Penal comunique a de Execuções Penais ainda esta semana. Quando isso ocorrer, ele protocolará o pedido.
Pantoja, segundo ele, sofre de arritmia cardíaca e ficou abalado com a prisão. O coronel está com 65 anos e foi orientado a se entregar no presídio Anastácio das Neves para evitar constrangimento.
Ainda resta ser julgado um recurso da defesa no STF que pede a anulação da sentença contra ambos. Em julho de 2011, Peluso adiou a decisão sobre um pedido de liminar feito pela defesa de Pantoja, que pede um novo julgamento.
Segundo o advogado, apesar de abalado, o coronel tem esperança que seu último recurso no STF seja julgado logo. O recurso está com a ministra da 5ª Turma do STF, Laurita Vaz. O advogado pretende pedir a aceleração do julgamento alegando a urgência causada pela recente prisão.
A condenação dos dois oficiais ocorreu no Tribunal do Júri seis anos depois do massacre, após um processo tão tumultuado quanto a operação policial em Carajás.
Relembre o episódio
O massacre ocorreu em 17 de abril de 1996, por volta das 17h, quando cerca de 1.100 sem-terra ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) interditavam a rodovia PA-150, na altura da curva do “S”, em Eldorado dos Carajás (a 754 km de Belém).
CRONOLOGIA DO MASSACRE
5.mar.96 - Fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), é ocupada por mais de 1.200 famílias de sem-terra
16.abr.96 – Grupo de 1.100 sem-terra, em marcha para Belém, obstrui a rodovia PA-150, em Eldorado dos Carajás (PA)
17.abr.96 – Dia do massacre. Às 17h, operação da polícia para desobstruir a rodovia, ordenada pelo governador Almir Gabriel (PSDB), termina com a morte de 19 sem-terra. Outros 70 são feridos
8.mai.96 – Perícia judicial divulga laudo no qual conclui que os sem-terra foram mortos com tiros à queima-roupa, pelas costas ou na cabeça, e com golpes de machado e facão
09.jun.96 - Coordenado pelo coronel João Paulo Vieira, Inquérito Policial Militar indicia 156 PMs e inocenta Almir Gabriel. No segundo mandato do governador, Vieira é nomeado chefe da Casa Militar
12.jun.96 – MP denuncia 155 PMs à auditoria militar (um motorista foi excluído do processo)
16.ago.96 - Processo chega à Justiça comum. O juiz de Curionópolis, Laércio de Almeida Larêdo, aceita denúncia contra 155 PMs, um civil e três sem-terra
25.out.96 - O processo é desmembrado em dois. A acusação de homicídio contra os 155 PMs fica na Justiça comum. A de lesões corporais vai para a Justiça Militar
06.mai.97 - Dois novos juízes assumem o caso --Otávio Marcelino Maciel, na Justiça comum, e Raimundo Holanda, na Justiça Militar
12.nov.97 – Maciel manda 153 PMs a júri popular por homicídio doloso; também são acusados um suposto pistoleiro e três sem-terra
16.ago.99 – Tribunal do Júri absolve os três oficiais da PM envolvidos no caso --coronel Mário Colares Pantoja, major José Maria Pereira de Oliveira e capitão Raimundo José Almendra Lameira
Abr.2000 – Tribunal de Justiça do Pará anula julgamento. Juiz Ronaldo Valle solicita o afastamento do caso. Maioria dos juízes consultados pelo TJ rejeita presidir o julgamento
Jun.2001 – Novo julgamento, presidido pela juíza Eva do Amaral Coelho, é adiado após o MST contestar a retirada da perícia feita por Ricardo Molina do processo. O laudo apontava que os PMs dispararam primeiro contra os sem-terra
Mai/jun.2002 – Julgamento é retomado; dos três oficiais acusados, coronel Pantoja e major Oliveira são condenados a 228 e 154 anos de prisão, respectivamente, com o benefício de recorrerem em liberdade. O júri inocentou os demais envolvidos
Set/out.2005 – STF concede habeas corpus ao coronel Pantoja e, posteriormente, estende a decisão ao major Oliveira
Ago.2009 – STJ nega recursos da defesa que pediam a anulação da condenação7.mai.2012 – Justiça do Pará determina a prisão do coronel Pantoja e do major Oliveira
Os manifestantes marchavam rumo à capital paraense para exigir a desapropriação da fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), ocupada por 1.500 famílias havia 11 dias.
Do gabinete do governador Almir Gabriel (PSDB) partiu a ordem para “desobstruir” a via; o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, reforçou a orientação e autorizou o uso da força policial para tirar os manifestantes da rodovia.
Pantoja disse, em seu depoimento no Tribunal do Júri, que tentou argumentar com seus superiores para que a tropa de choque fosse chamada para a operação, já que seus comandados não teriam condições para cumprir a ordem, mas teve o pedido rejeitado.
Orientado a seguir com a desobstrução, o coronel partiu de Marabá com policiais munidos de armamentos pesados. No lado oposto da PA-150, a partir de Parauapebas, vieram os comandados de Oliveira, também fortemente armados. Na curva do "S", onde a multidão se aglomerava, os PMs utilizaram bombas de gás lacrimogêneo para liberar a rodovia.
Os sem-terra revidaram atirando pedras e paus contra os policiais. Em seguida, alguns PMs passaram a disparar com armas de fogo em direção aos manifestantes. Apesar dos tiros, a maioria das mortes não ocorreu no momento do enfrentamento, mas alguns instantes depois, quando os trabalhadores já estavam rendidos, segundo a perícia.
Os peritos constataram que a maior parte dos crimes teve características de execução, algumas delas com requintes de crueldade. A apuração dos crimes foi prejudicada porque os corpos foram retirados da cena do crime pelos policiais.
Além dos 19 mortos, cerca de 70 trabalhadores sofreram ferimentos graves e mutilações resultantes do uso de armas brancas pelos policiais. “Foi uma demonstração clara da violência do latifúndio e da polícia contra a luta dos trabalhadores pela terra”, analisa a historiadora e professora da USP Universidade de São Paulo), Zilda Iokói.
Dois promotores que defenderam a tese de que o MP deveria investigar a responsabilidade do governador e do secretário foram afastados pelo então Procurador-Geral de Justiça, Manoel Santino, nomeado secretário Especial de Governo no segundo mandato de Almir Gabriel.
O coronel João Paulo Vieira, encarregado do Inquérito Policial Militar, eximiu a cúpula do governo das responsabilidades e foi nomeado chefe da Casa Militar no governo posterior do tucano.
Outro inquérito para apurar o papel do governo no episódio, instaurado por determinação do STJ, foi arquivado após pedido da Procuradoria-Geral da República.
*Com informações de Sandra Rocha, em Belém
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